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Há 20 anos, Lula liderou outra ação global contra fome, que não foi adiante

Lagos, do Chile, Chirac, da França, Kofi Annan, da ONU, e Lula, em janeiro de 2004 Imagem: UN Photo/Patrick Bertschmann

Do UOL, no Rio de Janeiro

17/11/2024 05h30

Sob a convocação de Lula, representantes de mais de 50 países se reuniram para discutir o combate à fome e à pobreza no mundo.

"Já não bastam as intenções proclamadas. Chegou a hora de tornar esse compromisso palpável e operacional", disse Lula. "O fato de estarmos aqui faz crescer nossa esperança. É um gesto forte e concreto no rumo de uma aliança mundial contra a fome e a pobreza".

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Parece o roteiro da abertura do G20 do Rio de Janeiro na manhã desta segunda-feira (18), quando Lula irá lançar a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, a estrela dos olhos do governo brasileiro na cúpula de líderes dos países mais ricos do mundo.

Mas o discurso aconteceu vinte anos atrás, em setembro de 2004, na sede da ONU, em Nova York, quando Lula promoveu a primeira versão da "aliança".

O objetivo das iniciativas propostas pelo presidente brasileiro em 2004 e 2024 é praticamente o mesmo: auxiliar países em desenvolvimento a implementarem projetos de combate à fome.

O desafio também é semelhante: conseguir o dinheiro, sobretudo de forma contínua.

Foi a dificuldade de obter financiamento, somada ao gradativo desinteresse internacional, que fez a iniciativa de 2004 perder relevância. A ponto de ser esquecida e, duas décadas depois, relançada com nova roupagem, como um feito "inédito".

"Pode se tornar um instrumento de virada na história da humanidade", disse a primeira-dama, Janja da Silva, na sexta (15), em eventos prévios do G20.

Presidente Lula no palco do festival Aliança Global Contra a Fome, no Rio, em 16 de novembro Imagem: Ricardo Stuckert/Presidência da República

O que aconteceu em 2004: o "fundo Lula"

Em janeiro de 2004, após um ano na Presidência do Brasil, Lula foi patrono de uma coletiva de imprensa em Genebra, na Suíça, "em apoio à aliança global contra a fome e a pobreza".

Junto dele estavam os presidentes Jacques Chirac, da França, Ricardo Lagos, do Chile, e o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), Kofi Annan.

"Concordamos em fazer um apelo conjunto por uma parceria verdadeiramente global, que mobilize vontade política e apoio financeiro. (...) Tal aliança global contra a fome e a pobreza deve tornar possível que os países em desenvolvimento recebam apoio contínuo", disse Lula.

Três meses antes, a FAO (agência da ONU para alimentação) tinha lançado a "aliança internacional de combate à fome". Mas a coletiva de imprensa não fez nenhuma referência à FAO, transferindo o protagonismo para Lula.

"Temos que encontrar novos recursos e colocá-los em um fundo que o presidente Lula está propondo — o que ele chama de fundo de combate à fome", falou Chirac.

Era o "fundo Lula", nas palavras de Chirac.

Um jornalista questionou o que o "novo fundo Lula" "ia adicionar de novo" em relação às iniciativas da FAO e do Programa Mundial de Alimentos.

Lula jogou a bola para Chirac, que disse que seriam buscadas novas fontes de financiamento, além da tradicional ajuda internacional de países, bancos e instituições. Um grupo de trabalho da França, do Brasil e do Chile ficou responsável por estudar alternativas.

Lula, Celso Amorim e Chirac, na reunião de chefes de Estado convocada pelo brasileiro, em Nova York, setembro de 2004 Imagem: UN Photo/Mark Garten

Em setembro, em Nova York, Lula buscou apoio de mais líderes globais à iniciativa. Do encontro, surgiu a declaração sobre a "Ação Contra a Fome e a Pobreza", assinada por 107 países.

O texto começa citando Lula: "Sob a iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, nos reunimos em Nova York, em 20 de setembro de 2004, no espírito de cooperação e diálogo, para discutir um incremento nas ações internacionais para combater a fome, superar a pobreza e aumentar o financiamento para o desenvolvimento".

Depois de Nova York, Lula propagou a iniciativa em viagens internacionais. Era uma forma de sinalizar que o Brasil não só estava combatendo a fome dentro de casa, com o Bolsa Família e outras políticas sociais, mas também buscando soluções para o resto do mundo.

