Ao usar arma de destruição em massa em aeroporto, Pyongyang mostra que atacará inimigos em qualquer lugar
Por anos, a Coreia do Norte agitou o mundo com seus testes nucleares e suas ameaças de causar um holocausto nuclear nos Estados Unidos. Agora, a conclusão pela polícia malaia de que Kim Jong-nam foi assassinado com uma arma química VX traz à tona as armas de destruição em massa menos conhecidas da Coreia do Norte: um estoque de armas químicas e biológicas.
Kim Jong-nam, o irmão mais velho distanciado do líder norte-coreano, Kim Jong-un, foi morto em 13 de fevereiro por duas mulheres que esfregaram a arma química em seu rosto, no Aeroporto Internacional de Kuala Lumpur, disse a polícia na sexta-feira.
Se cidadãos norte-coreanos estiverem de fato por trás do assassinato, como sugerem as autoridades malaias, o uso do VX levanta várias perguntas: teria o governo da Coreia do Norte usado o ataque para sinalizar ao mundo seu temível arsenal dessas armas perigosas? Ou a toxina foi apenas uma tentativa de evitar detecção, ao realizar o assassinato ousado em um dos aeroportos mais movimentados do mundo?
"Com o uso do VX em um aeroporto internacional no coração da Ásia, a Coreia do Norte enviou uma mensagem muito clara ao mundo de que atacará seus inimigos em qualquer lugar", disse Rohan Gunaratna, um especialista em terrorismo da Escola S. Rajaratnam de Estudos Internacionais, em Singapura. "Também demonstra a resposta norte-coreana em caso de um ataque."
"O uso relatado do VX nos faz recordar de que não apenas a ameaça de mísseis nucleares da Coreia do Norte é séria, mas também suas ameaças assimétricas, incluindo armas biológicas e cibernéticas que fazem parte do kit de armas de destruição em massa do regime", disse Duyeon Kim, um membro não residente, baseado em Seul, do Instituto para o Estudo da Diplomacia da Universidade de Georgetown.
O Ministério das Relações Exteriores da Coreia do Sul emitiu uma declaração na sexta-feira expressando "choque" pelo uso de uma arma química e prometendo trabalhar com a sociedade internacional para lidar "fortemente" com a violação da Convenção de Armas Químicas.
O uso mortal de uma arma química proibida pelas convenções internacionais, de forma tão pública, poderia reforçar os pedidos pelos Estados Unidos para colocação da Coreia do Norte de volta a uma lista de países que patrocinam o terrorismo, disseram analistas.
A Coreia do Norte foi colocada na lista de terrorismo após seu atentado a bomba contra um avião de passageiros sul-coreano perto de Mianmar, em 1987, que matou todas os 115 ocupantes.
Mas os Estados Unidos retiraram o país da lista em 2008, como parte de um acordo visando encerrar os programas de armas nucleares norte-coreanos, um acordo que de lá para cá desintegrou com os subsequentes testes de mísseis e armas nucleares pela Coreia do Norte.
Após seu anúncio de que Kim Jong-nam foi morto pela arma química VX, Khalid Abu Bakar, o inspetor-geral da polícia malasiana, disse na sexta-feira que pequenas quantidades do veneno poderiam ter sido trazidas para o país sem serem descobertas.
"Se a quantidade trazida do produto químico for pequena, seria difícil para nós detectá-la", Khalid disse aos repórteres.
O terminal do aeroporto, que recebe mais de 2 milhões de passageiros por mês, será descontaminado apesar do tempo que já se passou desde a morte, ele disse.
Duas mulheres foram presas pelo assassinato, uma da Indonésia e outra do Vietnã. Seus advogados disseram que elas foram enganadas a realizar o ataque e achavam que se tratava de uma brincadeira, mas Khalid disse que elas treinaram para o ataque e o praticaram em dois grandes shopping centers. As mulheres usaram as mãos nuas para aplicar o veneno no rosto de Kim e as lavaram imediatamente depois, ele disse.
Uma gota de VX, ou cerca de 10 miligramas, pode ser fatal. Mas as assassinas podem ter usado uma forma mais segura da arma química para uso em campo de batalha. Conhecido como VX2, ele é dividido em dois compostos que individualmente são inofensivos, mas se tornam letais quando misturados.
Cada componente também pode ser feito em uma forma de liberação lenta, como ocorre com muitos medicamentos.
Se as duas assassinas de Kim aplicaram cada uma um componente do VX, isso explicaria por que duas assassinas eram necessárias, como sobreviveram ao ataque e, talvez, por que levou 15 minutos ou mais para que Kim morresse.
"O uso de uma arma química binária implica nesse método e permite um alvo específico", disse Vipin Narang, um professor associado de ciência política do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que tem dois diplomas em engenharia química.
A mulher que aplicou o segundo componente corria o risco de se expor ao primeiro componente, o que explicaria por que, como Khalid disse na sexta-feira, uma das mulheres adoeceu e começou a vomitar após o ataque.
Esse cenário levanta a possibilidade de que Kim Jong-nam poderia ter salvo sua própria vida caso tivesse lavado imediatamente seu rosto, em vez de procurar funcionários do aeroporto, como fez, para informar o ataque.
Narang disse que ficou claro que a Coreia do Norte queria que o Ocidente soubesse do que é capaz, mas sem causar vítimas em massa.
"Eles queriam que todos, especialmente os Estados Unidos, soubessem que foi VX e que podem produzi-lo ou tê-lo", ele disse. "Fazê-lo de forma pública, mas não matando mais ninguém, é uma boa forma de revelar essa capacidade e esse dissuasor."
Em 2014, o Ministério da Defesa sul-coreano disse que a Coreia do Norte contava com um estoque de 2.500 a 5.000 toneladas de armas químicas e tinha capacidade de produzir uma série de armas biológicas.
Kim Jong-Un tem um histórico de recorrer a medidas extremas contra seus inimigos. Desde que assumiu o poder após a morte de seu pai, Kim Jong-il, em 2011, ele executou pelo menos 140 altos oficiais, às vezes os matando com armamento antiaéreo e até mesmo incinerando alguns de seus corpos com lança-chamas, segundo o Instituto para Estratégia de Segurança Nacional, um centro de estudos afiliado ao Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul. Essas medidas visam ser um alerta aos outros, disseram autoridades sul-coreanas.
Lee Byong-chul, um especialista em não-proliferação do Instituto para a Paz e Cooperação em Seul, disse que o uso da arma química VX acentua a ameaça de proliferação representada pela Coreia do Norte, notando que ela já foi acusada de fornecer tecnologia de armas químicas à Síria desde os anos 1990.
Cargas de máscaras de gás, detectores de gás e outros equipamentos de proteção com destino à Síria, enviadas pela Coreia do Norte, foram interceptadas em 2009 e 2013.
Se confirmado, o uso do VX pela Coreia do Norte provavelmente reduziria o interesse do governo Trump na reabertura das negociações para desarmamento nuclear, especialmente após o recente teste do que chamou de novo tipo de míssil balístico de alcance intermediário.
A China tem sido a principal defensora de novas negociações, mas suas relações com a Coreia do Norte deterioraram acentuadamente. Pyongyang criticou Pequim nesta semana de "dançar conforme a música dos Estados Unidos".
Steve Vickers, um consultor de segurança baseado em Hong Kong, disse que o assassinato de Kim Jong-nam será visto como um insulto ainda maior à China, que o protegeu por anos, ao permitir que vivesse no território chinês de Macau.
"Isto é claramente um embaraço para a segurança do Estado chinês e em menor grau para o governo malaio", ele disse.
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