Ideias de Milei são maçaroca de tolices que o mundo deixou ou jamais adotou
Javier Milei não atacou diretamente o presidente Lula em seu discurso no encontro da extrema-direita em Balneário Camboriú. Alguns dos rapazes que estavam lá, a excitar as suas espinhas ideológicas à espera do êxtase, não obtiveram a satisfação desejada. Devem ter dado um jeito depois, delirando com as palavras que o bufão poderia ter dito. Não faltou, claro!, o "Viva la libertad, carajo!" O paspalho saudado por reacionários como epítome da modernidade repete a ladainha do defunto neoliberalismo do fim da década de 80. Suas "novidades" já têm quase 40 anos e naufragaram estrepitosamente mundo afora. Algumas delas na própria Argentina de Carlos Menem (1989-1999).
Antes que trate disso, uma observação. O fato de este senhor bizarro não ter se dirigido diretamente a Lula ameniza, mas não apaga a afronta. Tanto é que, num dado momento, deu o gancho para que a plateia fizesse o coro indigno contra o presidente. "Indigno" por quê? É um espetáculo constrangedor ver brasileiros a reverenciar um chefe de Estado estrangeiro com palavras injuriosas contra o dirigente de seu próprio país, ainda que a este se oponham. É isso que essa gente entende por política. Adiante.
O mais estupefaciente neste tal Milei é a sua ambição de falar como um teórico. Está treinado para seduzir o liberalismo acneico das ideias mortas. Parte da receita consiste em atacar as esquerdas, sem fazer matizes. Há, claro, os sacos fáceis de pancada como Venezuela, Cuba e, em certa medida, a própria Argentina que o antecedeu, que socialista nunca foi. Quem, em suma, não está com ele é "comunista" ou "socialista". Conhecemos essa tática.
Mas aí está o busílis. "La libertad", para Milei, é a quase ausência de Estado, na, atenção!, contramão daquilo a que se assiste hoje no mundo inteiro. Como ilustração à margem: ainda candidato, este senhor falou que a venda de órgãos para transplante "era um mercado como outro qualquer". Há três dias, o senador Juan Carlos Pagotto, do Liberdade Avança, seu partido, tentou enganar o Senado e introduzir na legislação a permissão para que pobres pudessem vender seus filhos sem sofrer nenhuma sanção. Pior: o texto prevendo punição já havia sido aprovado sem essa aberração, mas, na leitura da versão final, ele tentou enganar seus pares. E insistiu que era uma boa saída. Proposta congruente com um governo que jogou mais da metade do país na pobreza.
No universo mental ultrapassado em que circula Milei, o Estado é o grande inimigo, ladainha repetida por alguns idiotas aqui no Brasil. O PIB da China deve ultrapassar o dos Estados Unidos em 2034 com Estado ou sem ele? A injeção de trilhões de dólares de dinheiro público na economia americana expressa confiança cega no "mercado" ou se vê um país a defender os interesses da sua indústria, dos seus empregos e do seu mercado? Nesse particular, diga-se, Trump e Biden não divergem: o primeiro começou a guerra comercial com os chineses, e outro deu sequência. E o que fazem União Europeia, Índia, Coreia do Sul ou Japão? Os países que passaram a contar no concerto das nações não dão a menor pelota para essas delinquências intelectuais.
Querem falar um pouco do nosso terreiro? O êxito do Brasil na agropecuária se dá com Estado ou sem Estado. Vamos pôr fim ao Plano Safra? Somos o segundo maior produtor de etanol do mundo com Estado ou sem Estado? A Embraer se inseriu entre as grandes do mundo com Estado ou sem Estado? A transição para a uma economia de baixo carbono, incluindo o financiamento do hidrogênio verde, se dá com Estado ou sem Estado? Se o BNDES fechasse amanhã — e o banco gera dinheiro para o Tesouro, não tira —, o "mercado" daria conta das demandas que o banco de fomento atende?
O que Milei fala, para delírio do liberalismo mal saído das fraldas, não vale o que o Miguilim enterra em suas caixas de areia.
E existem, sim, restolhos dessa bobajada por aqui, inclusive na imprensa. A atenção quase exclusiva que se dá à dívida e ao déficit fiscal — e é claro que não devem ser ignorados —, como se não houvesse outros fundamentos na economia, ainda é eco do defunto Consenso de Washington. Há alguns valentes que estão doidinhos para elogiar Milei. Só não o fazem porque o consideram ridículo demais.
A grande estrela internacional da CPAC de Eduardo Bolsonaro não é só um reacionário doidivanas, que se diz um "libertário". As ideias que têm sobre economia, se levadas a efeito, transformarão a Argentina numa colônia de muitos senhores. Estão na contramão do que se faz hoje mundo afora. Já foram testadas e reprovadas pelos fatos.
Os que lucrarem com essa condição subalterna certamente não reclamarão. É o que muitos "patriotas" querem também para o Brasil. E se acham, claro!, muito "modernos" em companhia do palhaço desgrenhado, que desonra o circo e a palhaçaria.
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