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Orçamento de Paul Ryan prevê cortes inexplicáveis de US$ 897 bi

O candidato à vice-presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, Paul Ryan, discursa em evento de campanha em empresa de Sparks, Nevada (EUA) - Cathleen Allison/AP
O candidato à vice-presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, Paul Ryan, discursa em evento de campanha em empresa de Sparks, Nevada (EUA) Imagem: Cathleen Allison/AP

Thomas B. Edsall

11/09/2012 06h00

Ao contrário da plataforma republicana, que, com a exceção da questão do aborto, tem sido praticamente ignorada, o orçamento de Paul Ryan é o documento central da campanha de 2012. Ele é a expressão mais explícita da agenda republicana, endossado pelo candidato presidencial do partido, Mitt Romney, e apoiado por maiorias decisivas dos parlamentares republicanos da Câmara dos Deputados e do Senado.

Disso já se sabe. Mas algo sobre o qual as pessoa não estão falando muito é o fato de o orçamento de Ryan conter um ralo de US$ 897 bilhões: cortes maciços, mas sem explicações, em programas domésticos discricionários como os de educação, alimentos, inspeção de medicamentos, segurança no ambiente de trabalho, proteção ambiental e policiamento.

A dimensão dos cortes - que impressiona pela sua amplitude - está escondida nos papéis. Para encontrar os números, é necessário ir até a página 16 da "Concurrent Resolution on the Budget - Fiscal Year 2013" ("Resolução Simultânea sobre o Orçamento Fiscal - Ano 2013") (disponível no site www.gpo.gov). Na Tabela 2, intitulada Fiscal Year 2013 Budget Resolution Discretionary Spending (Ano Fiscal 2013, Resolução Orçamentária sobre o Gasto Discricionário), na coluna do canto direito, é possível ver a cifra de quase US$ 897 bilhões, que aparece na linha marcada "BA", correspondente a Budget Authority under Allowances (Autoridade Orçamentária sob Verbas de Custeio) como US$ 896.884 (porque essas cifras são publicadas em milhões de dólares).

Segundo o Comitê de Orçamento da Câmara, do qual Ryan é o presidente, "o orçamento federal é dividido em aproximadamente 20 categorias conhecidas como funções do orçamento". Essas funções incluem todos os gastos relativos a um determinado tópico, não importando qual seja a agência federal que fiscalize o programa federal específico. O orçamento do presidente, que é submetido anualmente, e a resolução orçamentária do Congresso, que é aprovada anualmente, englobam essas cerca de 20 funções.

Dentro das 20 "funções orçamentárias" está escondida - na de número 19 - a "Função 920". Em uma obra-prima de obscurantismo burocrático, a explicação fornecida pelo comitê do orçamento diz o seguinte:

Função 920: Verbas de Custo
A Função 920 representa uma categoria chamada "verbas de custeio”, que engloba os efeitos orçamentários da superposição de propostas ou contingências que impactam múltiplas funções, em vez de uma área específica do orçamento. Ela também representa uma categoria substituta para qualquer impacto orçamentário que o Comitê de Orçamento do Congresso ainda não tenha designado uma função orçamentária específica. O comitê geralmente reformula os efeitos orçamentários de toda legislação emitida no âmbito da Função 920 toda vez que for divulgada uma nova atualização.

A importância dos quase US$ 1 trilhão em cortes inexplicados e não especificados que estão sendo propostos pelo Partido Republicano e o seu candidato a vice-presidente, sob o título obscuro "Funções 920: Verbas de Custeio", é enorme. Esses cortes invisíveis são fundamentais para a alegação republicana de que a proposta de orçamento de Ryan reduzirá drasticamente o déficit federal e acabará extinguindo com a dívida nacional.

Embora o orçamento de Ryan não especifique cortes em programas para atender aos pobres, muitos deles eleitores democratas, ele oculta sob o véu abstruso da "Função 920: Verbas de Custeio" os cortes de programas que são populares junto a várias outras parcelas do eleitorado. Muitos desses eleitores continuam sendo cortejados pelos republicanos, incluindo os eleitores indecisos que estão preocupados com a educação, a proteção do meio ambiente e a segurança dos alimentos.

Entrevistas feitas por mim junto a eleitores do Estado de New Hampshire no mês passado revelam como é arriscadamente político dizer aos potenciais eleitores republicanos o que a chapa Romney-Ryan pretende cortar. Dois eleitores, ambos republicanos, me disseram que não seriam capazes de votar no seu partido neste ano porque o orçamento de Ryan implicará em cortes dos benefícios para ex-combatentes.

Existe uma lógica clara para as preocupações deles.

Com o orçamento de Ryan, os "Gastos Discricionários Obrigatórias para o Setor de Defesa e Civil" - que inclui as verbas previstas na Função 920, mas que exclui o Social Security, o Medicare e o Medicaid - cairiam de 12,5% do produto interno bruto em 2011 para 6,75% em 20023, 5,75% em 2030, 4,75% em 2040 e 3,75% em 2050, de acordo com uma análise do Comitê de Orçamento da Câmara.

A grande questão é a seguinte: estariam Romney e Ryan tão comprometidos com a ideia da redução do déficit que eles estariam dispostos a prejudicar os ex-combatentes em um ano eleitoral? A resposta é não.

