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'Rápido, vão tirar nossos órgãos': segundo brasileiro é traficado na Ásia

Luckas Viana dos Santos e Phelipe de Moura Ferreira, brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar Imagem: Reprodução / Redes Sociais

Do UOL, em São Paulo

18/12/2024 16h00Atualizada em 18/12/2024 16h07

Há menos de um mês, mais um jovem brasileiro se tornou vítima de tráfico humano em Mianmar, após aceitar uma proposta de emprego internacional que resultou no seu sequestro rumo a uma "fábrica de golpes" no país asiático. Agora, após receber ameaças de morte e de que teria seus órgãos vendidos pelos traficantes, o jovem apela para que ele e o colega sejam resgatados "o quanto antes".

O que aconteceu

Após Luckas Viana dos Santos, 31, ser traficado para Mianmar no início de outubro, Phelipe de Moura Ferreira, 26, foi levado ao mesmo local no fim de novembro. Os dois são paulistanos e moravam em outros países, quando receberam uma suposta proposta promissora de emprego na área de tecnologia para trabalhar na Tailândia (leia mais aqui).

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Brasileiro mais jovem foi dado como desaparecido até entrar em contato com familiares em dezembro. Há cerca de uma semana, ele passou a se comunicar escondido com o pai por uma rede social. "Estávamos sem notícias do Phelipe, até ele conseguir mandar mensagem e descobrirmos que ele estava no mesmo lugar que o Luckas", conta Antônio Carlos Ferreira.

Luckas está sendo punido, "sem conseguir andar direito, cheio de hematomas", contou Phelipe a familiares do outro brasileiro. Ao UOL, a prima de Luckas, Ana Paula, diz que recebeu prints de mensagens do jovem dizendo que seu primo estava sendo torturado por ter alguns de seus pedidos de ajuda descobertos pelos "chefes", que eles dizem ser chineses.

Eles agridem a gente toda hora. (...) Nem falar comigo ele [Luckas] pode porque eles proibiram desde que eu cheguei aqui. Nos falamos escondidos. (...) Também não podemos demonstrar tristeza, se não nos punem. (...) Se eu sumir já sabe que fizeram algo comigo. (...) Só por favor não manda mensagem para os chineses, não quero que ninguém mais se machuque
Mensagens enviadas por Phelipe à irmã no início de dezembro

Ameaças de morte e venda de órgãos

Pai de Phelipe diz que filho pensa em tirar a própria vida e tem recebido ameaças de morte. "Ele está me deixando preocupado, porque já falou duas vezes que vai se matar por não estar aguentando mais, [diz] que estão torturando ele lá, e ameaçando ele e o Luckas de morte", conta Antônio.

Troca de mensagens entre Phelipe e o pai, Antonio Carlos Imagem: Prints cedidos por familiar

"Eles vão tirar nossos órgãos. Como ficar calmo assim?", escreveu Phelipe ao pai nos últimos dias. Enquanto Antônio diz se sentir "impotente" diante da falta de informações sobre o que está sendo feito pelo filho por parte das autoridades brasileiras e locais, o jovem implora para que o resgate chegue logo.

Ao pai, Phelipe implora que ajuda de autoridades brasileiras cheguem logo a Mianmar Imagem: Prints cedidos pelo familiar

Na mensagem mais recente, brasileiro disse que suspeita que eles serão vendidos em breve. "Eles tiraram umas fotos nossas. Acho que vão vender a gente", disse ao pai nesta quarta-feira (17).

Em mensagens recentes, Phelipe diz ao pai que acredita que será vendido, junto ao outro brasileiro, pelos "chineses", em Mianmar Imagem: Prints cedidos pelo familiar

'Governo não faz nada', diz família

Familiares de Luckas e Phelipe afirmam que autoridades brasileiras dão apenas retornos protocolares e vagos. Procurado uma primeira vez pela reportagem com pedidos de esclarecimentos sobre o caso de Luckas, o Itamaraty afirmou apenas que "por meio das Embaixadas do Brasil em Bangkok e em Yangon, acompanha o caso, está em contato com as autoridades locais competentes e presta assistência consular aos familiares do brasileiro".

