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Clima, instituições multilaterais e fortunas: os temas espinhosos do G20

Reunião de chefes de negociadores dos países do G20 em 12 de novembro, na prévia do encontro dos chefes de Estado Imagem: Isabela Castilho/G20 Brasil

Do UOL, em São Paulo e no Rio de Janeiro

16/11/2024 05h30

A mesa de negociação do G20 tem temas espinhosos, com grande divergência entre os países: mudanças climáticas, reformas de instituições como o Conselho de Segurança da ONU e taxação de grandes fortunas. Já a criação de uma aliança global contra a pobreza, proposta pelo Brasil, tem recebido ampla adesão.

O resultado da negociação deve sair em 19 de novembro, após dois dias de reunião entre chefes de Estado. Há grande expectativa entre os países, já que o G20 é considerado um dos principais fóruns com capacidade para influenciar a agenda internacional.

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Veja os principais temas em discussão pelo G20 e o que pode avançar, segundo diplomatas envolvidos nas negociações e especialistas.

Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza

A criação de uma aliança internacional para enfrentar a pobreza e a fome é vista como o principal legado deste G20. Enquanto em outros temas há divergência, neste a maioria concorda. Além disso, a adesão à aliança não é obrigatória, mas voluntária. Mesmo que um país importante não queira participar, os demais podem seguir com a iniciativa.

O objetivo é conectar financiadores com países que querem implementar medidas contra a pobreza e países que podem contribuir com suas experiências. Hoje já existem órgãos que atuam diretamente no tema da fome e da pobreza, como a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) e o PMA (Programa Mundial de Alimentos). Instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial, também já financiam iniciativas. O governo brasileiro diz que a aliança não vai concorrer, mas somar forças.

Antes do lançamento oficial, previsto para 18 de novembro, aliança já conta com dezenas de adesões. Até lá, Brasil busca negociar fontes de financiamento externo. Com a iniciativa, Lula quer voltar a ter protagonismo internacional no combate à pobreza. Nos seus primeiros dois governos, o sucesso do Bolsa Família na redução da fome no país despertou a atenção de outros países. Agora, Lula volta a propagar essa e outras políticas públicas, como Cadastro Único, PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e PAA (Programa de Aquisição de Alimentos).

No Brasil, Lula vem dizendo que o pobre tem que estar no orçamento. A aliança é a mesma coisa, mas na escala internacional. Precisa de compromisso político no mais alto nível para colocar essas questões sociais na agenda de debate e no orçamento global.
Laura Waisbich, pesquisadora do Articulação Sul, foi diretora do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford

Ações para frear mudanças climáticas

O G20 não é um fórum sobre meio ambiente, mas este é um dos temas centrais da discussão devido ao risco de colapso do clima. É algo que interfere nas relações econômicas entre os países, na produção de energia, abastecimento de água e produção de alimentos e gera impactos sociais.

Em reunião prévia do G20 sobre clima, ministros dos países do grupo listaram metas claras. Entre elas, triplicar energia renovável e atingir neutralidade de emissão de gases — ou seja, tudo que for emitido será compensado.

Já a declaração final do G20 deve ser mais genérica. No ano passado, durante a reunião anual do grupo, realizada na Índia, o texto cobrou compromissos mais ambiciosos dos países, mas sem especificar quais.

Compromissos assumidos agora podem sofrer um revés no início de 2025, com a posse de Donald Trump nos Estados Unidos. Há expectativa de que o presidente eleito abandone medidas de combate às mudanças do clima em vigor no país. Em seu primeiro mandato, ele retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, que estabelece medidas para tentar conter o aquecimento global, o que pode voltar a ocorrer.

Dado seu peso político e econômico, e sendo responsáveis por cerca de 80% das emissões de gases de efeito estufa, a liderança dos países do G20 é fundamental para manter vivo o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Maiara Folly, especialista em relações internacionais, com atuação na área ambiental, diretora-executiva da Plataforma Cipó

Democratização de instituições multilaterais

Tema já foi discutido em edições anteriores do G20, sem avanços, e voltou a ser pautado em 2024 pelo Brasil. A meta é aumentar o poder de países em desenvolvimento em instituições de governança global, como a ONU e a OMC (Organização Mundial do Comércio). Hoje, grande parte das decisões nesses fóruns está travada, seja para encontrar saídas para as guerras ou para negociar o comércio internacional — no que tem sido chamado de crise do multilateralismo.

