Fukushima pode ser exemplo de quando a radiação não é o verdadeiro risco
Nesta primavera, quatro anos após o acidente nuclear de Fukushima, um pequeno grupo de cientistas se reuniu em Tóquio para avaliar o resultado da catástrofe.
Ninguém morreu ou ficou doente com a radiação – um ponto confirmado no mês passado pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). Mesmo entre os funcionários de Fukushima, espera-se que o número adicional de casos de câncer nos próximos anos seja tão baixo a ponto de ser indetectável, um sinal impossível de discernir em meio ao ruído das estatísticas gerais.
Mas cerca de 1.600 pessoas morreram por causa do estresse da retirada – um processo segundo alguns cientistas não se justifica pelos níveis de radiação relativamente moderados da usina nuclear japonesa.
Epidemiologistas chamam de "mortes aleatórias" aquelas que eles preveem que acontecerão no futuro por causa da radiação ou de algum outro risco. Sem nomes ligados aos números, elas continuam sendo uma abstração.
Mas essas outras mortes foram imediatas e inequivocamente reais.
"O governo basicamente entrou em pânico", disse-me Mohan Doss, físico e médico que falou na reunião de Tóquio, quando telefonei para ele em seu escritório no Centro de Câncer Fox Chase, na Filadélfia. "Quando você retira uma unidade de terapia intensiva de um hospital, você não pode levar os pacientes para uma escola e esperar que eles sobrevivam."
Entre outras vítimas estavam moradores de asilos. E além disso houve suicídios. "Foi o medo de radiação que acabou matando as pessoas", disse ele.
A maior parte das partículas radioativas liberadas foi arrastada para o mar por ventos vindos do leste, e o restante foi dispersado e diluído na terra. Se os retirados tivessem permanecido em suas casas, sua exposição cumulativa ao longo de quatro anos, nos locais de maior intensidade radioativa, teria sido cerca de 70 millisieverts – mais ou menos comparável a fazer uma tomografia de alta-resolução de corpo inteiro por ano. Mas esses locais de alta intensidade foram raros.
Segundo os cálculos de Doss, a maioria dos residentes teria recebido muito menos, cerca de 4 millisieverts por ano. A exposição média anual à radiação natural da terra é de 2,4 millisieverts.
A forma como o efeito adicional das partículas se compararia ao da retirada depende da validade do "modelo não-linear de limiar", que pressupõe que qualquer quantidade de radiação, não importa quão pequena, cause algum dano.
Doss está entre os cientistas que questionam essa suposição, que embasa as normas mundiais para a radiação. Abaixo de um certo limiar, eles argumentam, doses baixas são inofensivas e, possivelmente, até mesmo benéficas – um fenômeno muito debatido chamado de hormese da radiação.
Recentemente, ele e outros dois pesquisadores, Carol S. Marcus, do Centro Médico Harbor-UCLA, em Los Angeles, e Mark L. Miller, dos Sandia National Laboratories em Albuquerque, Novo México, solicitaram que a Comissão Reguladora Nuclear revisasse suas regras para evitar reações exageradas para ameaças que podem ser inexistentes.
O período de comentários públicos ainda está aberto. Quando ele terminar, haverá um corpo de evidências conflitantes para desvendar.
Acredita-se que um sievert inteiro de radiação possa causar cânceres fatais em cerca de 5% das pessoas expostas. De acordo com o modelo não-linear de limiar, um millisievert representaria um milésimo desse risco: 0,005%, ou cinco cânceres fatais em uma população de 100 mil pessoas.
Cerca de duas vezes esse número de pessoas foram retiradas da área de 20 quilômetros nas proximidades dos reatores de Fukushima. Ao evitar o que teria sido uma exposição cumulativa média de 16 millisieverts, o número de mortes por câncer evitadas foi, talvez, 160, ou 10% do total de pessoas que morreram na própria retirada.
Mas essa estimativa considera a validade das normas em vigor. Se níveis baixos de radiação são menos prejudiciais, então as partículas podem não ter causado nenhum aumento na taxa de câncer.
A ideia de homese vai mais longe, propondo que a radiação fraca pode na verdade reduzir o risco para uma pessoa. A vida evoluiu em um ambiente ligeiramente radioativo, e algumas experiências laboratoriais e estudos com animais indicam que exposições baixas desencadeiam antioxidantes protetores e estimulam o sistema imunológico, supostamente protegendo contra cânceres de todos os tipos.
Estudos epidemiológicos de sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki foram interpretados de ambas as formas – para demonstrar e refutar a homese. Mas como as regulações de radiação assumem que não existe nível seguro, foi impossível realizar experimentos clínicos que testassem uma terapia de dose baixa.
Um experimento, no entanto, ocorreu inadvertidamente três décadas atrás, em Taiwan, quando se descobriu que cerca de 200 edifícios que abrigavam 10 mil pessoas haviam sido construídos com aço contaminado com cobalto radioativo. Ao longo dos anos, os moradores tinham sido expostos a uma dose média de cerca de 10,5 millisieverts por ano, mais do que o dobro da média estimada para Fukushima.
No entanto, um estudo realizado em 2006 revelou menos casos de câncer em comparação com a população em geral: 95, quando esperava-se 115.
Nem o resumo deste artigo nem o de um segundo, publicado dois anos depois, mencionou a redução global. (Os autores especularam que os moradores dos prédios pudessem ser mais saudáveis que a população como um todo.) Eles focaram, em vez disso, em resultados mais fracos que sugeriam alguns casos a mais de leucemia e câncer de mama – numa análise dos dados que mostrava um aumento do risco de câncer para moradores expostos antes dos 30 anos.
Mais recentemente, um estudo sobre o radônio feito por um cientista da Johns Hopkins sugeriu que as pessoas que vivem com maiores concentrações do gás radioativo tinham taxas correspondentemente mais baixas de câncer de pulmão. Se assim for, então os proprietários que investem na mitigação do radônio para atender às normas federais de segurança podem estar aumentando ligeiramente seu risco de ter câncer. Estas e outras descobertas também foram contestadas.
Toda pesquisa como esta é complicada por "fatores confundidores" – diferenças entre populações que devem ser contabilizadas. Algumas são muito fáceis (idosos e fumantes naturalmente têm mais câncer), mas há sempre algum espaço de manobra estatística. Assim como acontece com tantas questões, o que deveria ser um argumento científico se torna retórico, e grupos de interesses opostos olham para os dados com o viés apropriado para interpretá-los de acordo com suas próprias necessidades.
Há mais coisa em jogo do que agonizar sobre atos irreversíveis como a retirada de Fukushima. O medo da radiação, mesmo quando diluída em doses homeopáticas, leva as pessoas a deixarem de fazer exames e radioterapia que poderiam salvar vidas.
Nós, seres humanos, somos ruins em pesar os riscos, e vivemos num mundo de contínua incerteza. Tentando evitar os horrores que imaginamos, corremos o risco de criar horrores reais.
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