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Cidade de perdedores? Charleroi provoca debate após revogação de prêmio fotográfico

Paisagem cinzenta é uma das imagens da polêmica série do fotógrafo Giovanni Troilo - EFE/Giovanni Troilo
Paisagem cinzenta é uma das imagens da polêmica série do fotógrafo Giovanni Troilo Imagem: EFE/Giovanni Troilo

Christoph Scheuermann

Em Charleroi (Bélgica)

25/03/2015 06h00

Monsieur Genion está trabalhando de cueca hoje, ao menos é o que ele diz ao telefone. E como ele não é o tipo de homem que finge apenas por estar esperando visitas, nós de fato o encontramos sentado com as pernas nuas à sua mesa em Charleroi, a uma hora de carro ao sul de Bruxelas. Philippe Genion diz que aprendeu a respeitar seu corpo, e que espera que outros façam o mesmo.

Sua camiseta está esticada em sua barriga como se ele tivesse engolido uma pequena lua por engano. O homem de 52 anos atribui a circunferência prodigiosa ao seu metabolismo ruim, dizendo que come uma dieta saudável e equilibrada e que também nada regularmente. Ao seu redor estão centenas de garrafas de vinho, em prateleiras que chegam até o teto. Eles são das melhores adegas da França, Áustria, Austrália e Alemanha. Devido ao seu peso, ficar em pé é difícil para ele, prossegue Genion. "É o motivo para eu ter me sentado para a foto. Caso contrário, levaria tempo demais para mim."

A foto. Genion é um dos 10 temas pelos quais o fotógrafo italiano Giovanni Troilo conquistou o prêmio de fotojornalismo World Press Photo em fevereiro. Troilo, como ele próprio explicou, quis usar as imagens de Charleroi e seus moradores para retratar a decadência da Europa. Mas no início de março, o júri decidiu revogar o prêmio, por causa de violações das regras e fraude. Em uma, uma foto de um casal fazendo sexo em um carro, o fotógrafo incluiu seu primo, que posou para ela, e uma imagem adicional nem mesmo foi tirada em Charleroi, mas em Bruxelas. O caso reacendeu um antigo debate entre os fotógrafos: até que grau é permitido moldar a realidade? A discussão cercando Charleroi tocou em um nervo sensível: a credibilidade das imagens.

Na foto que Troilo tirou de Genion, este está sentado sem camisa sob uma luz azulada, com seu olhar voltado para baixo. Ele parece um urso velho e triste esperando a morte em sua caverna, à luz de um televisor. "Philippe passa grande parte de seu tempo em sua bela casa em um dos bairros mais perigosos de Charleroi", escreveu o fotógrafo no texto que acompanha a foto. Nas entrelinhas, fica subentendido que se trata de um pobre gordo e doente que vive do bem-estar social.

Genion já realizou muitas atividades diferentes em sua vida. Ele é colunista de jornal, músico e provador de restaurantes para o "Gault Millau", o influente guia francês de restaurantes. Ele já vendeu fogos de artifício, foi empresário da banda de música eletrônica Front 242 e escreveu um livro chamado "Inventaire des Petits Plaisirs Belges" (Inventário dos Pequenos Prazeres Belgas, em tradução livre). Mas apesar da aparência da foto, ele não sofre de depressão. Ele diz que a vida é muito curta para isso. A certa altura, ele começou a se interessar por vinhos e agora se tornou secretário-geral do sindicato belga dos sommeliers. Genion não é exatamente alguém que representa de modo preciso a decadência interna da Europa.

Genion nasceu em Charleroi e cresceu à sombra das torres de mina e dos altos-fornos. Em meados dos anos 80, ele e seu sócio compraram uma casa barata em uma travessa tranquila, com paredes caindo aos pedaços e tapetes fedendo a urina de gato –e começaram a reformá-la. No último ano e meio, ele tem usado alguns dos cômodos de sua casa para um exclusivo bar de vinhos. De fato, Genion é mais um símbolo de uma cidade ávida por reinventar a si mesma.

Charleroi não é particularmente atraente. É uma cidade de porte médio cujo centro é recortado por canais e pontes e é dominada pelo colosso cinzento da siderúrgica Thy-Marcinelle, que fica no coração da cidade como um monstro dormente. Entre as personalidades proeminentes que vieram da cidade está o serial killer e molestador de crianças Marc Dutroux, que vivia aqui antes de ser preso. Mas a cidade também tem um aeroporto e um parque industrial que atrai empresas de biotecnologia. Em um dia quente de primavera, skatistas podem ser vistos percorrendo o centro da cidade e jovens sentados no parque. Mas Giovanni Troilo viu apenas o que queria ver. Em seu site, ele escreve: "Sexo perverso e doente, ódio racial, obesidade neurótica e abuso de drogas psiquiátricas parecem ser as únicas curas capazes de tornar este desconforto endêmico aceitável". No final de fevereiro, o prefeito da cidade escreveu ao júri do prêmio World Press Photo, dizendo que as imagens de Troilo eram uma "séria distorção".

Em uma foto, um homem tatuado segura uma pistola, uma prova adicional do abismo no qual afundou esta cidade sombria –o nome dado por Troilo à sua série. "Eu nunca vi uma pessoa aqui com uma pistola. Eu nunca ouvi um disparo", diz Philippe Genion enquanto bebe um Chardonnay seco. Ele diz que tentou contatar o fotógrafo no início de março. "Eu queria saber como poderia defender o trabalho dele." Genion acredita que a imagem dele é boa, mas acrescenta que é, claramente, "uma obra de ficção". Por exemplo, na parede atrás de onde Troilo tirou a foto de Genion, normalmente se encontra um grande quadro emoldurado. Mas ele não está na foto. Por quê? Genion diz que não o tirou para a foto e Troilo diz que também não se recorda de tê-lo retirado, mas insiste que não alterou digitalmente a foto.

Genion acredita que o conflito em torno das fotos é mais benéfico do que prejudicial. Ele diz que ajuda a cidade e que o prefeito apenas tenta dizer ao mundo que Charleroi é uma cidade habitável. E Genion espera que seu bar de vinhos agora se torne mais conhecido.