Como Trump e Milei podem tentar desmontar compromissos do G20 no Brasil
Os chefes de Estado do G20, o grupo dos países mais ricos do mundo, se reúnem no Rio de Janeiro em 18 e 19 de novembro para buscar uma posição conjunta sobre assuntos como mudança climática e combate à fome. Mas, a partir de 2025, existem chances de que Donald Trump, eleito para novo mandato como presidente dos Estados Unidos, recue de eventuais acordos definidos pelo G20. Uma prévia de como Trump vai lidar com as resoluções de seus pares talvez se encontre na estratégia diplomática do presidente argentino Javier Milei, que, na tentativa de agradar o aliado americano, pode atrapalhar a busca pelo consenso em uma declaração final do grupo já neste ano.
O que aconteceu
Reeleição de Trump soou o alarme entre especialistas de áreas como combate a mudanças climáticas e defesa dos direitos humanos. Em seu primeiro mandato, de 2017 a 2021, os EUA saíram do Acordo de Paris (que estabelece metas para reduzir o aquecimento global) e do Pacto Mundial sobre Migração e Refugiados, ambos de agências da ONU (Organização das Nações Unidas). Trump é um crítico da instituição e de outros órgãos multilaterais porque ele entende que tiram poder de países fortes.
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Com Milei na mesa do G20, Trump ganha um apoiador. Ainda que Joe Biden, atual presidente americano, tenha posições mais próximas às de Lula, ele está nas últimas semanas de mandato. Isso faz sua caneta perder força. Já o argentino Milei estará na mesma mesa de Lula no G20 e com poder de voto — podendo, portanto, conturbar o debate ou mesmo se recusar a assinar a declaração final do grupo, além de servir como um porta-voz de Trump na cúpula. Milei se reuniu com o americano no fim desta semana na Flórida.
Foco do G20 está no combate à fome, no desenvolvimento sustentável e na reforma de organizações multilaterais. As prioridades do G20 de 2024 vão justamente na contramão do pensamento político de Trump e de Milei. Foram definidas pelo governo Lula, já que o Brasil tem a presidência do grupo neste ano.
G20 analisa também financiamento aos acordos climáticos, e Milei e Trump podem atrapalhar. Ao longo do ano, integrantes do G20 têm discutido a possibilidade de criação ou de aumento de verba para fundos de combate ao aquecimento global e à mudança climática. Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, diz que os EUA sob Trump podem prejudicar ou se retirar das conversas sobre formas de financiamento. Isso enfraqueceria as negociações e seria uma "desculpa perfeita" para outros países que não quiserem assumir compromissos para mitigar o aquecimento do planeta. Nesta semana, Milei determinou que a comitiva argentina abandonasse a COP29, a cúpula do clima na ONU.
Articulações políticas internacionais podem perder força. Monique Goldfeld, professora do IDP (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa), diz que a falta de comprometimento de Trump com organizações multilaterais têm impacto muito grande "em questões que envolvem a legislação internacional para proteger os direitos humanos". Ela destaca que a costura política com outros países é super delicada e que, "ao que tudo indica, muitas dessas articulações políticas não irão adiante, fazendo com que subterfúgios tenham que ser uados para driblar os EUA" nas negociações.
Multilateralismo reduz poder de decisão. Sarang Shidore, diretor do Quincy Institute, centro de estudos com sede em Washington, afirma que, tradicionalmente, os conservadores americanos não gostam da burocracia internacional e tampouco da imposição de legislações externas sobre o país. Por isso, diz ele, um fórum como o G20 não é confortável para os EUA como é para Europa ou para o Brasil. No entanto, pondera que Trump precisará discutir algumas questões e que "os EUA não são dominantes como nos anos 1990".
Milei e Trump defendem o nacionalismo. Danielle Ayres, professora de política internacional e segurança da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), diz que a extrema-direita se posiciona contra o multilateralismo por entender que a única maneira de existir como Estado é dentro de uma lógica nacionalista, "onde a interação com os demais Estados é sempre uma competição, e onde não cabe interagir com os demais num lógica interdependente".
Ou seja, para eles, o aumento das relações entre os Estados que a globalização trouxe destrói a característica nacional. Assim, todo e qualquer espaço multilateral como o das organizações deve ser enfraquecido ou colocado em segundo plano.
Danielle Ayres, professora de política internacional e segurança da UFSC
Extrema-direita global adotou discurso contra o "globalismo". Gisela Pereyra Doval, professora da Faculdade de Ciência Política e Relações Internacionais de Rosário, na Argentina, diz que o grupo de líderes que se coloca como "antiglobalistas" — Trump e Milei entre eles, assim como Jair Bolsonaro — rejeita as normas internacionais estabelecidas após a Segunda Guerra Mundial por considerá-las uma ameaça à soberania estatal.
O antiglobalismo pode ser definido como a impugnação dos princípios, valores, normas e instituições que representam a arquitetura institucional da ordem internacional liberal. Para essas pessoas, o globalismo é quase uma conspiração contra seus interesses e os do país. Essa lógica deriva de uma desconfiança em relação à pretensão de universalidade do globalismo.
Gisela Pereyra Doval, professora da Faculdade de Ciência Política e Relações Internacionais de Rosário, na Argentina
Argentina precisa do FMI. Apesar da posição antiglobalista de Milei, a Argentina ao longo das últimas décadas tem frequentemente pedido socorro financeiro ao FMI (Fundo Monetário Internacional). "A ajuda de que Milei precisa do FMI é uma contradição para o antiglobalismo que prevalece na visão de mundo do presidente", diz Pereyra Doval.
G20 em 2026 vai ser nos EUA. O Brasil vai passar a Presidência do G20 para a África do Sul. Em 2026, a Presidência é dos Estados Unidos.