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Análise: Eleição aponta para nova realidade política na França

Emmanuel Macron e Marine Le Pen, candidatos que disputarão o segundo turno das eleições presidenciais da França - Reuters
Emmanuel Macron e Marine Le Pen, candidatos que disputarão o segundo turno das eleições presidenciais da França Imagem: Reuters

Julia Amalia Heyer

Em Paris

24/04/2017 12h03

Nunca antes na história de seis décadas da Quinta República os eleitores franceses rejeitaram de forma tão absoluta os partidos do establishment. Nessa nova realidade política, somente uma coisa é certa: não há certezas.

Pelo menos os institutos de pesquisa de opinião devem estar aliviados com os resultados do primeiro turno das eleições presidenciais da França. Eles conseguiram prever —pela primeira vez— o resultado da votação: o segundo turno será entre Emmanuel Macron e Marine Le Pen.

No entanto, apesar de meses de pesquisas prevendo uma vitória de Le Pen no primeiro turno, foi Macron quem terminou em primeiro. De acordo com resultados preliminares na manhã de segunda-feira, a populista de direita Le Pen obteve 21,4% contra os 23,9% de Macron. Foi uma vitória apertada, mas foi uma vitória.

Mas por mais previsível que tenha sido, não foi tanto tempo atrás que só a ideia de Macron, o ex-ministro da Economia de 39 anos, saindo vitorioso parecia absurda. No começo de sua campanha, ele foi ridicularizado sem piedade. Seu movimento "En Marche!" ["Em Frente!"], ao qual centenas de milhares de pessoas aderiram em poucos meses desde que foi fundado, acaba de fazer um ano.

"Em um ano, nós mudamos o cenário político de nosso país", disse um Macron visivelmente emocionado na noite de domingo. E ele tem razão. Ele conseguiu algo inédito.

Agora, quando os eleitores forem às urnas para o segundo turno da votação no dia 7 de maio, ele terá de ser aquilo que ele sempre disse que não queria ser: um salvador. Pelo menos para todos aqueles que querem continuar vivendo em um país europeu aberto que mantenha relações próximas com seus vizinhos. Um que não somente tolere minorias, como também lhes conceda os mesmos direitos que a todos os outros.

Afinal, Macron e Le Pen têm visões para o futuro social e político da França que não poderiam ser mais diferentes. Emmanuel Macron é a favor de tudo aquilo do qual Le Pen gostaria de se livrar. Em seus discursos, ele evoca um país vigoroso e voltado para o futuro que vê a globalização como uma oportunidade, e não uma ameaça.

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Divisões escancaradas

Le Pen, por outro lado, gostaria de se afastar da Europa e fechar as fronteiras do país mais uma vez após décadas de abertura. No domingo à noite, depois de apurado o resultado da eleição, Le Pen disse que a França, no dia 7 de maio, irá enfrentar os interesses corporativos encarnados por Macron que já chegou a trabalhar para o banco Rothschild. Seu slogan de campanha é "Em Nome do Povo", e ela alega ser a única representante legítima do povo.

Agora cabe a uma França dividida decidir, e essas divisões ficaram escancaradas no primeiro turno da eleição no domingo. Os dois partidos tradicionais do país não conseguiram ir para o segundo turno pela primeira vez em quase 60 anos, e pela primeira vez na Quinta República. Em um país que foi dominado durante décadas por uma estrutura política tradicional de esquerda e direita, os eleitores claramente estão prontos para algo novo.

É claro que os próprios candidatos têm parte da culpa. O conservador François Fillon tinha chances excelentes de vencer antes de se envolver em escândalos e se tornar vítima de sua própria arrogância. Ele chegou em terceiro lugar, com 19,9% dos votos. Benoît Hamon, do Partido Socialista, não tinha nem chance, uma vez que seu colega de partido François Hollande revoltou tanto os eleitores franceses durante seus cinco últimos anos como presidente. O resultado de 6,3% de Hamon não é nada menos que um desastre para si mesmo e para o partido.

Nessa situação sem precedentes, seria desaconselhável olhar para padrões antigos de votação para se orientar. Tradicionalmente, quando a Frente Nacional chegou ao segundo turno de uma eleição, os eleitores tenderam a se unir contra seu adversário, o que parece estar acontecendo este ano também. Pesquisas realizadas antes da votação de ontem sugeriam que Macron venceria com facilidade em um segundo turno contra Le Pen.

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O comparecimento às urnas será crucial

E existe motivo para preocupação no lado de Le Pen. Por muito tempo ela foi considerada como a única candidata que definitivamente chegaria ao segundo turno, mas apesar de sua longa campanha, e apesar de seu esforço de anos para profissionalizar seu partido e deixar para trás o matiz radical de seu pai, que fundou o partido, ainda assim ela só conseguiu cinco pontos percentuais de vantagem no primeiro turno da votação cinco anos atrás.

Além disso, certamente é uma fonte de irritação para ela o fato de que Emmanuel Macron, um jovem político que nunca concorreu a um cargo eletivo e que também alega ser contra o sistema --só que do lado oposto do espectro-- conseguiu derrotá-la no primeiro turno.

Mas também há motivos para Macron se preocupar. Na nova situação em que a França se encontra, só uma coisa é certa: há pouquíssimas certezas.

E se somente uma fração daqueles que acreditam que a vitória de Macron é certa acabe ficando em casa no dia 7 de maio, então Le Pen tem uma chance de se tornar a próxima presidente da França. Porque só uma certeza restou: a de que os eleitores da Frente Nacional comparecerão em peso às urnas.