Pegasus é apontada por espionagem; Carlos Bolsonaro quis sistema no Brasil
O NSO Group de Israel foi apontado pela Justiça dos EUA como responsável por instalar um aplicativo de monitoramento em celulares, conhecido como Pegasus e que tinha como objetivo espionar centenas de políticos, jornalistas, opositores e ativistas de direitos humanos. No Brasil, o vereador Carlos Bolsonaro tentou convencer o governo a adquirir o software durante a gestão de seu pai, Jair Bolsonaro, como presidente.
Nos EUA, a decisão foi tomada em um processo movido pelo WhatsApp, de propriedade da Meta, contra o NSO Group. A juíza do caso, Phyllis Hamilton, considerou que o fabricante israelense de spyware era responsável por ter como alvo os celulares de 1.400 usuários do WhatsApp.
Segundo a corte, a empresa violou diversas leis americanas, entre elas a Lei de Fraude e Abuso de Computador (CFAA). Nos EUA, a administração do presidente Joe Biden colocou em 2021 o NSO Group em uma lista que proibiu as agências governamentais dos EUA de comprar seus produtos. O Pegasus foi implicado em hacks por governos autoritários em todo o mundo.
O caso foi iniciado em 2019, quando o WhatsApp entrou com uma ação acusando o NSO Group de violar uma lei federal anti-hacking. A empresa acusava os israelenses de usar o Pegasus para espionar defensores dos direitos humanos e jornalistas em um ataque cibernético.
"As empresas de vigilância devem estar cientes de que a espionagem ilegal não será tolerada", disse Will Cathcart, chefe do WhatsApp, em um post na mídia social.
Com a decisão, a empresa israelense será alvo agora de um julgamento. A polêmica ferramenta virou notícia no mundo por ter sido utilizada por governos para espionar jornalistas, ativistas e inimigos políticos dos chefes de estado. Segundo um consórcio de 17 jornais de dez países, ao menos 180 jornalistas chegaram a ser monitorados por meio do sistema Pegasus.
Carlos Bolsonaro e a Pegasus
No Brasil, o sofisticado programa de espionagem israelense já despertou interesse de procuradores da agora extinta força-tarefa da Lava Jato e era promovida por Carlos Bolsonaro.
Em maio de 2020, o UOL revelou que um revendedor brasileiro tentava oferecer o sistema Pegasus ao Ministério da Justiça, que abriu uma licitação para a aquisição da nova "solução de inteligência em fontes abertas, mídias sociais, Deep e Dark Web".
A matéria mostrou como a licitação que visava a "aquisição de uma ferramenta de busca e consulta de dados em fontes abertas" só foi concluída na gestão de Anderson Torres. Mas foi pensada ainda pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, na intenção de adquirir uma poderosa ferramenta de espionagem para municiar o Centro Integrado de Operações de Fronteira. A reportagem também era assinada por Lucas Valença.
O 'Fusion Center', como é conhecido o modelo americano que integra informações de forças de segurança, seria instalado em Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira no Paraná, e teve um GT (Grupo de Trabalho) criado pela Portaria nº 264, de 25 de março de 2019.
A intenção era concluir ambas as licitações, para a criação do centro de controle e para a aquisição de uma ferramenta de inteligência, até 2020, mas diversos atrasos impediram que Moro concluísse o objetivo até a data de sua exoneração em 24 de abril de 2020.
Contudo, na licitação para a aquisição do programa, uma ferramenta, a Pegasus, era criticada por integrantes da cúpula militar à época. Um dos generais críticos do sistema era o então ministro da Secretaria de Governo, Carlos dos Santos Cruz.
Este edital de nº 03/21, porém, contou com dois processos de instrução distintos, um em 2020 e outro em 2021, sendo o primeiro ocorrido ainda na gestão de Moro.
A saída da empresa fornecedora do Pegasus do pregão ocorreu após reportagem do UOL mostrar o envolvimento de Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, na negociação.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
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Em junho de 2019, em uma reunião sigilosa no Quartel-General do Exército, sete generais com influência no alto comando do Exército se reuniram para tratar da então suspeita de invasão que Moro havia sofrido no celular. Posteriormente a invasão resultou na Operação Spoofing.
