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Prefeito eleito de Nova York é um liberal acostumado a exceder as expectativas

Javier Hernández C.

Em Nova York

06/11/2013 13h18

A calçada do lado de fora da estação de metrô em Crown Heights, Brooklyn, estava lotada na terça-feira (5) de manhã. Bill de Blasio inclinava seu corpo de 1,95 metro repetidas vezes para apertar as mãos das pessoas.

O local tinha sido escolhido com cuidado. Foi aqui, em 1991, que a profunda divisão racial de Nova York eclodiu em três dias de violência quando Blasio era assessor de baixo escalão do prefeito David N. Dinkins. O adversário de Blasio deste ano, Joseph J. Lhota, apontou para esse episódio sombrio como uma razão para não se votar nele, como um aviso dos maus tempos que poderiam voltar se fosse eleito.

Mas não houve conflito na terça-feira, nenhuma garrafa foi atirada. Apenas apertos de mão no caminho da vitória, pois Blasio foi recebido como um herói e celebridade. “Tudo o que eu quero dizer é que eu te amo”, disse uma mulher de calça jeans, jaqueta de denim e um xale colorido.

Foi uma nota perfeita em uma campanha cheia delas, que somou os afiados instintos políticos de Blasio e a sensação de mudança na cidade que ele quer administrar.

Na terça-feira, Blasio foi eleito e tornou-se o primeiro prefeito democrata de Nova York em 20 anos. Poucos tinham inicialmente previsto a sua vitória, exceto, talvez, o próprio candidato. No colégio, ele era conhecido pelo apelido de senador provolone, e seus colegas de classe, por vezes, cantarolavam “Salve o Chefe”, quando ele entrava na sala.

Mas ao longo de sua vida, Blasio passou a deleitar-se em frustrar expectativas.

Ele superou uma infância conturbada e frequentou algumas das mais prestigiadas universidades do país. Ele se casou com uma mulher negra que já tinha sido chamada de lésbica, Chirlane McCray, e criou uma casa orgulhosamente birracial. Ele tentou uma carreira de operador político, mas abandonou a vida de estrategista e decidiu tentar conquistar um cargo público.

Agora, enquanto Blasio, 52, se prepara para tornar-se prefeito de uma das maiores cidades do mundo, ele terá um palco muito maior para testar a visão de mundo decididamente liberal que tem sido a marca de sua carreira.

Bill Blasio nasceu em 8 de maio de 1961, em um hospital na frente da Gracie Mansion, a residência do prefeito. Foi-lhe dado o nome de Warren Wilhelm Jr. em homenagem a seu pai, um economista de Yale e Harvard e veterano da II Guerra Mundial, mas por razões desconhecidas, sua família começou a chamá-lo de Bill.

Quando ele era criança, a família se mudou para Massachusetts, e Blasio rapidamente aprendeu a se adaptar. Ele se tornou fã fervoroso do Red Sox, e adorava jogadores como Rico Petrocelli e Carlton Fisk.

Mas a vida familiar logo se tornou turbulenta. Seu pai, que havia perdido parte da perna esquerda na Batalha de Okinawa e sofreu uma longa investigação do governo sob acusações de que ele e sua esposa eram comunistas, começou a beber muito. Quando Blasio tinha oito anos, seus pais pediram o divórcio.

Blasio disse que aprendeu a importância de um lar acolhedor pela vivência do declínio de seu pai. Ele começou a identificar-se fortemente com as raízes italianas da mãe, Maria Blasio, gerente de relações públicas, e visitava seu pai de vez em quando. Quando se tornou adulto, adotou o nome da mãe, em declaração de distanciamento permanente do pai.

Na escola, Blasio descobriu sua paixão pela política, ajudando a formar grupos de estudantes e participando de comícios contra a energia nuclear.

Em uma entrevista de 1979 ao “Boston Globe”, Blasio, então com 17 anos, falou sobre as dificuldades de organização estudantil. “Claro que eu desanimo, por vezes, em tentar fazer com que os alunos se envolvam mais com a escola”, disse ele. “Eu não saio gritando com as pessoas, então eu tenho um monte de emoções reprimidas, então eu corro ou ouço música, rock ou ópera. Você não pode deixar seus problemas invadirem a sua vida”.

Logo Blasio ingressou na Universidade de Nova York, onde ajudou a fundar uma coalizão estudantil que assumiu causas como examinar as finanças da universidade e aumentar a participação dos alunos na tomada de decisões.

Mas Blasio, com uma barba grande e um cabelo rebelde, cada vez se sentia atraído pela política internacional, particularmente as batalhas políticas conturbadas da América Latina, e por isso ele se matriculou na escola de pós-graduação de políticas públicas e internacionais da Universidade de Columbia. Após a formatura, ele se juntou a uma causa que parecia bem adequada aos seus interesses: opor-se à intervenção norte-americana na Nicarágua.

Foi trabalhando em questões relacionadas à América Latina que Blasio teve um vislumbre das possibilidades de uma sociedade descaradamente liberal: amplo acesso ao atendimento médico, alfabetização e propriedade. Mas ele achava o regime sandinista muito controlador, e cada vez mais desejava ter um papel na formação política interna.

