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'Situação estava perdida': como foi o dia mais crítico do papa no hospital

Francisco passou quase 40 dias internado e teve alta no dia 23 de março - Yara Nardi/Reuters Francisco passou quase 40 dias internado e teve alta no dia 23 de março - Yara Nardi/Reuters
Francisco passou quase 40 dias internado e teve alta no dia 23 de março Imagem: Yara Nardi/Reuters

Colaboração para o UOL

27/03/2025 05h30

O médico do papa Francisco, Sergio Alfieri, revelou ao jornal italiano Corriere della Sera como foram as 24 horas mais graves da internação do pontífice, em que a equipe médica cogitou parar os tratamentos e deixá-lo morrer.

Posso dizer que, por duas vezes, a situação estava perdida e depois aconteceu como um milagre. Sergio Alfieri, ao Corriere della Sera

28 de fevereiro: o dia em que o papa quase morreu

Francisco já estava internado desde 14 de fevereiro. Ele enfrentava uma bronquite e respirava com alguma dificuldade, mas foi a contragosto ao hospital, segundo Alfieri. Nestes primeiros momentos da internação, ele seguia com bom humor o tratamento médico.

Na manhã do dia 28, o Vaticano informou aos fiéis que Francisco havia saído do estado crítico. As duas semanas anteriores inspiraram cuidados dos médicos, já que o quadro do Papa havia evoluído para uma pneumonia bilateral (nos dois pulmões). Sua infecção ainda era polimicrobiana, ou seja, causada por mais de um vírus e/ou bactéria e a gravidade do quadro exigiu uma transfusão de sangue.

Diante dos progressos, a Santa Sé declarou que o estado de saúde do Santo Padre era "complexo", mas "estável". A insuficiência renal leve que ele sofria desapareceu, mas ainda não havia previsão de alta. Fiéis foram informados de que Francisco estava melhorando e havia passado uma noite tranquila, mas devido ao seu quadro delicado, mais dias de estabilidade seriam necessários antes que os médicos tomassem uma decisão.

Durante a manhã, o papa foi à capela orar e ainda chegou a receber a Eucaristia. Francisco até então fazia tratamentos alternados com máscara de oxigênio e oxigenoterapia de alto fluxo. Ele ainda seguia um regime de fisioterapia respiratória e estava disposto o suficiente para continuar trabalhando entre os procedimentos, no seu quarto no hospital.

Papa Francisco fazia orações em capela no décimo andar do hospital Gemelli, em Roma Imagem: Santa Sé/via Reuters

Naquela tarde, porém, tudo mudou. A Santa Sé, que costumava emitir apenas boletins diários a respeito da saúde do papa, voltou a atualizar os fiéis com o anúncio de que Francisco teve uma crise de broncoespasmo isolado enquanto comia. Com a tosse intensa, Francisco acabou vomitando e aspirando uma parte do conteúdo do estômago, o que causou a piora de sua condição respiratória.

O pontífice teve que ser submetido a uma aspiração bronquial para limpar suas vias respiratórias. Pela primeira vez, o Vaticano anunciou que Francisco havia sido colocado em ventilação mecânica, ainda que não invasiva, para melhorar seus níveis de oxigênio. Ele se manteve consciente o tempo todo.

Segundo Alfieri, o papa não conseguia respirar e pediu ajuda. Neste momento, o mais difícil de sua internação, a equipe médica se emocionou e cogitou deixar Francisco morrer.

Pela primeira vez, vi lágrimas nos olhos de algumas pessoas ao seu redor. Pessoas que, percebi durante esse período de internação, o amam sinceramente como a um pai. Estávamos todos cientes de que a situação havia piorado ainda mais e que havia o risco de ele não sobreviver. Tivemos que escolher entre parar e deixá-lo ir, ou forçá-lo e tentar todos os medicamentos e terapias possíveis, correndo o risco muito alto de danificar outros órgãos. No final, foi este o caminho que seguimos. Sergio Alfieri, médico do papa

Escolha foi de Francisco. Segundo o médico, o papa tem um assistente pessoal de saúde, Massimiliano Strappetti, a quem já detalhou quais são os seus desejos em relação a cuidados médicos e que advogou por ele também nesta situação. "Tente de tudo, não desista", teria dito Strappetti. "Foi o que todos nós pensamos também. E ninguém desistiu", confessou Alfieri.

Centenas de pessoas se aglomeraram no domingo em frente ao hospital Gemelli para ver papa Francisco dar a benção após 36 dias internado Imagem: TIZIANA FABI/AFP

Papa sabia dos riscos de danos à medula óssea e aos rins e da possibilidade de morrer em poucas horas. O médico ainda disse que ele pediu que lhe dissessem a verdade, e que a verdade também fosse dita aos fiéis.

Mesmo quando sua condição piorou, ele estava totalmente consciente. Aquela noite foi terrível, ele sabia, assim como nós, que talvez não sobrevivesse àquela noite. Vimos o homem que estava sofrendo. Mas desde o primeiro dia ele nos pediu para lhe contar a verdade e queria que disséssemos a verdade sobre suas condições. Comunicamos a parte médica aos secretários e eles acrescentaram as demais informações que o papa então aprovou, nunca nada foi modificado ou omitido. Ele tem pessoas que agora são como família, estão sempre com ele. Sergio Alfieri

Francisco buscou conforto no médico no momento mais difícil. Alfieri lembrou ao jornal que o papa segurou suas mãos por alguns minutos durante seu dia de maior sofrimento. Durante os dias seguintes, ele ainda estava sob grandes riscos e cuidados, mas o médico contou que o papa tratou com ironia as teorias de que já estava morto. Ao se sentir melhor, fez questão de passear de cadeira de rodas pelas enfermarias e ver outros doentes.

Ele ainda organizou uma "noite da pizza" no hospital. Francisco pediu a um de seus secretários que comprasse pizza para todo mundo da equipe que o socorreu no momento mais difícil. No dia seguinte, perguntou ao médico quando iria para casa, antecipando sua recuperação.

[O momento que mais me marcou foi] quando o vi sair do quarto do décimo andar do Gemelli vestido de branco. É a emoção de ver o homem se tornar papa novamente. Sergio Alfieri


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