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Para Assad, vencer a guerra na Síria pode causar novos problemas

Sírios caminham entre prédios destruídos na região de Aleppo - Abdalrhman Ismail/ Reuters
Sírios caminham entre prédios destruídos na região de Aleppo Imagem: Abdalrhman Ismail/ Reuters

Alissa J. Rubin*

Em Beirute (Líbano)

29/11/2016 15h26

Com o governo sírio fazendo grandes ganhos territoriais em Aleppo na segunda-feira (28), derrotando combatentes rebeldes e levando milhares de pessoas a fugir para salvar a vida, o presidente Bashar al Assad começa a parecer capaz de sobreviver à rebelião, mesmo na estimativa de alguns de seus mais firmes adversários.

No entanto, a vitória de Assad, caso a alcance, poderá ser digna de Pirro: ele governaria uma economia de terra-arrasada, prejudicada por uma insurgência de baixo nível sem fim à vista, segundo diplomatas e especialistas em Oriente Médio.

Enquanto as forças rebeldes em Aleppo absorviam o golpe mais duro desde que tomaram mais da metade da cidade, quatro anos atrás, moradores relataram ter visto pessoas serem mortas nas ruas enquanto procuravam abrigo freneticamente. O ataque pontuou meses de uma batalha acirrada que destruiu bairros inteiros da cidade, que já foi a maior da Síria e um importante polo industrial.

Se Aleppo cair, o governo sírio controlará as cinco maiores cidades do país e a maior parte de sua região oeste, mais populosa. Isso deixaria os rebeldes que combatem Assad apenas com a província setentrional de Idlib e alguns bolsões isolados de território nas províncias de Aleppo e Homs e em torno da capital, Damasco.

Mas analistas duvidam de que isso poria fim à uma guerra de cinco anos que conduziu 5 milhões de sírios ao exílio e matou pelo menos 250 mil pessoas.

Ryan Crocker, um diplomata veterano no Oriente Médio, inclusive no Líbano, na Síria, no Kuait e no Iraque, onde serviu como embaixador dos EUA, disse acreditar que a luta na Síria continuará durante anos, porque quando o governo Assad tomar as cidades os insurgentes se esconderão no campo.

"A guerra civil no Líbano é uma comparação válida", disse ele. "Ela foi longa, quente e maligna e levou 15 anos para terminar, e isso porque os sírios entraram no Líbano e a detiveram."

Ele acrescentou: "Na Síria, temos apenas cinco anos de luta, e não há uma Síria para vir encerrá-la".

Pouco mais de um ano atrás, tal resultado era virtualmente impensável. A ideia era que mesmo que Assad prevalecesse ele teria cruzado tantas linhas proibidas que seria tóxico demais para permanecer no poder.

Desde o uso das chamadas bombas de fragmentos ao de armas químicas em áreas civis a fazer negócios com o Estado Islâmico de vez em quando ao comprar seu petróleo, Assad infringiu tantas normas internacionais que se esperava que ele fosse obrigado a sair sob pressão internacional, abrindo caminho para um novo governo que teria um pouco menos de sangue nas mãos.

Mas reforçado pelo poder aéreo russo, a expertise iraniana e recrutas que incluem milícias afegãs e iraquianas treinadas pelo Irã e combatentes do grupo militante libanês Hizbollah, o governo Assad reverteu a maré, constantemente recuperando o terreno que perdeu no início da guerra.

"A intervenção russa e iraniana mudou completamente a dinâmica para Assad", disse Robert S. Ford, um ex-embaixador americano na Síria e hoje membro sênior do Instituto do Oriente Médio.

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"Veja o combate em Aleppo", disse ele. "Há pelo menos tantos combatentes libaneses do Hizbollah e milícias do Iraque e do Irã quanto soldados sírios, por isso a guerra de atrito que havia contra Assad não está mais acontecendo por causa do poder militar iraniano."

Mas o lado mais sombrio é que tipo de país restará no fim. "Então Assad fica lá e os russos e iranianos prevalecem, mas eles governam um cadáver semimorto, e a Síria é apenas uma ferida aberta que se estende até onde a vista alcança", disse Ford.

Assad também ficaria endividado a seus dois patrocinadores, Rússia e Irã, condenado por muitos de seus concidadãos no país de maioria sunita e rejeitado por algumas das principais potências sunitas do Oriente Médio. Isso poderia significar que ele enfrentaria esforços do Irã para solidificar seu alcance regional expandindo a influência xiita na Síria e exigindo um papel nas áreas conquistadas como Aleppo, talvez até mobilizando para lá milícias xiitas apoiadas pelo Irã, na opinião de alguns especialistas.

Mas ele está em ascensão hoje, de maneira limitada. Os rebeldes não têm ajuda militar consistente --especialmente com o futuro governo do presidente Donald Trump manifestando dúvidas sobre o atual nível de apoio americano a eles-- e estão divididos entre um enorme leque de grupos, incluindo aspirantes da Al Qaeda e separatistas curdos. Eles testemunharam um declínio não apenas em combatentes, mas em apoio comunitário, sempre um fator crítico para movimentos de guerrilha.

