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Compactos, tuk-tuks fascinam turistas e perturbam parte da população em Lisboa

Um tuk-tuk, veículo de três rodas usados para levar turistas, nas ruas de Lisboa - Patricia de Melo Moreira/The New York Times
Um tuk-tuk, veículo de três rodas usados para levar turistas, nas ruas de Lisboa Imagem: Patricia de Melo Moreira/The New York Times

Raphael Minder

Lisboa (Portugal)

01/11/2015 06h00

Os moradores desta cidade portuária de beleza desbotada e fachadas decoradas com azulejos deram as boas vindas nos últimos anos a uma onda de turistas que ajudou a mudar o rumo da economia em queda.

Mas os visitantes estrangeiros, dirão os moradores, também trazem sua cota de prejuízos. A revitalização rápida, impulsionada por incentivos fiscais concedidos aos estrangeiros que compram imóveis, aumentou os aluguéis e ampliou as disparidades. As ruas estão mais lotadas, o tráfego piorou.

E fora isso, há os tuk-tuks.

Em poucos anos, cerca de 300 veículos motorizados de três rodas invadiram as ruas de pedra estreitas de Lisboa, oferecendo aos turistas uma forma alternativa de se locomover por esta cidade cheia de morros, famosa também por sua rede de bondes e elevadores.

Enquanto os turistas correram para os tuk-tuks, os moradores da cidade de cerca de 550 mil habitantes começaram a soltar fogo pelas ventas por causa da poluição, do barulho nas ruas e do "problema de qualidade de vida" iminente, de acordo com Miguel Gaspar, consultor de transporte português.

"O aumento dos tuk-tuks foi tão grande que eles estão até mesmo sendo divulgados para os turistas como sendo algo típico de Lisboa, o que não é verdade”, disse ele. “Eles agora são como as pombas, estão em toda parte.”

Embora o tuk-tuk não seja mais comum na Europa, o veículo de três rodas surgiu na Itália, projetado pelo mesmo engenheiro que desenvolveu o motor da Vespa, como uma forma barata para reconstruir o sistema de transporte da cidade após a devastação da Segunda Guerra Mundial.

Desde então, eles se tornaram populares nas cidades populosas da Ásia e da África, onde são valorizados por seu tamanho compacto e facilidade de manobra.

Em Lisboa, uma cidade carregada de história, os tuk-tuks entraram rapidamente por causa das mesmas qualidades que permitem que eles trafeguem facilmente pelas esquinas estreitas e ladeiras íngremes do centro velho e estacionem praticamente em qualquer lugar, o que costumam fazer.

Mas a vontade dos turistas e a necessidade dos moradores nem sempre são a mesma coisa. No mês passado, o prefeito de Lisboa, Fernando Medina, anunciou restrições aos tuk-tuks, que limitarão os horários de circulação e os lugares em que eles podem estacionar.

As novas regras vão até mesmo proibir o tráfego dos tuk-tuks em algumas ruas, além de exigir que os veículos funcionem com motores eléctricos até 2017.

As novas restrições de Lisboa também se aplicam a outros veículos turísticos de entretenimento, incluindo os karts amarelos que têm feito sucesso entre os visitantes, mas que podem ser um incômodo ainda maior.

Em uma entrevista, Medina disse que seu objetivo era "regular, mas não acabar" com o setor rentável dos tuk-tuks.

"Administrar uma cidade significa gerenciar conflitos e encontrar o equilíbrio certo entre bons serviços turísticos e o direito das pessoas que trabalham e vivem nela", disse ele, "e agora os tuk-tuks estão afetando esse equilíbrio".

Outros destinos europeus populares enfrentam desafios semelhantes. Em Barcelona, o centro do turismo na Espanha, o novo prefeito de esquerda congelou os projetos de novos hotéis logo depois que foi eleito, em maio.

Em Lisboa, como era de se esperar, ninguém está mais irritado com a febre dos tuk-tuks do que os taxistas da cidade. Em junho, policiais prenderam um motorista que entrou numa briga de rua com um motorista de tuk-tuk e o ameaçou com um martelo.

"Os tuk-tuks são uma novidade péssima e a concorrência é totalmente injusta", disse Rui Tavares, taxista que disse ter gasto 850 euros (R$ 3.645) com sua licença de motorista de táxi.

"Levou tempo, dinheiro e muito esforço para eu me tornar taxista, enquanto esses caras podem começar a levar as pessoas por aí desde o primeiro dia sem nenhuma qualificação profissional”, disse ele.

Para os taxistas, a invasão dos tuk-tuks se somou ao problema já apresentado pelo serviço de caronas pagas Uber, que tem enfrentado aqui os mesmos tipos de objeções legais que em vários outros países europeus. O Uber agora está apelando de uma decisão do tribunal português que ficou do lado dos taxistas contra os acordos de licença do serviço.

Os motoristas de tuk-tuk dizem que a restrição regulatória contra eles é mais uma prova do lobby opressor dos taxistas que levou à cruzada contra o Uber.

Mas eles também dizem que os obstáculos são contraproducentes num momento em que o turismo tem liderado a recuperação da economia portuguesa, que precisou de um resgate internacional durante a crise da dívida.

"Existe agora uma guerra ridícula pelos transportes em Lisboa", disse José Gomes, 28 anos, que começou a dirigir um tuk-tuk depois de perder o emprego numa loja de roupas no ano passado. "Eles dizem que Portugal precisa de mais turismo para gerar empregos, e daí todo mundo quer proibir algo que sem dúvida faz sucesso com os estrangeiros.”

De fato, para os turistas, a experiência do tuk-tuk é uma maneira de passear e desfrutar da paisagem da cidade, em vez de necessariamente buscar a forma mais rápida e mais barata para ir do ponto A ao ponto B.

Joerg Heinermann, que dirige a filial portuguesa da montadora alemã Mercedes-Benz, argumenta que, apesar do curto período de tempo na cidade, os tuk-tuks "se tornaram um símbolo quase tão representativo de Lisboa quanto os bondes".

Sempre que recebe estrangeiros, ele tenta incluir um passeio de tuk-tuk na programação em Lisboa, diz Heinermann. "É simplesmente maravilhoso ser levado por aí por um português que explica sua própria cidade à sua própria maneira", disse ele.

"Alguns mostram as casas de escritores e outras pessoas famosas, outros apenas querem dirigir pelas ruas mais estreitas que existem, enquanto outros mostram onde comprar vinho do Porto ou ouvir fado", a música tradicional de Portugal, disse ele.

Enquanto a batalha dos transportes se acirra, alguns decidiram pegar o bonde dos tuk-tuks em vez de lutar contra eles, como José Alves, proprietário de uma empresa de táxi que se expandiu para o ramo dos tuk-tuks há três meses.

Alves, cuja empresa Colourtrip agora possui seis tuk-tuks, além de seis táxis, descreveu o tuk-tuk como o veículo perfeito para descobrir a cidade.

"Um táxi leva você a um lugar específico, mas o tuk-tuk é a escolha certa se você quiser apenas passear por aí", disse ele. "Lisboa tem muitas ladeiras e ruas estreitas que são realmente lugares feitos sob medida para um tuk-tuk."

Ainda assim, Alves apoia a ideia de que os tuk-tuks devem estar sujeitos a restrições parecidas com as que se aplicam aos 3.500 táxis de Lisboa.

"Da forma como este mercado está se desenvolvendo, podemos ter 3.000 tuk-tuks no ano que vem, então é claro que é preciso estabelecer regras.”