Além de dar mais voz a países em desenvolvimento em agências ligadas a ONU, a reforma abrangeria bancos multilaterais de desenvolvimento. Entre eles, o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional), para que tenham mais ferramentas para ampliar os investimentos em projetos sustentáveis e combate a desigualdades nos países em desenvolvimento.

O Brasil e outros países em desenvolvimento buscam mais peso de voto nas instituições multilaterais. Já nos países desenvolvidos, temos visto muito mais uma guinada para nacionalismo econômico e hostilidade a instituições multilaterais. A reforma das instituições multilaterais é algo difícil, apesar da mobilização do sul global.
Maurício Santoro, cientista político e especialista em relações internacionais

Taxação de grandes fortunas

Taxação de super ricos foi discutida em encontros ministeriais do G20. A equipe de Finanças do G20 passou meses debatendo um projeto para taxar os bilionários ao redor do mundo. A medida atingiria cerca de 3 mil pessoas — grupo com patrimônio acima de U$ 1 bilhão distribuídos em ativos, imóveis, ações, entre outros, e que não paga pelo menos 2% de imposto de renda anual. E poderia arrecadar entre US$ 200 bilhões e US$ 250 bilhões ao ano.

A ideia era que o dinheiro fosse usado para financiar ações de combate a miséria e catástrofes climáticas. Em julho, o grupo de Finanças do G20 emitiu uma declaração dizendo que o mundo precisa discutir o tema, mas sem impor prazos.

Expectativa de diplomatas e especialistas é que taxação de grandes fortunas não seja incluída na declaração final do G20. Em julho, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, disse a jornalistas que seria muito difícil implementar um imposto global, que vigorasse além das fronteiras nacionais. Nos bastidores, diplomatas de outros países afirmam que isso seria quase impossível, inclusive por questões técnicas e administrativas.

"Se levar um, dois, cinco anos, não é esse o problema", disse Fernando Haddad. Em julho, o ministro da Fazenda disse para jornalistas que só o fato de a taxação ter sido pautada no grupo de Finanças já era "uma conquista". "O fato de os 20 países mais ricos terem concordado em se debruçar sobre um tema proposto pelo Brasil é algo que precisa ser valorizado."

A taxação de grandes fortunas talvez não figure na declaração final, mas o espaço que ganhou nos debates prévios do G20 alavanca a possibilidade de que esse tema continue a ser discutido no cenário global e amadureça.
Laura Waisbich, pesquisadora do Articulação Sul, foi diretora do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford

Mapa do G20: 19 países, União Europeia e União Africana Imagem: Arte UOL

Repúdio a guerras em Gaza e na Ucrânia

A manifestação do G20 sobre as guerras em curso é considerada a negociação mais difícil do evento. Diferentes lados das guerras estão representados no grupo, o que dificulta consenso para declarações mais duras.

Linguagem neutra pode ser usada para destravar a aprovação do documento final. Nos bastidores, diplomatas afirmam que o Brasil busca um consenso em torno do tema, ainda que seja preciso usar "suavizar" o texto. Por exemplo, manifestar preocupação com o sofrimento causado pelos conflitos e defender o respeito a princípios já definidos pelas Nações Unidas, sem apontar o dedo para agressores.

Há um entendimento de que o G20 não é o local adequado para tratar das guerras, mas também que elas não podem ser ignoradas. Em entrevista na quinta-feira (14), diplomatas franceses disseram que uma manifestação sobre as guerras não pode travar o avanço em outras pautas, como a ambiental e a social.

As duas guerras são os temas mais espinhosos na política global. Provavelmente o que vamos ter do G20 em relação a essas guerras vai ser uma declaração muito genérica, inofensiva, sem apontar dedos para culpados.
Maurício Santoro, cientista político e especialista em relações internacionais

Outros temas em debate

Ao longo do ano, foram realizadas dezenas de reuniões ministeriais para tratar de temas específicos. Na pauta, estavam assuntos econômicos, como agricultura, desenvolvimento, emprego, pesquisa e inovação, comércio e investimento, bioeconomia, economia digital. Também foram debatidos saúde, anticorrupção, cultura, empoderamento da mulher e turismo.

Declaração final não consegue abarcar todos os temas, mas discussões setoriais ajudam a definir agendas do futuro do G20. "O tempo da política internacional é mais lento do que o da política doméstica. [As decisões sobre alguns temas] não acontecem em seis meses, um ano. Às vezes, cinco anos ou até mais. Mas os espaços de discussão são importantes. É um momento de diálogo em mundo que está vivendo escassez de comunicação", diz Maurício Santoro.

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