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O que significou 2015 e o que virá em 2016? Seis artistas visuais respondem

17/12/2015 06h00

O que significou o ano de 2015 para você? Quais são seus medos, desejos e esperanças para 2016 e o futuro? Os comentários visuais oferecem um mundo de ideias.

Colômbia - Randy Mora

"Nossos dispositivos estão ficando cada vez mais espertos e nós, mais burros, preguiçosos e isolados."

Um dos aspectos do dia a dia que vejo mudando rapidamente é o modo como interagimos uns com os outros. Todos os dias, vejo menos proximidade entre as pessoas. Estamos vivendo nossas vidas pelas telas: smartphones, tablets e computadores. Imersas em seus aparelhos eletrônicos, as pessoas na rua ignoram seu ambiente e os outros transeuntes.

A comunicação está mudando e, como resultado, nós estamos mudando. Atividades básicas como se apaixonar, encontrar um trabalho novo, agendar uma reunião ou ir ao cinema vão ser condicionadas de alguma forma a um intermediário virtual. Nossos dispositivos estão ficando cada vez mais espertos e nós, mais burros, preguiçosos e isolados.

O processo da minha colagem digital difere do de outros ilustradores por causa da minha técnica. Produzo minhas composições com recortes, fotos e texturas que coleto em revistas velhas e objetos jogados fora. Então, digitalizo tudo e faço a montagem no Photoshop.

O processo criativo é muito intuitivo, e o acaso muitas vezes assume o controle: posso ter uma ideia clara do conceito, mas a composição se constrói com cada nova camada, às vezes levando a resultados inesperados. Uma ideia simples, ou a combinação de duas imagens, pode ser o princípio que define uma obra.

(Randy Mora é ilustrador e artista de Bogotá, na Colômbia. Seu trabalho já apareceu em exposições na América do Sul, Estados Unidos, Europa e China)

Escócia - Johanna Basford

"Minha ilustração é um tipo de aviso, o instantâneo de um futuro que sinto que seria prudente evitar."

Acabei de me tornar mãe e, desde que trouxe uma vida nova ao mundo, não consigo deixar de ver o futuro com uma sensação de ansiedade crescente. O que está reservado para a minha filha? Em que tipo de mundo ela vai crescer? Como as ações de minha geração irão impactar sua vida?

Uma das muitas coisas que me mantêm acordada de madrugada, quando não estou pensando em colorir livros ou em comida orgânica para bebês, é pensar em como nosso pequeno planeta vai alimentar as massas que não param de crescer. Penso sobre as culturas geneticamente modificadas, a escassez de terra e, claro, a situação dos polinizadores.

Minha ilustração é um tipo de aviso, o instantâneo de um futuro que sinto que seria prudente evitar. A força de trabalho da natureza já está se esgotando, e temo que quando minha filha chegar à adolescência, as abelhas tenham sido transformadas em algo completamente diferente.

No seu lugar, iremos encontrar enxames de insetos robóticos zumbindo em torno de flores geneticamente modificadas, em uma atividade que irá garantir as colheitas futuras e suas floradas. Os minúsculos drones poderiam voar de uma planta à outra em uma coleta programada de pólen. As flores de Frankenstein e as abelhas robôs parecem coisa de ficção científica, mas podem se tornar as impressões digitais de um assustador mundo novo.

Minhas ilustrações sempre foram centradas no amor a todas as coisas analógicas. Eu desenho à mão e tento capturar a beleza da natureza com uma linha vacilante e um círculo ligeiramente imperfeito. Uma inspeção mais minuciosa desse animalzinho alado revela uma criação do homem, não o esperado estudo entomológico delicado.

(Johanna Basford é uma escocesa defensora da tinta e ilustradora que criou uma coleção de livros para colorir para adultos. Seu primeiro livro, "Jardim Secreto", já vendeu mais de oito milhões de cópias em mais de 40 idiomas. Seu terceiro livro, "Lost Ocean" foi publicado em 2015. Ela trabalha e vive em Aberdeenshire, Scotland)

EUA - James Casebere

"Este é o momento existencial crítico do cidadão global e do esforço coletivo de identidades em direção a um novo desconhecido."

Minha foto remete à mítica "Mornig in America" da era Ronald Reagan nos Estados Unidos, caracterizada pelo otimismo do crescimento distorcido, da especulação imobiliária e dos mercados financeiros inflados.

As bizarras cidades dormitórios não parecem sempre planejadas — em vez disso, elas às vezes irrompem espontaneamente da terra úmida, como cogumelos, e podem ser venenosas. O que esse sonho está gerando?

Uma aglomeração na colina aguarda ansiosamente o verão escaldante. Os subúrbios, as periferias e as cidades não são todas variações de refúgio? O espírito é semelhante a uma queimadura ou uma picada planetária, o resultado de uma agitação humana no piloto automático.

A cidade dorme, mas está prestes a despertar com o zumbido de uma miríade de veículos. As formiguinhas trabalhadoras estão prestes a sair de seus buraquinhos rumo a lugar nenhum. Estão ilhadas em um formigueiro em um mundo que se afoga. Esse é o momento existencial crítico do cidadão global e do esforço coletivo de identidades em direção a um novo desconhecido.