Segundo uma fonte que esteve no encontro, dentre os militares que participavam da reunião estava o general Santos Cruz. Neste dia, duas ferramentas foram apresentadas, uma delas era justamente o sistema Pegasus. Ao olhar o poderoso programa, porém, Santos Cruz teria proferido críticas.
Santos Cruz chegou a avisar o ex-presidente Bolsonaro sobre o perigo em trazer a ferramenta da NSO ao Brasil, já que a ala do Exército que participou da experimentação teria optado por não trazer o Pegasus ao Brasil, mesmo com um ministro sendo alvo de crime cibernético.
Após saber da reunião dos militares, Carlos Bolsonaro articulou a exoneração do então ministro. Sete dias depois, a demissão do general Santos Cruz foi publicada no Diário Oficial da União.
No Brasil, depois de revelações do UOL sobre o lobby feito pelo vereador carioca pelo sistema, a fornecedora abandonou licitação do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Procuradores e o interesse pela Pegasus
Conforme o UOL também revelou, numa petição protocolada no STF (Supremo Tribunal Federal), a defesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apontou como os procuradores em Curitiba teriam buscado criar um "sistema de espionagem cibernética clandestina". A perícia tem como base mensagens de chats entre membros da Lava Jato apreendidas na Operação Spoofing.
Em nota divulgada sete horas depois da divulgação da matéria e da consulta feita pela reportagem em 2021, os procuradores que integraram a força-tarefa garantem que nunca houve a compra do sistema e "repudiam" as alegações.
Documentos que não fazem parte da petição e obtidos com exclusividade pelo UOL ainda revelam detalhes das negociações entre os procuradores e representantes da empresa que vendia o sistema de espionagem.
Segundo a petição ao STF a partir dos diálogos de procuradores, "a Operação Lava Jato teve contato com diversas armas de espionagem cibernética, incluindo o aludido dispositivo Pegasus". O documento é assinado pelos advogados Valeska Teixeira Martins e Cristiano Martins, hoje ministro do STF.
Numa conversa no chat do grupo de procuradores em 31 de janeiro de 2018, é citada uma reunião entre os membros da "Lava Jato" do Rio de Janeiro, de Curitiba e representantes de uma empresa israelense que vendia uma "solução tecnológica" que "invade celulares em tempo real (permite ver a localização etc)". Essa tecnologia, segundo os advogados, mais tarde seria identificada como sendo o Pegasus.
Nos minutos seguintes, diversos procuradores confirmam o interesse em participar da reunião. Um deles, mencionado como Paulo, é o único a identificar eventuais problemas:
"Confesso que tenho dificuldades filosóficas com essa funcionalidade (abrir microfone em tempo real, filmar o cara na intimidade de sua casa fazendo sei lá o quê, em nome da investigação). Resquícios de meus estudos de direitos humanos v. combate ao terrorismo em Londres".
Naquele momento, as revelações dos abusos cometidos pelo sistema não tinham sido publicadas e, para muitos, seu uso potencial de fato era desconhecido. Sem uma definição jurídica, o instrumento operava num limbo em diversas partes do mundo.
Em uma conversa trocada no fim de março de 2018, a NSO informa ao procurador Júlio Noronha, em um e-mail intitulado "PEGASUS", que algumas "funcionalidades" do sistema seriam incluídas na "versão 3.0" da ferramenta após observações feitas por integrantes do Ministério Público em conversas anteriores.
Quinze dias depois, os representantes da NSO no Brasil são convidados pelo analista do MPU (Ministério Público da União) Marcelo Beltrão a irem a Brasília para "uma apresentação e demonstração do Pegasus na PGR".
"Por oportuno, observo que o contato de vocês nos foi enviado por intermédio do dr. Eduardo El Rage", afirma o técnico. Eduardo Rage foi coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.
As conversas transcorreram até o começo de março, mas com a posse de Augusto Aras, em setembro de 2019, as tratativas foram suspensas. Isso porque, informou uma fonte do MPF, o novo procurador-geral determinou que o software fosse auditável e que funcionasse apenas com base em autorizações judiciais, permitindo assim um maior controle sobre possíveis abusos.
Por ser uma ferramenta que permite invasões de celulares e computadores sem praticamente deixar rastros, o Pegasus impediria a fiscalização efetiva de servidores que porventura o utilizassem. Ou seja: seria impossível saber que pessoa teve quais equipamentos eletrônicos acessados por um funcionário do Ministério Público.
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