Bolsonaro terá de provar para opinião pública mundial que não é radical, dizem brasilianistas
No último domingo (28), o Brasil elegeu para presidente um político que, nas últimas semanas, suscitou críticas por parte da maioria dos jornais e revistas internacionais.
E se por um lado a ampla votação que Jair Bolsonaro (PSL) recebeu o legitima à frente do maior país da América Latina, a repercussão mundial de suas declarações polêmicas vai impor, uma vez no governo, um desafio ao novo presidente do Brasil: construir lá fora uma imagem de respeito e razoabilidade, segundo avaliação de oito brasilianistas ouvidos pelo UOL.
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Acadêmicos de diferentes formações (incluindo ciência política e economia, por exemplo), os brasilianistas se dedicam a estudar o Brasil do ponto de vista estrangeiro. Para profissionais que trabalham nos Estados Unidos e no Reino Unido consultados pela reportagem, a imagem do país sai arranhada dessa campanha.
Muitos líderes mundiais irão considerar horroroso ter de se sentar na mesma sala que Bolsonaro. E não apenas por desgostar do estilo, mas por genuinamente rejeitarem os ‘valores’ que ele incorpora
Barbara Weinstein, professora de história do Brasil na New York University e autora de três livros sobre o país
No plano econômico, o cenário pode ser melhor.
Wall Street pode ter uma percepção diferente, se ele implementar políticas que abram o mercado para os investidores
Victoria Murillo, professora de ciência política e relações internacionais da Columbia University
Com ou sem reformas econômicas, porém, Bolsonaro terá de desconstruir a fama de "radical" que ganhou no mundo. Se falhar, corre o risco de isolar o Brasil no plano internacional --algo indesejado para setores como comércio, turismo, ciência e cultura.
Com as devidas ressalvas, é o que aconteceu, nas últimas semanas, com a Arábia Saudita. Antes badalada pelos investidores, o reino agora é malvisto devido ao assassinato e esquartejamento de jornalista crítico ao governo.
Reputação manchada
À medida que se confirmava o favoritismo de Bolsonaro nas pesquisas, cresceu o interesse dos jornais internacionais pelo então candidato. Com a exceção do Financial Times, que fez duas reportagens relativizando as declarações polêmicas, a maioria dos meios de comunicação abordou Bolsonaro de maneira negativa --aspecto visto no New York Times, Guardian, Le Monde e El País.
“O Brasil, que sempre foi visto como tolerante, agora vai ser entendido como um país que escolheu um neofascista para Presidência”, diz James Green, professor de história do Brasil da Brown University, nos Estados Unidos. “Eu sou historiador, tomo muito cuidado com as palavras que escolho e posso dizer que ali estão identificadas características fascistas. E as pessoas acompanham isso", disse.
Rebecca Atencio, professora do Departamento de Espanhol e Português da Tulane University, nos Estados Unidos, diz que, de maneira geral, o Brasil era visto como um país livre.
“Essa é uma das razões por que as pessoas de fora estão chocadas com a retórica misógina, homofóbica, supremacista branca e pró-ditatorial de Bolsonaro: não bate com a imagem positiva que elas têm do Brasil”, diz Atencio.
E essa imagem polêmica de Bolsonaro pode, no futuro imediato, se traduzir em obstáculos na relação com outros países.
“Ele terá uma recepção fria de Angela Merkel [chanceler alemã], que tem suas próprias preocupações com a extrema-direita. O mesmo serve para Theresa May [primeira-ministra britânica], que o veria como um interlocutor fraco”, afirma Tom Long, professor de relações internacionais da Universidade de Warwick, no Reino Unido.
“Os governos de direita de Argentina, Colômbia e Chile seriam aliados naturais de Bolsonaro, mas sua propensão a declarações extremas o torna uma forma de responsabilidade política para esses líderes internamente”, argumenta o estudioso.
“Ele pode ser recebido mais amigavelmente pelo governo italiano, que compartilha algumas de suas visões extremas, mas não deve ajudá-lo muito”, diz Long.
Clube da direita
Ainda não se sabe quem será o chanceler do governo Bolsonaro. Mas sua chegada ao poder tem o potencial de alterar o círculo de relacionamento do Brasil.