Após repercussão da história, Itamaraty informou que acionou autoridades locais. "Ao longo das últimas semanas, foram realizadas diversas gestões junto ao governo de Mianmar, com vistas a localizar e resgatar os brasileiros — operação que compete às autoridades policiais locais", afirmou a pasta em nota. Posteriormente, por telefone, uma assessora do órgão disse que informações sobre os brasileiros também foram repassadas à Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal).

Ministério reforçou que operações de busca e resgate cabem às polícias locais, não à embaixada brasileira. Em nota, disse, ainda, que a Embaixada do Brasil no país segue em "contato frequente com os familiares dos assistidos, prestando-lhes assistência consular".

Mãe de Luckas escreveu carta de próprio punho ao presidente Lula em novembro. O documento foi transcrito por sua sobrinha e enviado ao e-mail do gabinete presidencial. A resposta que recebeu foi protocolar: "Informamos que o assunto foi encaminhado ao setor competente para análise e eventuais providências".

Estou desesperada sem notícias dele. Mandei essa carta para o Lula porque ele diz que nenhuma mãe deve sofrer pelo filho, e eu estou sofrendo tanto. (...) Não estou raciocinando direito e não tenho mais condições de viver enquanto meu filho não voltar
Cleide Viana, mãe de Luckas

O governo não faz nada, só fica mandando essas notinhas fajutas. Tanto que o filho da dona Cleide está lá há mais de dois meses. Só ficam mandando nota dizendo que estão em contato com as autoridades. Será então que Mianmar não tem lei?! (...) Estou mandando todos esses prints para a embaixada brasileira, para o Itamaraty, até para a Polícia Federal, e ninguém me responde. Eu me sinto muito impotente e eles parecem surdos e mudos
Antônio Carlos Ferreira, pai de Phelipe

Fábrica de golpes digitais

Brasileiros foram traficados para "aplicar golpes" em estrangeiros por aplicativos de mensagem, segundo familiares. "Meu primo contou ao amigo que era forçado a dar golpes em pessoas de outros países pelo Telegram", conta Ana Paula. O pai de Phelipe confirmou a informação: "não sei qual tipo de golpe é, só sei que é pela internet", diz.

Ministério das Relações Exteriores emitiu alerta para casos de brasileiros traficados para trabalhar em "atividades ilícitas". O comunicado, atualizado no fim de outubro, informa que a embaixada do Brasil em Yangon, antiga capital de Mianmar, "vem sendo notificada, desde setembro de 2022, de casos de aliciamento de brasileiros para trabalho em condições análogas à escravidão", ligados a golpes financeiros virtuais e crimes cibernéticos.

"Trata-se de esquema no qual empresas, supostamente do setor financeiro, oferecem vagas de emprego em operações alegadamente situadas na Tailândia", divulgou o Itamaraty. Na prática, segue o alerta, os brasileiros vítimas do esquema "são transportados para Mianmar, onde têm seus passaportes retidos e são submetidos a longas jornadas de trabalho, privação parcial da liberdade de movimento e possíveis abusos físicos".

Levantamento da ONU de 2023 estimou que, apenas em Mianmar, cerca de 120 mil pessoas são mantidas em condições análogas à escravidão após terem sido traficadas. Outras centenas de milhares se encontram em situação semelhante em países do sul asiático como Camboja, Laos, Filipinas e Tailândia.

Maioria traficada para operações de golpe são homens com ensino superior. "A maior parte não é cidadã dos países em que ocorre o tráfico e muitas têm educação formal, por vezes oriundas de empregos profissionais ou com licenciatura, ou pós-graduação, alfabetizadas em informática e multilíngues", informou as Nações Unidas em comunicado.

É o caso dos dois brasileiros, que receberam propostas de emprego com salários de US 1.500 a U$ 2.000 (cerca de R$ 9.000 a R$ 12.000 pela cotação atual). Eles passaram por entrevistas com supostos profissionais de RH, aceitaram as ofertas, e viajaram até Bangcoc para serem levados de carro até o destino final. Os dois informaram a familiares que o trajeto duraria cerca de quatro horas até a cidade tailandesa de Mae Sot, que faz fronteira com Mianmar, e onde achavam que seria o novo local de trabalho.

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