Em seu primeiro mandato, entre 2017 e 2021, o republicano já havia ameaçado taxar as importações mexicanas caso o país não conseguisse conter a chegada de migrantes na fronteira de mais de 3.111 km que compartilham. A dois dias da eleição de 2024, Trump renovou essa ameaça, prometendo 25% de taxas aos produtos mexicanos - uma medida que violaria o acordo de livre comércio dos Estados Unidos, México e Canadá, negociado em sua primeira gestão, e que será rediscutido em 2026.
Caso se concretize, a taxação das importações de produtos mexicanos pelos Estados Unidos colocaria o país latino em crise econômica praticamente imediata. E um dos primeiros reflexos disso para além da economia seria, justamente, o aumento do fluxo migratório para os Estados Unidos, o que Trump promete combater com vigor. Receita perfeita para uma situação de tensão permanente na fronteira e, numa segunda camada, para um potencial aumento do poder e da violência do narcotráfico, que ganharia uma massa de novos candidatos a compôr seus quadros, formada por trabalhadores desesperados para sustentar suas famílias.
Caça aos indocumentados
Estimativas indicam que quase 11,7 milhões de pessoas vivem hoje irregularmente nos Estados Unidos, e o presidente eleito cogita deportar pelo menos 3 milhões, o que seria o dobro do que fez em seu primeiro governo.
Interessante notar que a administração Joe Biden-Kamala Harris deve igualar este número de 1,5 milhão de deportações até o fim deste ano, o que significa que a gestão democrata não foi melhor que a republicana para os migrantes. No caso de Trump, mesmo que um milhão de pessoas sejam deportadas por ano a partir de 2025, para retirar todos os ilegais dos EUA seriam necessários 12 anos de deportações em massa, a um custo absurdo de quase US$ 1 trilhão.
Desastre econômico e diplomático
Ao estudar as medidas anunciadas por Trump percebe-se que, antes mesmo de iniciá-las, os investimentos necessários já serão muito altos, pois será preciso ampliar o quadro de agentes fronteiriços e de deportação, além de construir espaços físicos para funcionarem como centros de triagem.
Como doutorando em Relações Internacionais e pesquisador nas áreas de migrações forçadas por violência na América Latina e no controle de fronteiras dos Estados Unidos, acredito que, para além dos gastos diretos, a ideia das deportações em massa é um potencial desastre também para a economia estadunidense. Antes de mais nada, porque o mercado de trabalho perderia a mão de obra “barata” de imigrantes indocumentados à qual está tão acostumado. Além disso, o comércio interno seria prejudicado pela ausência do consumo dos indocumentados que deixariam o país. Provocando, para citar apenas uma de suas possíveis consequências, o fechamento de diversas empresas.
Isso porque estima-se que cerca de 8,3 milhões desses 11,7 milhões de imigrantes indocumentados estão no momento inseridos no mercado de trabalho norte-americano. Eles representam 5% da força laboral do país, e concentrados em setores tão fundamentais quanto a construção civil, a agricultura e a prestação de serviços. Perder, mesmo que seja em 12 anos, 5% de sua força de trabalho arruinaria a economia dos Estados Unidos.
Em termos diplomáticos, a medida também é complexa e difícil de ser implementada. Ela demandaria, por exemplo, convencer os países de origem dos migrantes a receberem os voos de deportação, o que pode gerar resistências. Especialmente em nações contra as quais Trump faz ataques verbais diretos, como Cuba, México e Venezuela.
Além da questão ideológica, a dificuldade em aceitar acordos de deportação passará pelos aspectos econômicos, pois diversos países de origem dos migrantes teriam quedas abruptas em suas receitas devido à redução de remessas financeiras em dólar enviadas regularmente pelos migrantes às suas famílias. Só o México recebe US$ 60 bilhões anuais em remessas.
Entre outubro de 2020 e setembro de 2024, período praticamente total do mandato de Joe Biden até o momento, mais de 2,8 milhões de mexicanos foram detidos por agentes fronteiriços tentando cruzar a fronteira terrestre sudoeste para os Estados Unidos. Esse volume de pessoas movimenta a economia dos dois lados, provocando uma relação econômica bilateral que se favorece da ausência de regularização migratória atual.
