Maior jornal dos EUA, NYT diz que "eleitores escolhem populista no Brasil"
O Brasil se tornou no domingo (28) o último país a derivar para a extrema-direita, ao eleger como presidente um populista assumido, na mudança política mais radical do país desde que a democracia foi restaurada, há mais de 30 anos.
O novo presidente, Jair Bolsonaro (PSL), exaltou a ditadura militar do país, defendeu a tortura e ameaçou destruir, prender ou exilar seus adversários políticos.
Ele venceu aproveitando o profundo ressentimento contra a situação vigente no Brasil, um país assolado pela criminalidade e por dois anos de turbilhão econômico e político, e apresentando-se como a alternativa.
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"Temos tudo de que precisamos para ser um grande país", disse Bolsonaro no domingo (28) à noite, pouco depois de terminar a votação, em um vídeo divulgado em sua página no Facebook. "Juntos vamos mudar o destino do Brasil."
Ele pareceu ansioso para afastar as preocupações de que faria um governo despótico, dizendo que será um "defensor da Constituição, da democracia e da liberdade".
Bolsonaro, que assumirá o comando do maior país da América Latina, está mais à direita que qualquer outro presidente da região, onde os eleitores adotaram recentemente líderes mais conservadores na Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru. Ele se junta a diversos políticos de extrema-direita que chegaram ao poder em todo o mundo, incluindo o vice primeiro-ministro da Itália, Matteo Salvini, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban.
"É uma mudança realmente radical", disse Scott Mainwaring, professor na Escola de Governança Kennedy na Universidade de Harvard e especialista em Brasil. "Não posso pensar em um líder mais extremista que foi eleito na história das eleições democráticas na América Latina."
Com 98% dos votos contados, Bolsonaro estava à frente com 55%, garantindo a vitória contra Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, de esquerda, que tinha 45%.
Centenas de apoiadores se reuniram diante da casa de Bolsonaro no Rio de Janeiro, abraçando-se quando os resultados eram anunciados. Enquanto fogos de artifício dourados iluminavam o céu, eles entoavam "mito", prestando homenagem ao presidente-eleito.
Abalado pela mais profunda recessão na história do país, um escândalo de corrupção que manchou políticos de todo o espectro ideológico e um número recorde de homicídios no ano passado, os brasileiros escolheram um candidato que não apenas rejeitou o establishment político, como às vezes parecia rejeitar os mais básicos preceitos democráticos.
A vitória de Bolsonaro culmina uma dura disputa que dividiu famílias, arrasou amizades e acendeu preocupações sobre a resiliência da jovem democracia brasileira.
Muitos brasileiros veem tendências autoritárias em Bolsonaro, que pretende nomear líderes militares para altos cargos e disse que não aceitaria o resultado caso perdesse. Ele ameaçou influenciar o Supremo Tribunal Federal aumentando o número de juízes de 11 para 21 e lidar com inimigos políticos dando-lhes a opção do extermínio ou o exílio.
Um ex-capitão do Exército que foi deputado por quase três décadas, Bolsonaro, 63, superou um campo cheio de adversários presidenciais, vários dos quais entraram na corrida com mais cacife, menos bagagem e o apoio de poderosos partidos políticos.
Bolsonaro disse que o presidente Donald Trump lhe telefonou para cumprimentá-lo, chamando isso de "um contato obviamente muito amigável".
Parte do motivo de sua vitória foi o colapso da esquerda. Muitos denunciaram injustiça quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por muito tempo o primeiro colocado na disputa, foi declarado inelegível depois que foi preso em abril, condenado a uma sentença de 12 anos por corrupção e lavagem de dinheiro.
Seu Partido dos Trabalhadores (PT) ganhou as quatro eleições presidenciais anteriores, e Lula, ex-operário metalúrgico, manteve um eleitorado devoto entre os brasileiros pobres e da classe trabalhadora que se sentiam representados por ele pessoalmente e se beneficiaram das políticas de inclusão social de seu partido.
Mas um número muito maior de brasileiros mostrou por meio dos votos que estavam cansados do PT, que conduziu o país de 2003 a 2016 por um ciclo de sucesso e derrocada que terminou em um pântano econômico no impeachment da sucessora de Lula, a presidente Dilma Rousseff.
Apesar de sua influência, Lula não conseguiu efetuar a transferência de votos na última hora para o candidato escolhido para substituí-lo na votação, o instruído e urbano, mas menos carismático, Haddad.
Para os brasileiros que consideravam venal o meio político que herdaram do PT, Bolsonaro era um candidato atraente.
Ele realizou pouco em sua longa carreira legislativa, mas sua lista de comentários ofensivos --disse que preferia que seu filho morresse a que fosse gay, e que as mulheres não merecem pagamento igual ao dos homens-- foi interpretada por muitos como uma combinação de honestidade com evidência de sua disposição a quebrar a situação vigente.
"O modo como ele dirige sua campanha é muito inteligente", disse Matias Spektor, professor de relações internacionais na universidade Fundação Getulio Vargas. "Ele conseguiu se alinhar com as instituições em que os brasileiros ainda acreditam: religião, família e Forças Armadas."
Patriarca de uma família do Rio de Janeiro que inclui três filhos também legisladores, Bolsonaro conduziu uma campanha insurgente, desafiando o manual de política que levou seus antecessores ao poder.
Um ano atrás, a aposta de Bolsonaro foi amplamente considerada por veteranos políticos em Brasília como fantasiosa, em um país renomado pela cordialidade e o calor de seu povo. Alguns comentários do candidato eram tão ofensivos que o ministro da Justiça este ano o acusou de incitar o ódio contra negros, gays e indígenas. Em um país onde a maioria da população não é branca, só isso já parecia suficiente para desqualificá-lo.