(James Casebere é um artista visual americano que mora em Nova York e trabalha com modelos arquitetônicos criados em estúdio. Seu trabalho está em museus do mundo todo, incluindo o Museu Whitney de Arte Americana, o Museu Solomon R. Guggenheim e Museu Metropolitano de Arte em Nova York, o Centro de Arte Walker, em Minneapolis e nos museus Victoria e Albert e Tate, em Londres, entre outros. Uma retrospectiva de carreira, "James Casebere: Fugitive", com curadoria de Okwui Enwezor, vai de 12 de fevereiro até 12 de junho de 2016 na Haus der Kunst em Munique)

Catar - Christto Sanz

"Não há nenhuma linha dividindo o real do irreal."

O título "Current Obsession" (Obsessão Atual) se refere ao rápido desenvolvimento do Catar. Há uma obsessão com o futuro em Doha, que ironicamente muitas vezes é descrita como uma resposta à ideia de progresso imposta pelo "Ocidente".

A mulher na nossa obra está presa em uma simulação artificial da realidade, porém, ao mesmo tempo, é uma realidade onde sua identidade se perdeu. É um estado contraditório, revelando que não há nenhuma linha entre o real e o irreal. Ela projeta uma visão futurista — uma na qual a identidade do Catar está envolvida na narrativa de modernização e crescimento rápido da construção do país.

Ela pertence à classe de trabalhadores migrantes que compõe a quase totalidade da população do Catar; ela é um símbolo da identidade maleável do país em seu processo de desenvolvimento econômico, social e político. É um sistema que desafia as ideias ocidentais de progresso e de tempo.

A imagem representa o modo com que o tempo é distorcido: como o Catar é um lugar que evoluiu em períodos muito curtos, e onde o passado, o presente e o futuro estão todos sendo construídos simultaneamente.

(Christto Sanz, nascido em San Juan, Porto Rico, e Andrew Weir, nascido em Johanesburgo, África do Sul, formam uma dupla de artistas plásticos que vive e trabalha em Doha, Catar. Eles fazem fotografia, objetos de mídia mista e vídeos que exploram história e identidade social. Sua arte foi exposta no Oriente Médio, nos Estados Unidos, na América Central e na Europa)

Brasil - Sebastião Salgado

"Quando a atividade humana impacta até os lugares mais isolados na terra, há alguma esperança de que possamos encontrar um equilíbrio? Minha resposta é sim."

Essa foto foi tirada em 2005 em Deception Island, no extremo norte da Península Antártica. A sensação de isolamento é intensa lá. Essa colônia de pinguins de barbicha só poderia ser alcançada escalando as encostas cobertas de gelo de uma cratera para chegar ao cume a mais de 300 metros de altura.

Eu estava lá em uma expedição para o projeto "Genesis", documentando áreas intocadas do planeta. Havia dezenas de milhares desses pinguins quando estive lá, mas seus números diminuíram desde então, e em 2015 pesquisadores confirmaram a razão: os pinguins de barbicha se alimentam quase que exclusivamente de krill, e o habitat gelado onde o krill prospera está desaparecendo devido às alterações climáticas.

O aquecimento é intenso nessa área da Antártica, e enormes icebergs — com quilômetros de diâmetro — se partem em geleiras e derretem.

Quando a atividade humana impacta até os lugares mais isolados na terra, há alguma esperança de que possamos encontrar um equilíbrio? Minha resposta é sim.

Parte do projeto "Genesis" envolveu documentar a vida de alguns dos povos das áreas mais remotas do mundo — o povo San do Deserto do Kalahari, os Nenets da Sibéria. Eles são profundamente conscientes do ecossistema que os cerca porque dependem dele; eles promovem a biodiversidade e cuidam da terra como parte de seu cotidiano.

O que ficou comigo foi o sentido do quanto nossa sociedade se afastou de nossas raízes de caçadores e coletores. Passamos por uma grande migração, da sociedade agrícola para a moderna e, nesse processo, perdemos a conexão com a terra que é essencial para nossa sobrevivência.

Podemos continuar vivendo como estamos vivendo agora, mas, se quisermos evitar danos irreversíveis ao planeta, precisamos nos lembrar de nossas origens, que nos ensinaram que tudo o que fazemos tem um impacto. Precisamos aprender a cultivar a terra novamente ao estabelecer novas tradições e costumes, uma postura de guardião nas comunidades com base na ciência e na sabedoria aborígine.

Há muitas mudanças que podemos fazer na vida urbana para fomentar a biodiversidade. Tudo pode ajudar, desde garantir plantas para as abelhas famintas que passam pelas cidades até substituir as lajes dos telhados com plantações de ervas locais. Se mudarmos os pequenos rituais de nossas vidas, poderemos fazer a nossa parte.

(Sebastião Salgado, nascido em Aimorés, no estado de Minas Gerais, Brasil, é um premiado fotógrafo cujas obras, que incluem "Trabalhadores" (1993), "Migrações" (2000) e "Genesis" (2013), foram exibidas nos principais museus de arte e galerias em todo o mundo. Ele é cofundador do Instituto Terra, uma instituição dedicada ao reflorestamento, conservação e educação ambiental, que ele e sua mulher, Lelia Deluiz Wanick Salgado, criaram após terem restaurado um trecho devastado de Mata Atlântica no Brasil)