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Opinião: 2020 será a hora de reverter a tendência de destruição do planeta

Ciclistas passam por escultura de baleia feita de lixo plástico, em exibição na Bélgica para a Trienal de Bruges, em 2018 - John Thys/Agence France-Presse/Getty Images
Ciclistas passam por escultura de baleia feita de lixo plástico, em exibição na Bélgica para a Trienal de Bruges, em 2018 Imagem: John Thys/Agence France-Presse/Getty Images

Andrew McAfee*

26/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Em artigo para o New York Times, o pesquisador do MIT diz que a revolução digital é aliada na redução do uso de recursos naturais
  • Mas Andrew McAfee diz que as tecnologias e o mercado não pode resolver sozinho o desafio da poluição
  • Para ele, é preciso que a conscientização pública e os governos atuem de forma a instaurar e fazer cumprir medidas inteligentes de redução da poluição

O motor a vapor e seus sucessores mudaram o mundo; agora, felizmente, o computador e dispositivos semelhantes estão revertendo essa situação.

Por que "felizmente"? Porque a era industrial —introduzida pela energia a vapor e sustentada pela combustão interna, pela eletricidade e outras tecnologias— foi implacável com o nosso planeta.

Ano após ano, retiramos cada vez mais combustíveis fósseis do solo para alimentar nossas economias em expansão; também exploramos mais metais e minerais, derrubamos mais árvores, criamos mais áreas agrícolas, usamos mais água e fertilizantes e exploramos nosso mundo de incontáveis maneiras.

Durante a era industrial, a população e a prosperidade cresceram exponencialmente, bem como o nosso consumo de recursos naturais. No primeiro Dia da Terra, em 1970, já estava claro que o planeta não conseguiria acompanhar toda aquela expansão. A impressão era de que, eventualmente, sua capacidade de carga finita seria dizimada pelo nosso apetite cada vez mais voraz e descontrolado.

A única solução aparente seria diminuir essa ganância, fosse voluntariamente —adotando uma filosofia de "decrescimento" (o que equivale a assumir uma recessão permanente, cada vez mais profunda)—, ou por meio de planejamento central e racionamento.

Andrew McAfee - Evgenia Eliseeva - Evgenia Eliseeva
O pesquisador do MIT Andrew McAfee
Imagem: Evgenia Eliseeva

E o que aconteceu depois de 1970? Com exceção de algumas poucas restrições temporárias, como racionamento de gasolina, a maioria dos países não tentou forçar uma diminuição no consumo dos recursos naturais, nem deliberou que as empresas deveriam produzir menos pelo bem do planeta; os EUA certamente não o fizeram.

Da mesma forma, a maior parte dos norte-americanos não adotou a desaceleração voluntária. O crescimento econômico e populacional pode ter diminuído desde 1970, mas certamente não começou ainda a encolher; ao contrário, continuam aumentando a níveis alarmantes. A economia dos EUA, por exemplo, está 3,5 vezes maior do que há 49 anos, e nossa população aumentou cerca de 60% desde então.

Bom, mas isso quer dizer que continuamos a consumir os recursos naturais na mesma proporção excessiva, certo? Errado. Pelo contrário, algo completamente inesperado aconteceu: o volume total de muitos materiais críticos se equilibrou e depois passou a cair, mesmo com o crescimento continuado da população e da economia.

A magnitude dessa reversão é impressionante: segundo o Serviço Geológico dos EUA, em 2015, o país consumiu 15% menos aço, 40% menos cobre e 44% menos ouro do que em 2000. O uso total de madeira caiu um terço e o papel, 20% em relação ao pico de consumo.

Se analisarmos setores como a agricultura, veremos a mesma coisa. A tonelagem total das safras nacionais aumentou mais 20% desde 1992, mas o uso total de fertilizantes caiu quase 20%, com 13% menos água usados na irrigação.

Por fim, o consumo total de energia nos EUA estabilizou, mesmo com o crescimento contínuo. Nossa economia está 20% maior do que era antes da crise de 1929, mas em 2018 o país consumiu apenas 0,26% mais energia do que em 2007.

Como conseguimos isso? Como conseguimos dissociar o progresso econômico do consumo de recursos pela primeira vez na história da humanidade? Fazendo uso da revolução digital.

Vejamos o exemplo do uso reduzido de materiais nas vias férreas: no fim dos anos 60, o princípio básico para o setor nos EUA rezava que apenas 5% dos vagões poderiam se movimentar em um determinado dia. Não porque os outros 95% precisavam descansar, mas sim porque os donos não conseguiam acompanhá-los.

Na época, monitorar uma frota de forma apurada ao longo de milhares de quilômetros de trilhos e centenas de terminais era basicamente impossível.

As empresas dependiam de observadores, que prestavam atenção no movimento dos trens e depois telefonavam ou telegrafavam para o escritório central e comunicavam o que tinham visto.

Apesar de trabalhoso, o método fazia sentido no aspecto econômico; com o tempo, porém, as pessoas foram substituídas por ferramentas digitais e hoje as vias férreas são supervisionadas constantemente, mesmo nos espaços mais remotos.

Esse tipo de progresso está ocorrendo não só nos EUA; uma "desmaterialização" semelhante, em grande escala, também vem ocorrendo em outros países desenvolvidos, como a Alemanha e a Holanda.

As nações de renda mais baixa ainda estão montando sua infraestrutura e, por isso, continuam usando mais materiais, ano após ano, mas prevejo que em breve esse quadro também se reverta.

As forças gêmeas do capitalismo e do progresso tecnológico são só o que precisamos para garantir que cuidaremos melhor do planeta? De jeito nenhum.

Como qualquer aluno do primeiro ano de Economia sabe, a poluição é a exterioridade negativa clássica, um custo que surge como consequência da atividade econômica, mas com a qual as partes diretamente envolvidas não arcam. As tecnologias e mercados fazem muitas coisas espetacularmente bem, mas não cuidam da poluição e de outros fatores externos sozinhos.

Precisamos que outro par de elementos entre em cena: a conscientização pública dos graves problemas causados pela poluição, e um governo ágil, capaz de instaurar e fazer cumprir medidas inteligentes de redução.

Foram essas forças, por exemplo, que levaram os EUA, estimulados pelos esforços dos grupos de conservação do país, a aprovar um projeto de lei para proteger os animais vulneráveis do alcance do capitalismo e da tecnologia em 1973, depois da extinção do pombo-passageiro, no início do século 20, e do quase desaparecimento de várias outras espécies.

Eu considero o capitalismo, o progresso tecnológico, a conscientização pública e o governo eficaz os "quatro cavaleiros do otimismo". Quando funcionam juntos, permitem que aumentemos o bem-estar humano sem prejudicar ainda mais nosso planeta. Graças a eles, estamos superando o mau hábito da era industrial de despojar a Terra conforme crescemos.

Estamos agora entrando em uma segunda era das máquinas, mais limpa e mais ecológica, movida pelos computadores e dispositivos semelhantes. Os outros três cavaleiros são necessários, mas o progresso tecnológico é o único que nos permite obter "mais de menos" e viver em um mundo de recursos naturais reduzidos.

*Andrew McAfee é um dos diretores da Iniciativa sobre a Economia Digital (IDE) e principal pesquisador da Faculdade de Administração Sloan do MIT. Seu livro mais recente é "More From Less: The Surprising Story of How We Learned to Prosper Using Fewer Resources - and What Happens Next".