"Devemos criar mecanismos inovadores de financiamento. Um exemplo é a ação contra a fome e a pobreza no mundo que lancei na ONU, juntamente com vários chefes de Estado, em 2004", discursou Lula em viagem para Gana, em 2008.

"O apoio da Argélia à iniciativa brasileira 'Ação contra a Fome e a Pobreza' reforçou minha convicção de que é possível mobilizar os recursos necessários à erradicação dos bolsões de fome e de pobreza", falou na Argélia, em 2006.

"Agradeço a acolhida de seu governo às iniciativas que o Brasil avançou no encontro de líderes para uma Ação contra a Fome e a Pobreza, em Nova York", disse no Camarões, em 2005.

Taxa voluntária nas passagens aéreas

O principal resultado da primeira iniciativa veio em 2006, a partir de uma sugestão francesa: a criação de uma taxa voluntária sobre passagens aéreas. A ideia foi implementada naquele ano na França e depois em outros 14 países. O valor era de cerca de US$ 1 por bilhete de classe econômica.

O dinheiro era destinado para uma organização chamada Unitaid — o nome "fundo Lula" não vingou. Em seguida, era usado para baratear remédios contra o vírus HIV, a tuberculose e a malária em países em desenvolvimento. Isso fez o protagonismo da iniciativa passar para a França.

Outras ideias para financiar o combate à fome foram discutidas pelo grupo de trabalho iniciado por Brasil, França e Chile, mas não ganharam tração. Também não foram realizados projetos de larga escala para replicar as políticas sociais brasileiras.

Aos poucos, a ação contra a fome e a pobreza proposta por Lula em 2004 foi desaparecendo da agenda internacional.

Na assembleia da ONU de 2008, Lula celebrou a Unitaid, mas disse que "não basta".

"Há quatro anos, junto com vários líderes mundiais, lancei aqui em Nova York a Ação contra a Fome e a Pobreza. Nossa proposta era, e continua sendo, a de adotar mecanismos inovadores de financiamento".

"Precisamos avançar, e muito, se queremos que a humanidade cumpra efetivamente as Metas do Milênio" (oito metas definidas pela ONU para promover o desenvolvimento global, sendo a primeira delas eliminar a pobreza extrema e a fome).

Aliança contra a fome no G20

Duas décadas depois, a proposta volta repaginada ao G20, fórum econômico que reúne 19 países, a União Europeia e a União Africana, juntando 85% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial.

A Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza é o ponto mais consensual do G20 de 2024. Os demais temas propostos pelo Brasil, que preside o fórum este ano, enfrentam maior discordância: transição energética e desenvolvimento sustentável, e reforma de instituições multilaterais.

Dezenas de países já manifestaram interesse em aderir à aliança. Na sexta, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), presidido por um brasileiro, anunciou que vai destinar US$ 25 bilhões para a iniciativa. Neste domingo (16), o Brasil tenta conseguir mais compromissos.

Primeira-dama Janja da Silva no palco do festival de música organizado com o nome da Aliança Contra a Fome, em 16 de novembro Imagem: Rafael Pereira/G20

Nesse ponto, há uma diferença em relação a 2004: não está mais em discussão a criação de uma fonte de financiamento específica para o combate à fome.

O grupo de trabalho do G20 sobre finanças até discutiu a taxação de bilionários (cerca de 3 mil pessoas no mundo, de uma população de 8 bilhões), que poderia arrecadar US$ 200 bilhões ao ano.

Além de ações contra a pobreza, a taxa poderia ser usada para enfrentar as mudanças climáticas — pauta que não estava no horizonte do início dos anos 2000.

Mas o debate sobre a taxação de fortunas ainda não está maduro. Em julho, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, disse a jornalistas que seria muito difícil implementar um imposto global, que vigorasse além das fronteiras nacionais.

"Se levar um, dois, cinco anos, não é esse o problema", disse, em julho, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, que impulsionou a discussão. Para ele, pautar o debate no G20 já é um avanço.

Sem fontes próprias de financiamento, e com as mudanças climáticas disputando os recursos internacionais, a nova Aliança depende de passar o pires para doadores e bancos — cujo apetite varia ano a ano.

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