"Trump pode abraçá-lo como faz com qualquer ditador ou líder autoritário, mas Bolsonaro poderá afastar o Brasil de governos progressistas”, diz Green.
“Mas o que isso pode significar na prática para a relação Brasil-Estados Unidos, ninguém pode adivinhar”, ressalta Atencio.
Weinstein aponta que, na Europa, o capitão reformado deverá se dar melhor com os governos de direita, como o italiano, o húngaro, o polonês e o russo, além de uma ou outra parceria improvável.
“Ironicamente, dados os tons fascistas da sua campanha, o governo [Benjamin] Netanyahu talvez veja [Bolsonaro] como uma chance de melhorar as relações Brasil-Israel.”
“As negociações entre União Europeia e Mercosul, que se arrastam há 20 anos, não devem ser bem-sucedidas, o que, por outro lado, pode abrir uma janela para negociações entre Reino Unido e Mercosul”, afirma Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King’s College London, na Inglaterra.
Um dos primeiros políticos a parabenizar Bolsonaro foi o ministro do Interior e vice-premiê italiano, Matteo Salvini, de extrema direita. "No Brasil, os cidadãos também mandaram a esquerda para a casa! Bom trabalho ao presidente Bolsonaro. A amizade entre nossos povos e nossos governos será ainda mais forte", escreveu Salvini no Twitter.
Não é Trump: é Duterte
Diante da comparação corrente entre Bolsonaro e Donald Trump, presidente dos EUA, os pesquisadores dizem que a analogia mais precisa é com Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas. “Comparar com Trump me incomoda, porque camufla quão extremos Bolsonaro e suas propostas são”, afirma Atencio. "Bolsonaro é como Duterte, que zomba de normas básicas dos direitos humanos e advoga abertamente pelo estado de violência como ‘solução’ para os problemas sociais."
Nesse sentido, os especialistas não veem Bolsonaro como um fenômeno isolado.
“Líderes como Trump, [primeiro-ministro húngaro Viktor] Orbán, [presidente russo Vladmir] Putin, talvez o próprio Duterte, irão dar a Bolsonaro as boas-vindas ao crescente círculo da extrema-direita/regimes protofascistas", diz Barbara Weinstein.
Com a faixa é diferente
O consenso, no entanto, é que tudo dependerá do discurso e das políticas adotadas por Bolsonaro ao se instalar no Planalto.
“Estarão todos ouvindo com muita atenção, vão querer saber se sua retórica será triunfalista, agressiva, partidária e divisiva (como é a de Trump) ou se será mais ‘presidencial’, calma e inclusiva”, afirma Pereira, do King’s College London. “Se for a primeira opção, é provável que ele tenha dificuldades em convencer outros líderes a trabalharem com ele", diz.
O historiador Green avalia que a economia terá peso importante na popularidade de Bolsonaro --dentro e fora do país. “Se ele não solucionar [a crise econômica], vai perder a base. Muitas pessoas que votaram vão deixar de apoiá-lo rapidamente se a economia não melhorar. É só ver o [ex-presidente Fernando] Collor”, argumenta. ”
Bolsonaro e Chávez
Javier Corrales, professor de ciência política no Amherst College, nos EUA, explica que nunca se sabe exatamente quando um governo de direita ou esquerda se tornará autoritário, mas elenca quatro fatores --todos presentes no Brasil:
- Descrença nas instituições existentes;
- Crescimento de blocos religiosos;
- Sensação geral de ameaça na segurança e
- Crise financeira.
“Presidentes não liberais sempre colocam as instituições sob muito estresse. As pessoas na Venezuela, até o segundo ano de Chávez no gabinete, pensavam que as instituições poderiam segurar o presidente,” afirma Corrales. “Elas estavam erradas.”
O historiador Green também vê riscos à democracia, sob a óptica de quem está fora. Preocupado com o que considera "ataques à democracia", ele lançou um manifesto voltado a estudiosos do Brasil nos Estados Unidos.
Em poucas semanas, mais de mil acadêmicos de cerca de 200 instituições em 38 estados dos EUA assinaram o documento. “Eu nunca vi adesão tão rápida”, afirma. “Digo que 95% das pessoas que estudam o Brasil estão preocupadas."
(Com agências internacionais)
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