Gabinete da xenofobia
Em 2016, o lema de Trump para a questão das migrações foi “Build the wall” (“Construa o muro”). Já em 2024, o tom subiu para “Mass deportation” (“Deportação em massa”). Na prática, porém, até o momento não há qualquer explicação do presidente eleito e seus assessores sobre como realizariam a logística e o tratamento de dados gigantescos relacionados a esse processo, como, por exemplo, a identificação dos milhões de indocumentados. Estima-se que 4,4 milhões de cidadãos americanos menores de 18 anos tenham, pelo menos, um de seus pais indocumentados atualmente nos EUA.
É fato que, dentre as primeiras nomeações do novo gabinete trumpista, as migrações são protagonistas. Stephen Miller deve ser nomeado vice-chefe de gabinete de políticas. Em 2023, Miller defendeu, em entrevista ao The New York Times, a prisão em massa de migrantes indocumentados, a transferência deles para campos de detenção construídos por militares e a expulsão deles do país.
Miller foi assessor de Trump em seu primeiro mandato, defendendo a proibição da entrada nos EUA de pessoas de países de maioria muçulmana e a separação de famílias que atravessassem irregularmente as fronteiras, deixando crianças alijadas de seus pais. Miller também já foi exposto como propagandista de ideais nacionalistas brancos.
Foi Miller quem, durante a campanha, começou a moldar o plano de deportações em massa defendido por Trump. Foi ele também quem declarou a intenção do futuro governo de deportar um milhão de pessoas por ano.
Um dos aspectos revelados do plano seria a realocação de agentes federais para a fronteira e o uso de membros das forças de segurança de estados republicanos para atuarem na expulsão de migrantes em travessia irregular. Caso confirmada, essa medida poderá ampliar os casos de violência na fronteira, e empurrar migrantes indocumentados para os desertos e outras áreas remotas, onde estarão ainda mais suscetíveis a explorações de coiotes e de narcotraficantes.
Uma das promessas mais polêmicas seria também a retirada de cidadania de filhos de migrantes indocumentados nascidos nos Estados Unidos, tornando essas pessoas não cidadãs, potencialmente apátridas, e legalmente deportáveis ao país de origem de seu progenitor.
Trump também anunciou que Thomas Homan retornará ao posto de diretor da agência de imigração e alfândega (Immigration and Customs Enforcement – ICE), conhecido pela implementação da política de Stephen Miller de separação de famílias. Homan já afirmou que as batidas policiais em locais de trabalho de imigrantes indocumentados seriam retomadas, e será ele o responsável prático pelas deportações em massa pretendidas por Trump.
Chefiando Homan estará a governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem, como Secretária da Segurança Interna (Homeland Security), pasta responsável pela gestão de fronteiras, migrações, resposta a desastres e pelo Serviço Secreto. Noem possui diferentes posições antimigração e deve reforçar o caráter institucionalizado do governo em perseguir migrantes.
Imigrantes como 'inimigos'
Por fim, Trump prometeu ainda acionar o Alien Enemies Act de 1798, que permite a deportação de cidadãos de países com os quais os Estados Unidos estão em guerra ou quando têm seu território atacado. A medida já foi utilizada na Guerra de 1812 contra o Reino Unido, na Primeira e na Segunda Guerra Mundial.
Utilizá-la em tempos de paz significaria uma manobra retórica e jurídica de considerável esforço. Os republicanos desejam utilizar a legislação a partir do discurso de “invasão de migrantes e criminosos”, o que seria judicializado e, com a maioria conservadora na Suprema Corte, encontraria apoio para sua aplicação. Ressalta-se que cabe ao Congresso estadunidense declarar guerra a outra nação. Mas como os republicanos obtiveram a maioria nas duas casas legislativas, essa possibilidade pode, sim, ser considerada.
*Victor Cabral, Doutorando em Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)
Leia o artigo original.
Deixe seu comentário