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Como a demissão do procurador-geral dos EUA pode afetar a investigação sobre a Rússia

Jeff Sessions foi forçado a renunciar ao cargo de procurador-geral dos EUA - Tom Brenner/The New York Times
Jeff Sessions foi forçado a renunciar ao cargo de procurador-geral dos EUA Imagem: Tom Brenner/The New York Times

Charlie Savage

Em Washington (EUA)

08/11/2018 16h19

A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, de demitir o procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions, e indicar o ex-chefe de gabinete de Sessions, Matthew Whitaker, como chefe do Departamento de Justiça imediatamente levantou perguntas sobre o significado dessa medida para Robert Mueller, o procurador especial que lidera a investigação sobre a Rússia.

O que isso significa para a investigação de Mueller?

A mudança significa que Whitaker assume a supervisão do inquérito que era feita por Rod Rosenstein, o vice-procurador-geral.

Sessions se recusou a supervisionar casos derivados da eleição de 2016, citando seu papel como apoiador ativo de Trump, por isso Rosenstein tem servido como procurador-geral para investigar se algum aliado de Trump conspirou com a interferência russa na eleição e se o presidente obstruiu o inquérito. Ele indicou Mueller como procurador especial.

Como Whitaker não é impedido de conduzir casos decorrentes da eleição de 2016, como era Sessions, ele assume o caso. Rosenstein volta a seu trabalho normal de supervisor de operações do Departamento de Justiça.

Qual é a posição de Whitaker em relação à investigação de Mueller?

Em agosto de 2017, antes de entrar para o governo Trump, Whitaker escreveu em uma coluna de opinião que a investigação de Mueller foi longe demais ao examinar os registros financeiros da Trump Organization e verificar os aliados de Trump por crimes não relacionados à Rússia para incentivá-los a cooperar.

"Não é preciso ser um advogado ou um ex-promotor federal como eu para concluir que a investigação das finanças de Donald Trump ou de sua família caem completamente fora do escopo de sua campanha de 2016 e alegações de que a campanha foi coordenada com o governo russo ou qualquer outra pessoa", escreveu ele, argumentando que Rosenstein precisava conter Mueller para que a investigação não se tornasse "uma expedição de pesca política".

Robert Mueller Investiga o possível conluio entre membros da equipe de campanha de Trump e funcionários do governo russo - Doug Mills/The New York Times - Doug Mills/The New York Times
Robert Mueller Investiga o possível conluio entre membros da equipe de campanha de Trump e funcionários do governo russo
Imagem: Doug Mills/The New York Times

Como Whitaker poderia bloquear o inquérito de Mueller?

O procurador-geral em exercício estabelece a jurisdição e o orçamento do procurador especial. Ele poderia dizer a Mueller para parar de investigar uma determinada questão ou poderia recusar qualquer pedido de Mueller para expandir a investigação. Ele poderia ainda reter as verbas do Escritório do Procurador Especial, exigindo que Mueller cortasse sua equipe ou seus recursos.

Além disso, Whitaker poderia impedir que Mueller seguisse passos investigativos, como intimar Trump ou emitir novos indiciamentos.

Quando Rosenstein nomeou Mueller, ele decretou que os regulamentos do Departamento de Justiça para procuradores especiais se aplicariam à investigação da Rússia.

Entre outras coisas, esse regulamento diz que enquanto o procurador especial opera com independência normal, o procurador geral para o inquérito pode pedir que ele explique "qualquer medida investigativa ou processual", e pode anular qualquer medida que considere "inadequada ou não autorizada sob as práticas estabelecidas do departamento".

Sob o regulamento, se Whitaker bloquear alguma medida de Mueller, o Congresso deve ser notificado.

Trump foi "claramente" motivado a substituir Sessions para afetar a investigação de Mueller, segundo Davis Kris, fundador da consultoria Culper Partners, que liderou a divisão de segurança nacional do Departamento de Justiça durante o governo Obama.

