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Análise: Casa Branca avalia estratégia da Guerra Fria contra a Coreia do Norte

Multidão acompanha programa de TV informando sobre o lançamento do míssil norte-coreano - Kim Hong-Ji/Reuters
Multidão acompanha programa de TV informando sobre o lançamento do míssil norte-coreano Imagem: Kim Hong-Ji/Reuters

David E. Sanger

Em Washington

30/11/2017 16h10

Quando o secretário de Defesa dos EUA, Jim Mattis, declarou na terça-feira que a Coreia do Norte agora tinha capacidade de "ameaçar o mundo inteiro, basicamente", com mísseis, ele se referiu a um antigo debate que corre dentro do governo americano: será que a mesma estratégia que funcionou contra a União Soviética, de destruição mútua assegurada, também pode funcionar contra um adversário muito menor?

A resposta é: sim, claro que pode, se o problema for definido como impedir que Pyongyang lance um ataque surpresa contra o território continental dos Estados Unidos. Ou não: provavelmente não pode, se o problema de conter a Coreia do Norte for mais complexo do que simplesmente proteger Los Angeles e Washington.

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E com a Coreia do Norte, como mostrou repetidamente a difícil experiência dos últimos 70 anos, quase tudo é mais complexo.

Não existe nenhum sinal de que Kim Jong-un, atual líder da Coreia do Norte, ou de que seu pai ou avô tenham algum dia contemplado um conflito nuclear direto com os Estados Unidos. Dependendo das estimativas, a Coreia do Norte pode ter de 20 a 60 armas nucleares; já os Estados Unidos têm mais de 1.500 atualmente instaladas, e outras milhares armazenadas. Seria um caso, como colocou um estrategista militar sênior americano algumas semanas atrás, de suicídio assistido.

Mas isso está longe de significar que armas nucleares sejam inúteis para o líder de 33 anos, que deixou claro que tem metas ambiciosas para como ele faria uso do poder conferido por um alcance nuclear global. Se os líderes anteriores da Coreia do Norte estavam interessados basicamente em uma estratégia de sobrevivência —e viam um pequeno arsenal nuclear como a melhor garantia do país— Kim parece ter ambições muito maiores.

A Coreia do Sul pode ter toda a tecnologia e o dinheiro, mas o Norte tem uma pureza de propósito, na mente de Kim, que afinal lhe dará controle de toda a península coreana. E Kim acredita que com isso virá o respeito de potências muito maiores que há décadas esperam para que o Norte seja varrido pelas forças da história.

Essa meta só funcionaria se um presidente americano —o presidente Donald Trump ou seus sucessores— contemplasse colocar Chicago em risco para salvar Seul. Alguns que o observam mais de perto especulam que parte da ideia de Kim seja semear dúvidas na Ásia de se os Estados Unidos realmente ajudariam seus aliados— e rachar a aliança que se formou contra a Coreia do Norte por 70 anos.

"Kim está determinado a ser um 'Grande Líder' por mérito próprio", disse Han Sung-joo, um ex-ministro sul-coreano das Relações Exteriores, que ainda carrega estilhaços que o atingiram na infância, quando sua família escapava das forças da Coreia do Norte durante a Guerra da Coreia. "E para isso", disse Han no começo deste mês, "ele precisa realizar algo que nem seu avô nem seu pai fizeram: construir um míssil intercontinental que consiga atingir qualquer parte dos Estados Unidos".

No verão deste ano, a gestão Trump declarou abertamente que se Kim conseguisse atingir esse objetivo, uma dissuasão convencional não seria suficiente. Em uma série de declarações públicas, o assessor de segurança nacional de Trump, o tenente-general H. R. McMaster, disse que os métodos que funcionaram de forma tão eficiente na Guerra Fria não se aplicariam no caso da Coreia do Norte.

Não ficou claro se os comentários de McMaster tinham a intenção de sinalizar uma verdadeira disposição de entrar em guerra, ou se ele estava simplesmente tentando fazer os norte-coreanos —e os chineses— acreditarem que Trump, diferentemente de seus antecessores, estava perfeitamente disposto a procurar uma solução militar para o problema. Nos últimos meses, McMaster não repetiu essas frases, talvez na esperança de que uma calmaria nos testes com mísseis da Coreia do Norte pudesse oferecer uma abertura diplomática.

Essa esperança sumiu com o mais recente e mais impressionante teste norte-coreano. O míssil balístico disparado chegou a uma altitude de cerca de 4,5 mil km, antes de cair no Mar do Japão; o intuito era demonstrar que o Norte agora tinha capacidade de alcançar qualquer parte dos Estados Unidos. Não está claro se Pyongyang realmente consegue, ou se conseguiria fazer com que uma ogiva nuclear suportasse o calor da reentrada na atmosfera —a verdadeira dificuldade no lançamento de mísseis nucleares.

Mas uma coisa é certa: claramente, nenhuma ameaça que Washington e Pequim tenham emitido nos últimos meses —sanções e ameaça de corte no fornecimento de petróleo— dissuadiu Kim. Agora ele está apostando que conseguirá completar seu projeto —resolvendo os últimos detalhes técnicos— antes que os Estados Unidos, seus aliados e a China consigam chegar a um acordo sobre uma resposta unificada.

Até o momento essa aposta se mostrou correta. O presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, declarou que nunca mais deverá haver outra guerra na península coreana, e sugeriu que ele tem o poder de veto sobre qualquer decisão americana de uso de força. (A gestão Trump diz que os sul-coreanos, embora sejam aliados próximos, não têm esse poder de veto.) O Japão teve um discurso mais duro, mas está há anos dentro do alcance das armas nucleares norte-coreanas —e até hoje viveu com isso, convencendo-se de que o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos o protegeria.

É claro, ninguém do governo americano está preparado para admitir que os Estados Unidos estão dispostos, ainda que lamentavelmente, a contar com a dissuasão convencional e viver com uma capacidade nuclear norte-coreana que também consiga alcançar o litoral americano. Afinal, uma sucessão de presidentes americanos, desde Bill Clinton até George W. Bush, passando por Barack Obama, disseram todos que isso seria intolerável.

Mas esse claramente parece ser o caminho que os Estados Unidos estão seguindo. Embora o secretário de Estado Rex W. Tillerson tenha dito em Pequim, no final de setembro, que abriu várias linhas de comunicação para a liderança norte-coreana, ele não deixou claro qual poderia ser o objetivo de qualquer conversa que fosse com Pyongyang. Seus assessores admitem que conseguir com que a Coreia do Norte se desarme completamente é quase impossível —e que o Norte se recusa a ter qualquer conversa que envolva abrir mão de seu arsenal.