Quando a Rússia entrou no conflito sírio, no ano passado, a equipe de segurança do presidente Barack Obama previu que ela ficaria atolada em um pesadelo. Mas aconteceu quase o oposto: a Rússia hoje parece forte e, juntamente com o Irã, deu ao governo sírio os recursos de que precisava para o avanço militar.

Ao mesmo tempo, Washington está pagando um preço estratégico por sua decisão de não se envolver, disse Emile Hokayem, um membro sênior do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos no escritório em Bahrein.

"Putin parece duro e perigoso, enquanto os EUA parecem incompetentes e incapazes de manter seu compromisso, e essa é uma grande vitória, porque há muitos países na região que estão reavaliando suas relações", disse Hokayem. "Hoje a Rússia é uma potência relativamente mais fraca que os EUA, mas com Trump não há expectativa de que os EUA servirão como garantia de segurança regional, por isso a Rússia é um parceiro muito atraente."

Gradualmente, Assad desgastou seus mais decididos adversários.

Os atores regionais que se opõem a Assad --Turquia, Arábia Saudita e os países do golfo Pérsico-- têm limites a seu apoio aos rebeldes.

Em particular, a Turquia, que antes fazia vista grossa ao trânsito do EI em suas fronteiras, recentemente adotou o combate ao grupo extremista e fez disso sua principal missão, mais que combater Assad. Em grande parte, a motivação da Turquia para colocar suas tropas na Síria foi garantir que os curdos, seu principal inimigo, não controlem mais território na fronteira turca.

Os europeus, antes adversários inclementes de Assad, mantiveram-se de modo geral silenciosos enquanto ele aniquilava Aleppo. Mas essa vitória também tem um preço, segundo analistas.

Principalmente, a Europa continental apenas quer que a guerra pare para conter o fluxo de refugiados que tentam cruzar suas fronteiras.

Na Alemanha, o país economicamente mais forte da região e aquele que aceitou de longe o maior número de refugiados, "Angela Merkel está apenas esperando", disse Crocker, que esteve recentemente em Berlim, referindo-se à chanceler alemã.

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"Ou os EUA lideram ou ninguém lidera", disse ele. "Merkel não pode fazer isso."

Mas a vitória de Assad poderia colocar a Europa diante de uma escolha de Hobson: ajudar a pagar pela reconstrução da Síria ou enfrentar a continuação do fluxo de refugiados. Sem ajuda econômica, haverá pouco para manter a população na Síria, especialmente se a insurgência continuar, como preveem os analistas.

Além da Europa, é difícil ver onde Assad poderia captar os fundos necessários para reconstruir seu país devastado.

Isso poderá deixar a Síria em um estado prolongado de guerra e pobreza. "Onde está o financiamento para a reconstrução? Não acho que a Rússia e o Irã possam pagar por ela, e não acho que a China o fará", disse Ford. "Eles precisam de centenas de bilhões de dólares."

É improvável que o Congresso americano contribua, ou as instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), onde os adversários de Assad como os EUA e a Arábia Saudita têm considerável influência.

Também é improvável que os EUA façam um novo esforço na Síria. Obama sempre resistiu ao envolvimento na guerra civil, concentrando-se em derrotar o EI e dando treinamento limitado e apoio aos rebeldes contrários a Assad. Trump deverá continuar concentrado no EI e manifestou pouco interesse por manter o apoio aos rebeldes.

Enquanto isso, o governo Assad parece estar agindo metodicamente para destruir as posições rebeldes que restam em torno de Homs, Damasco e Aleppo.

As palavras desesperadas usadas por ativistas políticos, civis e combatentes entrevistados no WhatsApp, o serviço de mensagens telefônicas, do interior de lugares que estão sendo bombardeados repetidamente, sugerem que a resistência rebelde pode estar perto do limite, especialmente em Aleppo.

Um ativista rebelde na cidade, Hisham, que não quis dar seu nome completo por temer represálias do governo, disse no fim de semana que os grupos rebeldes se reúnem constantemente para discutir opções, a maioria envolvendo acordos com o governo sírio para tentar obter ajuda para os civis no leste de Aleppo, que estão desesperados à espera de alimentos, combustível e água potável.

Os rebeldes têm um dilema: continuar lutando e deixar as pessoas morrerem de fome ou pelos bombardeios, ou concordar em depor as armas, para que o governo sírio, as milícias iranianas e os militares russos permitam a passagem de comboios de ajuda. Mas se o fizerem terão cedido terreno ao governo sírio.

"Não é fácil decidir o que fazer: se recusarmos, significa que a decisão é executar 300 mil pessoas, e se concordarmos em transformar a revolução em ajuda e levantar o sítio...." A voz de Hisham se perdeu.

*Colaboraram na reportagem Anne Barnard e Hwaida Saad.