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Irlandesa tuita viagem para fazer aborto na Inglaterra em tempo real

Cathal McNaughton/Reuters
Imagem: Cathal McNaughton/Reuters

Liam Stack

25/08/2016 06h00

Duas mulheres irlandesas, que tuitaram ao vivo uma viagem à Inglaterra para que uma delas fizesse aborto, provocaram um debate no fim de semana, acentuando as restrições impostas ao procedimento em seu país natal e renovando a pressão sobre o governo para que responda aos pedidos por mudanças.

O aborto é proibido na Irlanda a menos que a mulher corra risco imediato de morte, o que leva milhares a deixaram o país a cada ano para se submeterem ao procedimento. A mulher que tuitou ao vivo sua viagem para aborto, pela conta @TwoWomenTravel (viagem de duas mulheres), foi uma delas.

viagem de irlandesas para clínica de aborto no Reino Unido - Reprodução/Twitter @TwoWomenTravel - Reprodução/Twitter @TwoWomenTravel
Viagem de irlandesas até clínica de aborto no Reino Unido
Imagem: Reprodução/Twitter @TwoWomenTravel
Acompanhada por uma amiga, ela despertou antes do amanhecer no sábado e seguiu para o Aeroporto de Dublin, para um voo às 6h30 da manhã para Manchester, Inglaterra.

"Começamos a viagem logo cedo e basicamente durou o dia todo", disse a companheira da mulher, que falou ao "New York Times" por telefone apenas sob a condição de anonimato. "Foi uma mistura igual de cansaço de viagem e cansaço de salas de espera."

A mulher que disse ter se submetido ao procedimento de aborto se recusou a ser entrevistada. O relato delas da viagem não pôde ser confirmado independentemente.

A dupla começou a tuitar a caminho do aeroporto. O primeiro tweet delas, como muitos dos que se seguiram, foi voltado ao primeiro-ministro da Irlanda, Enda Kenny, que se recusou a apoiar os pedidos por um referendo para expansão do acesso ao aborto.

"Bom dia a todos. Agradecemos por todas as mensagens de solidariedade e apoio", elas escreveram. "Graças a @EndaKennyTD estamos prestes a cair na estrada."

Kenny não respondeu publicamente à campanha das mulheres no Twitter, e seu gabinete não respondeu a um e-mail pedindo comentários. O ministro da Saúde da Irlanda, Simon Harris, entretanto, agradeceu às duas mulheres em uma postagem no Twitter e disse que elas chamaram a atenção para a "realidade que muitas enfrentam".

A conta das mulheres no Twitter atraiu mais de 26 mil seguidores desde que o primeiro tweet foi enviado na noite de sexta-feira. Mas nem todos foram de apoio. Cora Sherlock, a porta-voz da Campanha Pró-Vida da Irlanda, disse pelo Twitter que considerou a atividade das mulheres na rede social "profundamente perturbadora".

Sala de espera de clínica de aborto no Reino Unido - Reprodução/Twitter @TwoWomenTravel - Reprodução/Twitter @TwoWomenTravel
Sala de espera de clínica de aborto no Reino Unido
Imagem: Reprodução/Twitter @TwoWomenTravel
A Oitava Emenda à Constituição da Irlanda diz que uma mulher e um feto têm direito igual à vida. A medida foi aprovada em um referendo em 1983, quando o país de maioria católica era um lugar muito mais conservador.

Em consequência, o caminho dos aeroportos irlandeses aos provedores de aborto britânicos passou a ser um bastante percorrido. Pelo menos 3.451 mulheres viajaram da Irlanda para a Inglaterra ou ao País de Gales para se submeterem a aborto em 2015, segundo o Departamento de Saúde britânico. Ele disse que pelo menos 833 outras vieram da Irlanda do Norte, uma parte do Reino Unido que também restringe o acesso ao aborto.

A Associação Irlandesa de Planejamento Familiar disse que pelo menos 166.951 mulheres partiram da Irlanda para outro país à procura de aborto de 1980 a 2015. Pelo menos 165.438 delas foram ao Reino Unido.

As mulheres que tuitaram ao vivo não foram as únicas irlandesas que viajaram à Inglaterra para aborto no fim de semana. Elas disseram que foram a duas clínicas no sábado, uma em Manchester e outra a uma hora de distância, em Liverpool, porque a primeira estava lotada demais para atendê-las. Elas disseram que encontraram várias outras mulheres irlandesas em ambas as clínicas.

"Nós conversamos com elas no final do dia, porque todas nós ficamos aguardando por nossos táxis", disse a companheira. "Se você vê uma mulher sozinha em uma clínica de aborto, é grande a chance de a mulher solitária reservada ser irlandesa."

A Irlanda mudou significativamente nos últimos anos. Ela foi o primeiro país do mundo a legalizar o casamento de mesmo sexo por voto popular em 2015, e a Igreja Católica Romana perdeu seu papel antes dominante, em parte devido a uma série de escândalos de abuso sexual.

"Muitos irlandeses, especialmente as mulheres irlandesas, abandonaram a igreja", disse a companheira. "A igreja está perdendo sua força, mas o governo ainda não captou a ideia de que as mulheres precisam ser libertadas."

Nos últimos meses, o governo está sob pressão para relaxar suas leis de aborto, que a Anistia Internacional considera entre "as mais discriminatórias e punitivas do mundo".

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Em 2012, Savita Halappanavar, uma dentista de 31 anos que morava perto de Galway, morreu após supostamente lhe ter sido negado um aborto que poderia ter salvo sua vida, provocando pelo menos duas investigações e ressuscitando um debate sobre a proibição à maioria dos abortos na Irlanda.

Em junho, a Irlanda foi criticada por um painel da ONU que disse que suas políticas representam um tratamento cruel, degradante e discriminatório às mulheres. Naquele mesmo mês, ela concordou em realizar uma "consulta pública" para estudo do assunto em outubro, mas os críticos disseram que a proposta não era o bastante.

"O Estado irlandês está falhando para com as mulheres e os tweets de @TwoWomenTravel acentuam isso", disse Louise O'Reilly, uma política de oposição, por e-mail. "A questão do referendo para derrubada da 8ª Emenda precisa ser tratada diretamente."

A mulher se submeteu ao aborto no sábado e no domingo a dupla tuitou sua viagem de volta à Irlanda. Ela teve início com um lençol levemente manchado de sangue em um quarto de hotel em Manchester.

A companheira da mulher disse no domingo que estavam aliviadas com o fim da viagem, mas que consideravam errado terem precisado fazê-la.

"Aborto é algo muito difícil para qualquer mulher e dizer que viajar para outro país para fazer isso não torna mais fácil seria uma atenuação grosseira, no mínimo", ela disse.