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Último choque com juventude urbana do Brasil acontece em shopping centers

Simon Romero

Em São Paulo

21/01/2014 00h01

As imagens foram tão assustadoras para as elites do Brasil que a presidente Dilma Rousseff convocou uma reunião de altos assessores para formar uma resposta, e donos de lojas obtiveram autorização judicial para fechá-las: milhares de adolescentes, principalmente da pobre periferia urbana e organizados pela mídia social, participam de passeios ruidosos pelos shopping centers.

Chamadas de "rolezinhos" na gíria das ruas de São Paulo, as reuniões tumultuadas podem estar ultrapassando os simples "flash mobs" para tocar em questões de espaço público e direito civil em uma sociedade em que os padrões de vida dos pobres melhoraram e as classes sociais estão em movimento.

"Por que eles não querem que entremos nos shoppings?", perguntou Plínio Diniz, 17, um estudante de segundo grau que participou de um rolezinho este mês no Shopping Metrô Itaquera, um centro comercial onde policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar a multidão estimada em 3 mil pessoas. "Temos o direito de nos divertir, mas a polícia foi longe demais."

Nervosos com os protestos de rua que abalaram cidades de todo o país no ano passado, as autoridades tentam cuidadosamente avaliar maneiras de reagir aos encontros, que começaram a crescer em tamanho e intensidade em dezembro. Conscientes de que os protestos de rua se multiplicar depois da reação firme da polícia, as autoridades de Brasília advertem contra o uso da força para retirar os adolescentes dos shoppings.

"Não acho que a repressão seja a melhor maneira de avançar, porque tudo o que se faz nessa linha é como atirar gasolina no fogo", disse à imprensa Gilberto Carvalho, um alto assessor de Rousseff.

Temores de vandalismo e furtos nas lojas à parte, a polícia relatou apenas algumas prisões ligadas aos rolezinhos. Mas as forças policiais supervisionadas pelos governos estaduais não parecem estar em um clima de acomodação, e os operadores de alguns shoppings de alta gama obtiveram autorizações legais para proteger seus funcionários e barrar os participantes.

Como os rolezinhos envolvem grande número de adolescentes de pele escura, essas medidas despertaram acusações de discriminação racial, assim como a incômoda questão de por que os shopping centers são locais tão cobiçados de interação social em São Paulo e outras cidades brasileiras, onde os parques são poucos e distantes.

"Os jovens das classes inferiores são segregados dos espaços públicos e agora estão contestando as regras não escritas", disse Pablo Ortellado, um professor de políticas públicas na Universidade de São Paulo.

Situando os rolezinhos no contexto das mudanças econômicas que permeiam a sociedade brasileira, Ortellado apontou que o aumento dos padrões de vida dos pobres na última década já causou impacto nas classes mais altas do país. Um exemplo são os aeroportos frequentados por viajantes que voam pela primeira vez.

"Agora a presença desses adolescentes nos shoppings é chocante para alguns, porque está sendo feita de modo organizado, em vez de ser diluída", disse ele.

Os rolezinhos geralmente são organizados por meio do Facebook. Há cerca de 20 planejados em cidades brasileiras para as próximas semanas. Muitas vezes envolvem subir e descer correndo as escadas rolantes e muitos gritos, flertes e canções de funk brasileiro. Para muitos participantes, embora eles possam vir de áreas urbanas relativamente pobres, os eventos também são oportunidades para exibir roupas de marcas caras.

Em um ensaio amplamente reproduzido sobre os rolezinhos, Leandro Beguoci, editor-chefe da F451 Digital, uma startup de mídia, advertiu contra a atribuição de um caráter abertamente politizado às reuniões, indicando que os maiores eventos não foram convocados em áreas ricas, mas em shoppings relativamente novos em partes menos prósperas de São Paulo.

"Esses são filhos da classe C, para quem o consumo é glorioso", disse Beguoci, 31, referindo-se à expansão da classe média no Brasil. "Os sons que eles estão escutando principalmente não são o rap anti-establishment, mas funks de ostentação", estilo musical em cujos videoclipes os artistas usam grossas correntes de ouro, bebem champanhe e dirigem carros esportivos.

Outros alegam que os rolezinhos, embora não sejam explicitamente políticos, de qualquer modo abrem caminho para novos métodos de protesto nos shopping centers. Centenas de pessoas do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, um grupo que promove invasões de edifícios abandonados, tentou organizar seus próprios rolezinhos na quinta-feira em dois shoppings de São Paulo, mas foram barrados por seguranças.

"Estamos revoltados com a posição preconceituosa de alguns shoppings", disse Jussara Basso, 38, uma líder dos invasores, alguns dos quais mostraram cartões de débito e crédito quando não tiveram permissão para entrar nos centros comerciais. "É claro que alguns estabelecimentos não querem um monte de clientes pobres e negros."

Diante da perspectiva de que os rolezinhos possam se intensificar e espalhar para cidades além de São Paulo, as reuniões estão expondo outro sentimento entre alguns da elite nas áreas urbanas. No Rio de Janeiro, onde estava planejado um rolezinho para domingo (19) em um shopping no Leblon, o bairro mais elegante da cidade, um juiz proibiu o evento, afirmando que seus participantes poderiam causar "desordem pública". O shopping exclusivo, por sua vez, passou o domingo fechado.

Cerca de cem participantes apareceram de qualquer modo diante do shopping no Leblon. Gizele Martins, que escreve para um jornal comunitário no Complexo da Maré, uma área de favelas no Rio, disse que fazer isso foi "um fato político, para dizer à sociedade a que pertencemos que não estamos em suas margens".

Enquanto o rolezinho tinha um pouco de atmosfera de festa, com alguns participantes bebendo cerveja na rua, Martins e outros deram com as portas fechadas no shopping e ouviram insultos de passantes irritados porque o shopping estava fechado.

Indo além ao expressar o alarme nos círculos de elite, Rodrigo Constantino, um colunista da revista "Veja", usou linguagem degradante contra o que chamou de "esquerda caviar" por defender os rolezinhos.

"Uma multidão de bárbaros invadindo uma propriedade privada para causar confusão não é um protesto ou um rolezinho, mas uma invasão, um arrastão, uma delinquência", escreveu.

Alguns adolescentes que passeavam pelos shoppings brasileiros disseram estar surpresos de que suas reuniões encontrassem tanta resistência.

"Só queremos nos divertir", disse Letícia Gomes, 15, que participou do rolezinho em São Paulo este mês quando a polícia espancou alguns participantes. "Para mim não é uma coisa política. Eu só vou lá para encontrar pessoas."

Colaboraram Paula Ramón, de São Paulo, e Taylor Barnes, do Rio de Janeiro

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves