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Miss mestiça luta por mudança no Japão de uma só etnia

Martin Fackler

30/05/2015 05h59

Quando Ariana Miyamoto foi coroada Miss Japão 2015, as participantes disseram que ela roubou o show com um andar insinuante, um sorriso contagiante e uma autoconfiança tranquila incomum em uma jovem de 21 anos. Mas não foi apenas sua beleza e pose que fizeram com que ganhasse a atenção nacional.

Miyamoto é apenas uma das poucas "hafu", ou japonesas mestiças, a vencerem um grande concurso de beleza no orgulhosamente homogêneo Japão. E ela é a primeira mulher mulata a conseguir isso.

A vitória de Miyamoto lhe dá o direito de representar o Japão no concurso internacional Miss Universo, que será realizado em janeiro. Ela disse que espera que sua participação - e ainda melhor, uma vitória– faça com que mais japoneses aceitem os hafu. Mas, ela disse, o caminho ainda deverá ser longo para o Japão.

Mesmo após sua vitória na competição nacional, jornalistas locais tiveram dificuldade em aceitá-la como japonesa.

"Os repórteres sempre me perguntam, 'Qual parte de você é mais japonesa?'" disse Miyamoto, que tem pernas longas como as de uma supermodelo estrangeira, mas compartilha a mesma reserva tímida de muitas outras mulheres jovens japonesas. "Eu sempre respondo, 'Mas eu sou japonesa'."

"Eu esperava que a conquista de Miss Japão faria com que notassem isso", ela acrescentou.

A Miss Universo Japão, Ariana Miyamoto, desfila diante das rivais no concurso - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
A Miss Universo Japão, Ariana Miyamoto, desfila diante das rivais no concurso
Imagem: Reprodução/Facebook

Mas ainda pode levar algum tempo. Após sua vitória, algumas pessoas postaram mensagens online criticando os juízes por escolherem alguém de aparência não japonesa.

"A Miss Japão não deveria ao menos ter um rosto realmente japonês?" perguntou uma pessoa.

Mas um número ainda maior de japoneses aparentemente se mobilizou em sua defesa. "Por que uma cidadã japonesa, que nasceu e foi criada no Japão, não pode ser considerada japonesa?" perguntava uma postagem típica.

Filha de um breve casamento entre um marinheiro afro-americano da Marinha americana e uma japonesa local, Miyamoto cresceu no Japão, onde ela diz que outras crianças costumavam evitá-la por casa de sua pele mais escura e cabelo levemente encaracolado.

Essa experiência a levou a usar sua vitória no concurso de beleza como palanque para aumentar a conscientização sobra as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos mestiços em um país que ainda se considera de uma só etnia.

"Mesmo hoje, geralmente sou vista como estrangeira, não japonesa. Nos restaurantes, as pessoas me dão um cardápio em inglês e me elogiam por conseguir comer com palitos", disse Miyamoto, que falou em japonês e é uma exímia calígrafa de caracteres japoneses/chineses. "Eu quero desafiar a definição de ser japonesa."

Sua autoproclamada missão causou surpresa em um momento em que as relações raciais estão recebendo nova atenção no Japão, que há muito se considerava imune às tensões étnicas dos Estados Unidos.

Os planos da Rede de Televisão Fuji de produção de um musical exibindo cantores com rosto pintado de negro foram cancelados após pressão de grupos antirracismo. Um romancista de direita e ex-conselheiro do primeiro-ministro Shinzo Abe também causou polêmica em casa e no exterior ao defender segregação de raças ao estilo apartheid.

Mas muitos aqui veem a vitória de Miyamoto como prova de que o Japão está lentamente abraçando uma imagem mais multicolorida de si mesmo.

Com a imigração ainda muito limitada, grande parte da nova diversidade do Japão vem dos filhos mestiços dos casamentos entre japoneses e estrangeiros. Esses hafu - um termo que vem da palavra "half" (metade, meio) em inglês– vêm ganhando proeminência social cada vez maior, especialmente nos esportes e na televisão.

Os japoneses mestiços também são responsáveis por um percentual pequeno, mas crescente, da população: segundo o Ministério da Saúde, cerca de 20 mil crianças com um dos pais não japonês agora nascem aqui anualmente, cerca de 2% do total de nascimentos.

"Ariana nos dá outra oportunidade de desafiar a velha suposição de que é preciso parecer japonês para ser japonês", disse Megumi Nishikura, uma cineasta meio japonesa e meio irlandês-americana que co-dirigiu o documentário "Hafu" de 2014.

Miyamoto disse que suportou ofensas ao crescer no rude porto de Sasebo, no sul, onde a família de sua mãe a criou depois que o pai dela partiu do Japão quando ela ainda era pequena.

Na escola, ela disse, outras crianças e até mesmo pais a chamavam de "kurombo", uma versão pejorativa de negra. Colegas de classe não queriam dar as mãos para ela com medo de que sua cor passaria para eles.

"Eu costumava voltar para casa furiosa com minha mãe", lembrou Miyamoto. "Eu perguntava para ela, 'Por que você me fez tão diferente?'"

Ela disse que tudo mudou aos 13 anos, quando ela decidiu procurar seu pai, que a convidou para ir à casa dele em Jacksonville, Arkansas. Ela disse que nunca esquecerá o momento em que viu seu pai e seus parentes pela primeira vez.

"Eles tinham a mesma pele e face que eu", ela disse. "Pela primeira vez, eu me senti normal."

Ela disse que nos Estados Unidos, ela passou a falar de si mesma como negra. Mas aqui no Japão, ela ainda chama a si mesma de hafu. Como Miss Japão, ela minimizou suas raízes afro-americanas, apresentando a si mesma como representante de todos os japoneses mestiços.

Mas especialistas em concursos de beleza disseram que foi precisamente por ser meio negra que ela chamou tanta atenção. Eles disseram que a vitória dela derrubou uma hierarquia velada entre os hafu, na qual aqueles com pele mais clara há muito eram celebrados como mais bonitos.

"Ariana é a Miss Japão mais comentada de todos os tempos", disse Stephen Diaz, o repórter baseado no Japão do Missosology, um site que cobre concursos de beleza. Ele disse que Miyamoto dominou um concurso que exigia que as candidatas exibissem seus movimentos de dança e vestissem elegantes vestidos de noite, além da competição obrigatória de biquíni.

"Quero dizer, todos nós pensávamos, este é o Japão. Eles não vão coroar a menina negra", ele disse. "Mas ela se destacou muito acima das demais candidatas."

Apesar de Miyamoto creditar sua visita aos Estados Unidos por deixá-la à vontade com sua ancestralidade negra, ela disse que seu tempo ali também a ensinou que ela é japonesa.

Ela passou dois anos com sua família americana, matriculada em um colégio local. Mas ela logo enfrentou dificuldades para se adaptar. Frustrada com sua falta de domínio do inglês, e tratada como estrangeira tanto por colegas brancos quanto negros, ela passou a sentir saudade de casa e ansiar por comida japonesa, não disponível na zona rural de Arkansas.

"Eu nasci e fui criada no Japão, de modo que aqui é meu lugar", ela disse.

Ela posteriormente voltou a Sasebo, onde ficou perdida por algum tempo, nunca concluindo o colégio e trabalhando como barwoman. Ela espera que a vitória no Miss Universo possa permitir seu ingresso em uma carreira de modelo, que possa ajudá-la a ganhar dinheiro suficiente para algum dia cursar uma faculdade nos Estados Unidos.