Mas as críticas e a indignação que Bolsonaro trouxe à campanha enquanto percorria o país refletiram amplamente o clima distópico dos brasileiros.
Quase 13 milhões de pessoas estão desempregadas. O índice de homicídios é um dos mais altos do mundo. No ano passado, 63.880 pessoas foram assassinadas. E Lula, o ex-presidente que muitos idolatravam, deixou o cargo com um índice de aprovação de 87%, para se tornar a baixa mais proeminente feita por um escândalo de corrupção que envolveu dezenas de líderes políticos e empresariais do país.
Parte da atração de Bolsonaro está nas soluções radicais que ele propôs para atenuar a raiva e o medo de violência da população.
Ele prometeu dar às forças policiais do Brasil, que estão entre as mais letais do mundo, autoridade expandida para matar suspeitos de criminosos, dizendo com sua crueza marca-registrada que "um bom criminoso é um criminoso morto". Ele também prometeu reduzir a idade da responsabilidade criminal, impor sentenças mais duras para crimes violentos e reduzir as restrições de posse de armas para que os civis possam se proteger melhor.
"A violência deve ser reduzida porque senão vamos rumar para o caos total", disse Roberto Levi, 36, um policial do Rio de Janeiro que votou em Bolsonaro.
Nos últimos dois anos, enquanto muitos partidos políticos tradicionais do Brasil e poderosos magnatas se defendiam das denúncias de corrupção derivadas da investigação chamada Lava-Jato, Bolsonaro voava pelo país arrebanhando apoios, especialmente entre homens jovens e em partes comparativamente mais ricas e brancas do país.
Enquanto os adversários gastavam pequenas fortunas com firmas de marketing, editores de vídeo e consultores, Bolsonaro contava basicamente com o Facebook, Twitter, YouTube e WhatsApp para se comunicar com os eleitores e expandir sua base.
Os adversários tiveram muito mais tempo de publicidade na televisão e no rádio. distribuído conforme o tamanho do partido, e usaram material de campanha bem editado. Mas a campanha de Bolsonaro os afogou com uma estratégia de comunicação simples e direta. Ele e seus filhos transmitiram vídeos trêmulos e mal iluminados no Facebook e no Instagram em que Bolsonaro contava piadas, atacava adversários e lamentava a situação do Brasil.
No WhatsApp, apoiadores criaram centenas de grupos para compartilhar memes, vídeos e mensagens que muitas vezes continham mentiras e conteúdo enganoso, projetando Bolsonaro sob uma luz positiva e criticando seus rivais.
Uma mensagem dominante, amplamente disseminada via WhatsApp, afirmava sem evidências que os adversários de Bolsonaro incentivavam escolares a se tornarem gays ou a reavaliar sua identidade de gênero empregando material de educação sexual chamado de "kit gay".
"Eu gosto do que Bolsonaro representa", disse a arquiteta Cintia Puerta, 55, de São Paulo, após votar no domingo. "Minha irmã trabalha em uma escola, por isso eu sei que estão dando 'kits gays' às crianças, ensinando-lhes sobre sexualidade aos 5 e 6 anos. Estão doutrinando as crianças na escola."
A ambição presidencial de Bolsonaro quase terminou em 6 de setembro, quando um homem enfiou uma faca em seu estômago durante um comício de campanha, cortando vários de seus órgãos e intestino.
Depois disso, Bolsonaro não quis participar de debates e deu poucas entrevistas extensas, deixando lacunas importantes na compreensão de sua posição pelo eleitorado sobre temas vitais, como a reforma das aposentadorias e a privatização das companhias estatais.
Depois do ataque, a posição de Bolsonaro nas pesquisas subiu constantemente, após permanecer na faixa dos 20 e poucos durante semanas. Apoios de último minuto do influente lobby evangélico e de líderes do agronegócio lhe deram um empurrão.
Depois do primeiro turno da votação, em que Bolsonaro recebeu pouco menos dos 50% necessários para vencer, alguns analistas políticos esperavam que ele moderasse sua retórica para atrair eleitores de centro ou indecisos.
Enganaram-se.
No último domingo (21), ele fez uma ameaça aos membros do Partido dos Trabalhadores que os críticos consideraram totalmente fascista.
"Os marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria", disse ele durante um discurso, transmitido por vídeo, para milhares de seguidores em São Paulo. "Será uma faxina muito mais ampla".
Para o PT, a derrota eleitoral deixa significativamente mais fraco e efetivamente sem líder um movimento político que ganhou a aprovação de grande parte da população pela ação afirmativa e as políticas de redução de desigualdade.
Luminares do partido esperavam que o ex-presidente Lula, um leão da esquerda latino-americana, voltasse ao palácio presidencial. Mesmo depois que Lula foi preso, líderes do partido diziam que "uma eleição sem Lula é uma fraude".
Quando os tribunais deixaram claro que Lula não poderia disputar, o PT nomeou Haddad, ex-ministro da Educação e prefeito de São Paulo. O slogan da campanha era "Haddad é Lula".
Durante a campanha, Haddad visitou Lula na prisão diversas vezes, e pouco fez para assumir a responsabilidade pelos erros do partido. A falta de sintonia levou muitos brasileiros hesitantes para Bolsonaro, segundo Mainwaring, o professor de Harvard.
"A estratégia do PT se concentrou muito em torno de Lula e pouco em pensar no futuro do país e em vencer a eleição", disse ele. "Uma parte importante do eleitorado teria votado no PT se ele tivesse traçado uma linha e renunciado à corrupção do passado."
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