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Símbolos históricos dos EUA se encontram em um "momento de expurgo"

A estátua do presidente confederado Jefferson Davis foi retirada do campus da Universidade do Texas no último dia 30 - Eric Gay/AP
A estátua do presidente confederado Jefferson Davis foi retirada do campus da Universidade do Texas no último dia 30 Imagem: Eric Gay/AP

Jennifer Steinhauer

De Washington (EUA)

08/09/2015 06h00

Em 1861, soldados da União que estavam acampados no Senado atacaram a mesa de Jefferson Davis com uma baioneta. Ansiosos para destruir o símbolo ligado a Davis, que havia renunciado ao Senado para se tornar presidente da Confederação, eles foram interrompidos por um assessor que insistiu que a mesa pertencia ao governo e que os militares tinham sido "enviados para lá para proteger, não para destruir."

A mesa, que ainda carrega as marcas do ataque, agora é usada pelo senador sênior do Mississippi, Thad Cochran, com seu significado histórico substituindo seu simbolismo. Mas ela é diferente de muitos emblemas da Guerra Civil e outros ícones poderosos que fazem parte de um movimento maior para extirpar a história incômoda de mais de dois séculos da vida norte-americana.

Esta semana, o presidente Barack Obama disse que usaria seu poder executivo para mudar o nome do Monte McKinley para Denali, restaurando o nome nativo do Alaska. Democratas de vários estados têm feito pressão nos últimos tempos para tirar os nomes de Thomas Jefferson e Andrew Jackson dos encontros anuais do partido. E o debate se infiltrou no esporte e na cultura. Nos últimos anos, o Washington Redskins tem estado sob pressão intensa para mudar seu nome.

Historiadores dizem que o clamor por essas mudanças, que muitas vezes encontram profunda resistência daqueles que são leais ao que os símbolos representam, é impulsionado por mudanças culturais e demográficas, e também por acontecimentos de época como o tiroteio de fiéis negros em junho numa igreja de Charleston, na Carolina do Sul.

"Estamos num momento de expurgo", disse David Greenberg, professor de história da Universidade Rutgers. "Tem tantas coisas desse tipo acontecendo agora que elas devem ser vistas de forma coletiva, muito embora haja diferenças importantes de um caso para outro. Acho que o cerne disso é a questão racial."

O movimento tem eco em outros países. Depois que Nelson Mandela se tornou presidente da África do Sul em 1994, o país descartou sua bandeira da era do apartheid. Em 1966, ex-integrantes do Exército Republicano Irlandês em Dublin explodiram o monumento Nelson's Pillar em homenagem ao herói naval britânico Horatio Nelson.

Depois de conquistar a independência em relação ao Reino Unido em 1956, o governo sudanês buscou livrar a nova nação das estátuas simbólicas que celebravam o colonialismo. A Etiópia desmantelou estátuas de Lênin e outros líderes comunistas erguidas durante o domínio do líder Mengistu Haile Mariam.

Mas alguns historiadores e políticos alertam que há uma diferença entre bandeiras confederadas tremulando nos prédios públicos e a condenação de ex-presidentes e outras figuras históricas do passado vistos sob o prisma de seus atos mais vergonhosos em vez da totalidade das suas realizações.

O senador Mitch McConnell, líder da maioria do Kentucky, pediu recentemente a remoção de uma estátua de Davis da Assembleia de Frankfort, mas parou a tempo de considerar um pedido para remover símbolos confederados do Capitólio.

"Acho que não devemos tentar apagar ou encobrir a história", disse ele numa entrevista recente. Ele observou que um retrato grande de John C. Calhoun localizado num corredor Senado tinha sido escolhido por um comitê chefiado pelo senador John F. Kennedy, e que o grupo tinha se esforçado para desculpar figuras históricas sob a perspectiva de seu histórico geral.

Há um cálculo difícil e muitas vezes arbitrário ao pesar as contribuições de uma figura histórica para a nação ou a cultura de um lado, e seus pecados de outro.

A África do Sul se livrou da bandeira e do hino nacional, mas o Monumento Voortrekker em Pretória, que representava o Boer Trek de 1838, acabou sendo mantido como um patrimônio histórico nacional, ainda que, assim como a bandeira confederada nos Estados Unidos, ele lembre os negros sul-africanos do legado violento do racismo. Bandeiras com elementos dos confederados e estátuas de generais confederados povoam o Capitólio dos EUA, mas agora elas dividem espaço com símbolos que celebram heróis como Rosa Parks.

A disputa pelo nome de uma montanha ou sobre o tratamento de uma figura da histórica reside em grande parte na competição pela propriedade das narrativas, temperada pelo contexto político contemporâneo. Retirar o nome de William McKinley não teve a intenção de desprezar o ex-presidente, disseram legisladores e outras autoridades do Alasca – ele foi um presidente responsável e admirado – mas sim de reconhecer o papel duradouro dos nativos norte-americanos no estado.

Os opositores da mudança de nome, fora os entusiastas de Ohio e devotos de McKinley, disseram que entenderam o significado cultural do nome Denali, mas preferiram ver a iniciativa de Obama como mais um exemplo de um abuso de poder executivo, uma acusação comum dos republicanos durante a maior parte do segundo mandato do presidente.

A história e a cultura popular também podem mudar as coisas de forma positiva.

"Há também reavaliações que surgem como resultado de obras de ficção", disse Alan Brinkley, historiador de Columbia. "Uma compreensão mais simpática de Nixon surgiu com filmes como "Frost/Nixon", e agora o público tem uma nova imagem, mais complexa, de Alexander Hamilton por causa do musical 'Hamilton'", disse ele.

Embora muitos republicanos no Capitólio esperem que a atenção sobre o futuro dos símbolos confederados desapareça em silêncio este ano, o debate deve reacender durante as brigas pelo orçamento, e o país voltará a se confrontar com a mudança de sua aparência contemporânea.

Tradução: Eloise De Vylder