Ele gastou R$ 170 mil e quase morreu para entrar nos EUA, mas foi deportado
O brasileiro Carlos Vinicius de Jesus, 29, trabalhava como frentista na cidade de Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e juntava dinheiro desde os 18 anos. A ideia, inicialmente, era ter uma reserva de emergência. Mas há dois anos ele começou a alimentar o sonho de trabalhar nos Estados Unidos. Carlos juntou as economias que tinha e vendeu a casa própria e sua moto, o que totalizou cerca de R$ 170 mil. Ele usou o dinheiro para entrar ilegalmente nos EUA, mas o plano deu errado. O mineiro é um dos 88 brasileiros deportados dos Estados Unidos na noite do último sábado (25).
O que aconteceu
A sensação de Carlos era de que no Brasil ele só trabalhava para pagar dívida. Em janeiro de 2024, ele decidiu que se mudaria para os Estados Unidos em busca de melhores condições de vida. O mineiro assistia a vídeos nas redes sociais de brasileiros que trabalham nos EUA e conseguiam juntar um bom dinheiro. "Separei tudo que tinha juntado, vendi minha casa, minha moto e tudo o que eu tinha", contou em entrevista ao UOL.
Com cerca de R$ 170 mil, ele tentou entrar ilegalmente nos EUA. Carlos Vinicius já havia dado entrada no visto americano, mas o documento foi negado. Depois de assistir a vídeos e ler muitas dicas de como entrar nos Estados Unidos pela fronteira do país com o México, ele avisou à família que iria. Em maio do ano passado, o brasileiro fez as malas e foi de ônibus até São Paulo, de onde pegou um voo para o Panamá.
Eu estudei bem os vídeos, comprei passagens para os Estados Unidos, reservei um hotel, porque sabia que quando entrasse teria que ter tudo organizado. Gastei um bom dinheiro antes mesmo de sair de casa achando que ia dar certo.
Carlos Vinícius de Jesus
Do Panamá, Carlos foi de avião para a Guatemala. O país é conhecido por ser um ponto estratégico para muitos imigrantes que tentam entrar ilegalmente nos Estados Unidos. Carlos se hospedou em Flores, cidade próxima à fronteira com o México. Para cruzar a fronteira mexicana, o brasileiro entrou em um barco com mais 12 pessoas, um dos momentos da rota em que mais teve medo. "Eu não sei nadar, a maioria do meu dinheiro já tinha acabado, fiquei com medo do barco virar na água e morrer todo mundo".
Carlos conseguiu entrar no México, mas precisou correr da polícia local. "Na hora que o barco parou, todo mundo correu e se separou, desembarcamos como se fosse em um sítio, parecia uma floresta. Consegui escapar e fiquei alojado em uma casa. De lá, passei cinco dias em Cancún porque precisava planejar os meus próximos passos".
O brasileiro, que é pai de dois filhos, de sete e oito anos, mantinha contato com a família. Com um chip internacional, Carlos falava principalmente com a mãe. Dizia que estava bem a cada parada em que se sentia seguro. De Cancún, o brasileiro decidiu que era o momento de viajar até Tijuana, cidade mexicana que fica localizada na divisa com San Diego, nos Estados Unidos.
De lá, vivi os maiores pesadelos da minha vida. Eu quase morri de frio. Entrei no meio do mato, caminhei por muitas horas, ia encontrando muitos imigrantes pelo caminho, conseguia me localizar com a ajuda do meu telefone. Andei por uma floresta por mais de oito horas. Eu tinha comprado comida e água, mas não foi suficiente porque no caminho você ajuda outras pessoas que estão com fome.
Carlos Vinicius de Jesus
Carlos foi preso após atravessar muro que separa México dos EUA

Na fronteira, ele encontrou mais de mil imigrantes tentando entrar nos EUA. "Eram pessoas de todos os países, tinha idosos, mães, crianças". Membros da Guarda Nacional que apoiam a patrulha na fronteira entre os dois países estavam no local.
Carlos se separou do grupo e conseguiu atravessar o muro e entrar em San Diego. Ele caminhou até um posto de gasolina na região de Jacumba. "A intenção era pegar um táxi e ir para outro local, mas um carro parou e disse que se a gente não fosse até o posto de imigração tomaríamos um tiro".
O brasileiro tentou voltar ao México, mas já tinham dois ônibus com oficiais algemando as pessoas. Ele foi preso pela patrulha migratória e ficou oito dias em uma prisão conhecida como "geleira". São celas sujas e conhecidas por serem muito frias, onde imigrantes ficam presos na fronteira dos EUA com o México. "Só me deram um plástico prateado, como se fosse uma manta térmica, burrito e água". Organizações de direitos humanos denunciam há anos que os detentos passam dias ou semanas nesses locais, sofrendo com temperaturas extremamente frias e sem acesso a serviços sanitários adequados.