Uma questão em aberto, disse ele, é o que Whitaker faria e quais reações isso provocaria em Mueller, em outros promotores federais e deputados democratas.

"Que táticas de guerrilha ele tentará adotar para limitar as atividades de Mueller?", disse Kris sobre Whitaker. "Sob o regulamento, ele tem várias ações de supervisão que pode tomar, e se o fizer, quanto mais extremas forem, maior a probabilidade de que provoquem reações de outros atores nesse drama."

Whitaker pode demitir Mueller?

O regulamento que Rosenstein invocou quando nomeou Mueller também torna mais difícil demiti-lo. Ele dizia que o procurador-geral só pode remover o procurador especial por causa de algum tipo de má conduta, e não à vontade.

Whitaker poderia decidir que Mueller cometeu má conduta e demiti-lo, ou poderia revogar as proteções que o regulamento dá a Mueller e então demiti-lo sem qualquer causa.

Whitaker pode suprimir um relatório de Mueller?

Quando Mueller terminar seu trabalho, ele deverá entregar um relatório sobre suas conclusões ao procurador-geral, segundo o regulamento. Então caberia ao procurador-geral, hoje Whitaker, decidir se enviaria esse documento ao Congresso ou o manteria em sigilo.

É claro que no próximo ano, quando os democratas dominarem a Câmara de Deputados, eles poderão emitir uma intimação para tal documento, mas se o governo Trump quiser combater essa intimação alegando privilégio executivo não está claro o que aconteceria.

Por que Rosenstein não é o procurador-geral em exercício?

Em circunstâncias normais, Rosenstein se tornaria o procurador-geral em exercício. Um estatuto federal que rege a sucessão no Departamento de Justiça diz que o vice- procurador-geral assume se o cargo de procurador-geral estiver vago.

No entanto, há outra lei, a Lei de Reforma de Cargos Vagos, que se aplica a todo o Poder Executivo. Ela dá ao presidente outras opções de fazer nomeações temporárias sem a confirmação do Senado.

Há alguma discussão entre juristas sobre se Trump pode contornar o estatuto específico do Departamento de Justiça e usar a Lei de Vagas em uma situação em que ele demitiu o procurador-geral. Mas parece ser isso o que ele pretendia fazer.

Sob a Lei de Cargos Vagos, o presidente pode instalar o primeiro assistente de uma autoridade removida ou instalar alguém que o Senado confirme para um cargo diferente no Poder Executivo. A terceira opção, que é a que Trump parece estar contando para a nomeação de Whitaker, é colocar no lugar uma autoridade suficientemente graduada do próprio departamento, mesmo que ele não tenha sido confirmado pelo Senado para esse papel.

"Sob essa terceira categoria, essa pessoa é muitas vezes um funcionário de carreira graduado, mas a Lei de Reforma de Cargos Vagos não exige que seja de carreira", disse Anne Joseph O'Connell, professora de direito em Stanford especializada em questões relacionadas a nomeações. "Pode ser uma pessoa nomeada politicamente, desde que tenha servido 90 dias no departamento e seja paga em um nível suficientemente alto."

Por quanto tempo Whitaker pode servir como procurador-geral?

Depois do primeiro ano de um governo, uma autoridade em exercício nomeada sob a Lei de Reforma de Cargos Vagos pode servir até 210 dias. Mas Whitaker poderá servir mais enquanto a nomeação de alguém para procurador-geral estiver pendente.

Se o Senado rejeitar essa nomeação, ou se devolver a nomeação sem uma decisão porque a sessão do Congresso terminou, Trump poderia reiniciar o processo e Whitaker poderia ficar mais 210 dias no cargo, ou mais. Mas O'Connell disse que Trump não poderia nomear Whitaker pessoalmente, porque sob a Lei de Cargos Vagos um chefe de departamento em exercício não pode ser nomeado para esse cargo.

"Há algo um pouco estranho", disse O'Connell, "em que essa medida de preenchimento de vagas permita colocar alguém que não está em um cargo graduado, como um vice, temporariamente em um dos cargos mais importantes do país."