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Opinião: Seria tolice não levar Trump e sua América de Weimar a sério

Sean Rayford/Getty Images/AFP
Imagem: Sean Rayford/Getty Images/AFP

Roger Cohen

Em Nova York (EUA)

16/12/2015 06h00

Bem-vindo à América de Weimar: ela está ficando inquieta nos salões de cerveja. As pessoas estão fartas da política habitual. Elas querem fala franca e direta. Querem respostas.

Bem-vindo a uma nação furiosa por duas guerras perdidas, com sua política pendendo para os extremos, seu humor vingativo, aflita por décadas de estagnação salarial real para a maioria das pessoas, tentada por um homem forte que manteria todos os muçulmanos de fora e pelas promessas de restauração da grandeza americana.

"Seremos durões, grossos e malvados", diz Donald Trump em resposta ao massacre de San Bernardino. As pessoas vibram. Ele pede por uma "proibição total e completa da entrada de muçulmanos nos Estados Unidos". As pessoas vibram. "O povo quer força", ele diz. As pessoas vibram. Seus números sobem nas pesquisas. Comentaristas, até mesmo o antigo guru político republicano, Karl Rove, balançam suas cabeças em desaprovação.

Trump é um palhaço? Não, não é. Ele é real. E encontrou um caminho. É tolice não levá-lo a sério.

Uma tempestade quase perfeita para sua agitação se encontra sobre os Estados Unidos. A China está em ascensão. O poder americano está em declínio. As placas tectônicas da segurança global estão em movimento. O Afeganistão e o Iraque foram os túmulos da glória. Há medo, após as mortes na Califórnia inspiradas pelo Estado Islâmico, de um inimigo interno.

Por mais de uma década, sangue e tesouro americanos foram gastos inutilmente. O presidente Obama alega que sua estratégia contra o terrorismo jihadista islâmico, que ele frequente doura como "extremismo violento", está funcionando. Há pouca ou nenhuma evidência disso.

Muitos americanos lutam para sobreviver, com seus salários não acompanhando os preços.

Então surge Trump, o sujeito cheio de energia. Ele promete o ressurgimento americano, uma reinvenção, uma renascença. Ele insulta os muçulmanos, mexicanos, inválidos, mulheres. Suas palavras são odiosas e vis. Elas exploram o medo. Elas são tema de análises horrorizadas. Mas elas não o prejudicam. Ele incita as pessoas. Ele diz o que os outros sussurram. Ele pisa em toda a correção política melindrosa. Ele seria um páreo duro para Putin! E seus números sobem nas pesquisas.

Seria tolice e perigoso não levá-lo a sério. Seu estilo bombástico está afinado com a América de Weimar. Os Estados Unidos não estão pagando indenizações, como a Alemanha de Weimar estava após a Primeira Guerra Mundial. Não há hiperinflação. Mas a europeização da política americana é inconfundível.

Os Estados Unidos, assim como a Europa, foram sacudidos pelo terrorismo do Estado Islâmico e não sabem ao certo como responder aos mercadores da morte com bandeiras pretas. Sua política polarizada parece quebrada. A direita de Donald Trump e a direita de Marine Le Pen na França se sobrepõem em questões de terrorismo e imigração. Na esquerda americana, Bernie Sanders soa como um social-democrata europeu. Mas essa é outra história.

Le Pen agora é uma séria candidata à presidência francesa em 2017. Seu forte resultado no primeiro turno das eleições regionais não se repetiu no segundo turno. Ela caiu. Mas assim como Trump, ela responde ao anseio popular por um fim dos negócios de costume após dois massacres em Paris neste ano, nos quais o Estado Islâmico teve papel. Os três jihadistas que mataram 90 frequentadores da casa noturna Bataclan na noite de sexta-feira eram cidadãos franceses que acredita-se que tenham treinado na Síria.

"O fundamentalismo islâmico deve ser aniquilado", diz Le Pen. As pessoas vibram. "A França deve proibir as organizações islâmicas", ela diz. As pessoas vibram. Ela deve "expulsar os estrangeiros que pregam ódio em nosso país, assim como os imigrantes ilegais que não têm nada o que fazer aqui". As pessoas vibram.

Não há dúvida de que Le Pen é levada a sério na França. A palavra de ordem na Europa é vigilância. Toda sua reconstrução do pós-guerra se apoiou na convicção de que a paz, integração, união econômica e o Estado de bem-estar social eram o melhor seguro contra o retorno ao poder da direita fascista.

Essa convicção está abalada. A ascensão do Estado Islâmico e a incapacidade do Ocidente de contê-lo levam direto à islamofobia na qual Trump e Le Pen transitam com sucesso. Seria difícil imaginar uma atmosfera mais adequada à política do medo. Os americanos dizem estar com mais medo do terrorismo do que em qualquer momento desde o 11 de Setembro.

"Toda vez que as coisas pioram, eu me saio melhor", diz Trump. É verdade. E as coisas podem piorar ainda mais.

A europeização da política americana também é a europeização do risco político americano. O impensável aconteceu na Europa. Não é impossível nos Estados Unidos.

Seria errado não levar Trump muito a sério. Seria irresponsável. Significaria esquecer a história europeia, de onde ele tira o exemplo fascista. Não é da política da América de Weimar que vem. O establishment parece cansado. O establishment não entendeu o teatro raso de fatos do mundo contemporâneo.

A República de Weimar acabou com a ascensão de um palhaço ao poder, um bufão cheio de energia que gritava mais alto, um valentão dos salões de cerveja, um racista e um intolerante. Ele era uma pessoa de fora com inclinação à teatralidade e pompa. Ele seduziu a nação de Beethoven. Ele arrastou o mundo para o buraco com ele.