Da lá, ele foi encaminhado para uma prisão na Califórnia onde ficou por oito meses antes de ser deportado. Carlos percebeu que o sonho americano tinha acabado no momento em que foi preso. Ele chegou a solicitar asilo, passou na entrevista, mas a resposta final nunca chegava.
Assim que cheguei, fiquei preso na mesma cela sozinho por 30 dias. Depois, fui para o pavilhão com os outros presos. A comida era muito ruim, eu só comi carne uma única vez, no Natal. Eu estava aterrorizado, sem saber se ia voltar para casa um dia, sem comer direito. Foi horrível. Lá eles não tratam imigrante como gente.
Carlos Vinicius de Jesus
Após oito meses preso, Carlos pediu para ser deportado

Sem expectativa de que conseguiria asilo para ficar nos EUA, o brasileiro optou pela deportação. "Eu já não aguentava mais ficar naquela prisão. Queria voltar para o meu país".
Ele estava no voo dos 88 deportados que chegou ao Brasil no dia 25 de janeiro. O primeiro depois que Donald Trump assumiu a presidência dos EUA e sancionou uma série de medidas anti-imigração.
Carlos passou três dias algemado e acorrentado. Ele saiu da Califórnia e fez escalas até chegar a cidade de Alexandria, no estado americano de Louisiana, de onde partiu o voo para o Brasil. "Não tiravam as algemas nem para eu dormir".
O voo foi um novo pesadelo, lembrou o brasileiro. Os passageiros se desentenderam com a tripulação porque o ar-condicionado quebrou. "Desde que o avião decolou, a gente sabia que tinha algo errado. A turbina estava saindo fumaça, não tinha comida, só água. Eles não queriam deixar as pessoas usarem o banheiro e nem tomar as medicações com hora marcada. Os idosos começaram a passar mal e desmaiar".
O avião com eles pousou em Manaus. Após o pedido de socorro, o governo brasileiro ordenou que uma aeronave da FAB desse prosseguimento até o destino final, Belo Horizonte. A Polícia Federal exigiu que as algemas fossem retiradas porque o grupo estava em solo brasileiro e não oferecia risco.
Brasil e Estados Unidos têm acordo desde 2018 sobre deportação de brasileiros. Regra permite o envio de aeronaves para deportar brasileiros em situação irregular no país e já sem possibilidade de recurso, tendo em vista abreviar o tempo de permanência nas prisões norte-americanas.
Assim que chegou em Manaus, decidimos fazer alguma coisa, se não iriam matar a gente. Começamos a empurrar eles para a gente conseguir sair da aeronave, ficamos revoltados, foi quando uma das meninas abriu a porta de emergência e saímos pela asa para gritar por socorro.
Carlos Vinicius de Jesus
"Perdi todo o meu dinheiro, mas estou vivo"

O brasileiro se arrepende das escolhas, mas diz que estar vivo é o melhor presente. "Eu perdi muito dinheiro nessa brincadeira, só que estou feliz por estar vivo e por ter voltado para a minha família, me arrependi muito da escolha que eu fiz, estou traumatizado".
O recomeço de Carlos ainda está em aberto. Ele conta que não sabe quais os seus próximos passos. "Estou aceitando qualquer trabalho porque tenho que sustentar os meus dois filhos. Mas se tem algo que quero fazer é ajudar as pessoas que não fazer o que fiz. Eu não recomendo que ninguém tente entrar ilegal nos EUA. Eu quase morri naquele país. Mas eu sou trabalhador, não sou criminoso, só queria dar uma vida melhor para os meus filhos, mas como deu errado, a gente volta e recomeça aqui mesmo".
135 comentários
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Alexandre Luis Canhoto de Azeredo
Sinceramente, não me solidarizei não.Uma pessoa pega um tanto de dinheiro e faz uma loucura dessas para entrar ilegal em um país estrangeiro. É se arriscar demais. Apostou alto e perdeu.
Carla Mary da Silva Oliveira
O nome disso é leseira. Com essa quantia podia abrir um negócio próprio, dentro de um nicho específico, ou então se qualificar, e viver bem aqui mesmo. Iludido como tantos outros, agora sim vai viver para pagar dívidas. Nem um pingo de pena.
Mario Roberto Notharangeli
Se tinha 170 mil é sinal que sua situação aqui não era tão ruim assim