Eu enviei por e-mail a seguinte pergunta ao comitê de campanha de Romney:  Quando eu entrevistava eleitores em New Hampshire, alguns ex-combatentes manifestaram uma grande preocupação quando à abrangência dos prováveis cortes no Departamento de Assuntos dos Ex-combatentes contidos no orçamento de Ryan. Romney disse o que acontecerá com os benefícios pagos aos ex-combatentes no governo dele?

O comitê republicano imediatamente repeliu qualquer sugestão de que a chapa pudesse apoiar cortes dos serviços aos ex-combatentes. Eis aqui a resposta que o comitê de campanha de Romney me enviou por e-mail:

Isso é uma inverdade. Aqui estão os fatos:
- O orçamento do Ano Fiscal 2013, aprovado pela Câmara, é equivalente ao pedido discricionário do presidente para atender aos ex-combatentes no ano fiscal de 2013: US$ 61,3 bilhões. No período de dez anos, o orçamento aprovado pela Câmara é na verdade superior ao pedido do presidente, tanto no que se refere a verbas obrigatórias quanto a discricionárias.
- No que se refere à parte obrigatória, o orçamento dos deputados republicanos prevê US$ 270 milhões a mais do que aquilo que foi solicitado pelo presidente. Sob o aspecto discricionário, os deputados republicanos pedem US$ 16,4 bilhões a mais do que foi solicitado pelo presidente, aumentando assim as verbas federais para os serviços e os benefícios fornecidos aos ex-combatentes.

Em uma declaração em anexo, Andrea Saul, a porta-voz de campanha de Romney, afirmou:

"O governador Romney se opõe ao plano do presidente Obama no sentido de impor cortes drásticos sobre os benefícios dos ex-combatentes e militares, ao mesmo tempo em que ele, Obama, faz com que o orçamento federal exploda em outras áreas. A própria Secretaria de Questões dos Ex-combatentes do presidente Obama admitiu que os cortes orçamentários devastadores promovidos por Obama na área de defesa ameaçarão as verbas para os ex-combatentes devido à sua natureza arbitrária. O governador Romney e Paul Ryan estão comprometidos a honrar o compromisso com os nossos ex-combatentes e a fornecer-lhes os serviços que eles tanto merecem".

Mas como isso se coaduna com as alegações de que haverá redução do déficit, contidas no orçamento de Ryan, e com a sua recente afirmação, feita durante a campanha, de que "Nós não nos esquivaremos das questões difíceis?".

O que ocorre é que o texto do orçamento de Ryan - para quem não examinar a Função 920 - é enganoso. No caso dos benefícios aos ex-combatentes, por exemplo, a alegação de Saul de que a chapa Romney-Ryan está "comprometida a honrar as nossas obrigações para com os nossos veteranos", parece, à primeira vista, ser legítima, já que nenhum dos misteriosos cortes previstos na Função 920 aparece nos seus cálculos.

Se os benefícios aos ex-combatentes serão protegidos, que programas serão torpedeados para que seja possível implementar os cortes no valor total de US$ 897 bilhões previstos sob a misteriosa categoria "Função 920: Verbas de Custeio"? Seria a educação ou a inspeção de alimentos, o controle de tráfego aéreo ou a segurança nacional?

A verdade é que o orçamento de Ryan "esquiva-se das questões difíceis". Ryan alega que está propondo grandes passos rumo a um orçamento equilibrado e uma redução da dívida de longo prazo, mas ele não diz de fato aos eleitores como fará isso.

É interessante que o orçamento proposto pelo Presidente Barack Obama especifica que cortes serão impostos, incluindo aqueles previstos na Lei de Controle do Orçamento, a medida aprovada pelo Congresso e transformada em lei em 2 de agosto de 2011, como parte do acordo para aumentar o teto de endividamento e evitar o calote da dívida governamental.

Talvez o aspecto mais surpreendente das omissões contidas no orçamento de Ryan seja o fato de Obama e os outros democratas não terem tirado proveito disso.

Lideranças democratas com as quais eu conversei, e que se recusaram a ter o seu nome publicado por não desejarem ser identificadas ao criticarem o seu próprio partido, citaram dois fatores que limitam a sua capacidade de contra-atacar. Primeiro, a complexidade da questão faz com que seja difícil que os repórteres compreendam a questão a escrevam sobre ela. Segundo, a tática de Ryan de escamotear os cortes é bem sucedida no que diz respeito a gerar uma ambivalência fundamental que equivale a uma contradição interna em termos de opinião pública: teoricamente, um forte apoio aos cortes de gastos, mas, ao mesmo tempo, a oposição a cortes específicos de verbas para programas que gozam de apoio popular.

Em uma entrevista, o deputado Christopher van Hollen Jr., do Estado de Maryland, o principal democrata do Comitê de Orçamento da Câmara, me disse: "O orçamento de Ryan é um esquema elaborado para ocultar os danos ao país". Van Hollen está frustrado com o fato de os danos mencionados por eles não terem se transformado em uma questão de campanha: "A magnitude desses truques orçamentários deixa qualquer um boquiaberto".

* Thomas B. Edsall, professor de jornalismo da Universidade Columbia, é autor do livro "The Age of Austerity: How Scarcity Will Remake American Politics" ("A Era da Austeridade: Como a Escassez Refará a Política Norte-americana"), que foi publicado no início deste ano.