Então, com quase 30 anos, Blasio voltou para Nova York e logo começou como voluntário na campanha para a prefeitura de Dinkins. Algumas vezes, a mãe de Blasio, que se mudara para Nova York, levava pimentão recheado para a sede da campanha.

Blasio juntou-se a Dinkins na prefeitura. Mas o evento mais importante de seus primeiros anos na vida pública foi pessoal: seu casamento com outra assessora da prefeitura, McCray. Nela, ele encontrou uma parceira para a vida: alguém que compartilhava seu desejo ativista de mudar o status quo. Eles se mudaram para o Brooklyn e tiveram dois filhos -primeiro Chiara, depois Dante.

Em meados da década de 1990, Blasio havia deixado a prefeitura e estava ganhando fama no ramo de solução de problemas políticos. Ele se tornou consultor de políticos de New York, gerenciando campanhas locais e auxiliando no esforço de reeleição do presidente Bill Clinton. Em 1997, o seu conhecimento da organização da comunidade lhe rendeu uma posição no Departamento Federal de Habitação e Desenvolvimento Urbano, onde ajudou a supervisionar o trabalho em Nova York e Nova Jersey.

Mas a sua atribuição mais prestigiosa veio em 2000, quando lhe foi oferecido o cargo de gerente de campanha da candidatura de Hillary Rodham Clinton para o Senado dos EUA. Blasio ajudou a coordenar um esforço bem sucedido, mas a sua forma de deliberar irritou alguns colegas, que tentaram derrubá-lo perto do final da campanha.

Seu trabalho na campanha ao Senado de Clinton lhe trouxe fama nacional. Em um episódio de “The West Wing”, vê-se um personagem falando na frente de uma placa com as palavras “Chame B. Blasio”.

Nessa época, a família de Blasio estava morando em Park Slope, no Brooklyn, e a família já incorporara o jeito do bairro. O café da manhã preferido de Blasio era mingau de aveia, e ele fazia ginástica no Park Slope Y. Ele pegou o hábito de casualmente chamar quem estava a sua volta de “irmão”.

Em 2001, Blasio surpreendeu até mesmo seus amigos mais próximos, quando decidiu concorrer a uma vaga no Conselho da Cidade representando Park Slope. Depois de anos como estrategista, ele queria usar seu conhecimento político sólido para promover sua própria carreira.

Os primeiros dias de sua campanha ao Conselho foram difíceis. Em um dia de campanha de porta em porta, Blasio escorregou nos degraus da frente de uma casa e quebrou o tornozelo. (Quando ele tentou ligar e pedir ajuda a um assessor, descobriu que o telefone não funcionava. Seu comitê de campanha tinha parado de pagar a conta.) Ele passou as semanas seguintes com uma bota cirúrgica e muletas, ainda tentando subir e descer escadas, e eventualmente conquistou a vitória.

Como vereador, Blasio interessou-se pelas questões que se tornaram temas familiares de sua campanha para prefeito: a pobreza, o papel dos pais no sistema de ensino e a melhoria dos serviços para crianças em situação de risco.

Eventualmente, ele assumiu um cargo na prefeitura: em 2009, ele foi eleito defensor público, um cargo criado para ajudar os eleitores a navegarem pela burocracia da cidade. Ele manteve um escritório com ar caseiro na sede da prefeitura, com uma vitrola e discos de Louis Armstrong encostados em uma poltrona e cópias surradas de romances Kurt Vonnegut na estante. Mesmo tendo direito a um motorista da prefeitura, ele insistia em dirigir, muitas vezes acelerando agressivamente para vencer o sinal amarelo.

Blasio reformou seu escritório para que se tornasse um lugar onde os nova-iorquinos aprendessem os detalhes de como organizar sua comunidade, para que pudessem se reunir em torno de preocupações comuns. Mas ele também usou o púlpito para ganhar visibilidade, como preparação para uma possível candidatura a prefeito. Em janeiro, ele anunciou sua candidatura na porta de sua casa de vila de três andares em Park Slope, denunciando a crescente desigualdade da cidade e comprometendo-se a “não deixar nenhum nova-iorquino para trás”.

Ele falou muitas vezes sobre “as duas cidades” e se comprometeu a fazer mais para expandir a educação para os moradores mais carentes. Mas foi a sua família que se provou como a arma secreta da sua campanha. Ao tentar chamar a atenção para sua candidatura, ele orgulhosamente mostrou sua casa no Brooklyn, incluindo o quintal onde a família planta tomates, e um pôster pendurado no interior da casa que dizia: “Arte Contra o Apartheid '84 –'85”.

Na terça-feira, enquanto Blasio fazia campanha no Brooklyn, a posição central da sua família em sua vida pessoal e política ficou aparente. Sua filha, Chiara, que é estudante universitária na Califórnia, viajou para casa para surpreender o pai. Ela havia dito que não ia poder voltar para casa por causa dos exames.

“Este é o maior presente que eu poderia ter tido no dia da eleição”, disse Blasio aos repórteres. “Eu já estou nas nuvens porque minha filha está aqui com a gente”.

Tradução: Deborah Weinberg