Duas sugestões para melhorar o mundo: mais poder local e mais democracia
Resumo da notícia
- Nos países desenvolvidos, o desemprego cai, mas as insatisfações aumentam
- Brexit e Coletes Amarelos são alguns exemplos
- Em artigo para o NYT, o economista e professor de finanças indiano Raghuram Rajan fez sugestões para sociedades mais saudáveis
As taxas de desemprego nos países desenvolvidos nunca estiveram a níveis tão baixos; entretanto, os movimentos de protesto indicam que muita gente continua sem perspectivas de futuro.
Para combater a desigualdade social, assim como as doenças, é preciso promover uma autonomia local maior e aumentar o envolvimento democrático. A insatisfação hoje chega carregando várias faixas: Trump, Brexit ou os "Coletes Amarelos", e sua origem geralmente está na marcha da mudança tecnológica e na globalização.
Embora ambas sejam significativamente saudáveis para a sociedade, seus benefícios são distribuídos de forma desigual. Uma gerente de investimentos em uma metrópole global como Londres tem condições de fechar negócios em qualquer lugar do mundo instantaneamente e seu salário reflete isso; por outro lado, a população das pequenas cidades é arrasada quando as forças competitivas mundiais forçam a única fábrica da região a fechar.
Os indicadores nacionais saudáveis, como uma taxa de desemprego baixa, escondem a presença de comunidades que sofrem, algumas já com histórico de desvantagem, outras enfrentando problemas recentes.
Para elas, a perda de empregos é só o começo. Com a saída das oportunidades econômicas, chega a desintegração social. Assim, realizam-se menos casamentos, há mais divórcios e mais famílias monoparentais; o desespero pode levar ao alcoolismo e às drogas, às vezes até à criminalidade.
Em declínio, não conseguem mais manter instituições locais como escolas e faculdades comunitárias; essas, por sua vez, se deteriorando, não podem mais ajudar os desempregados a se reequipar e ampliar seus conhecimentos. Sem boas escolas, aos jovens restam apenas uma perspectiva sombria. Quem tem condições, vai embora para lugares mais prósperos, levando os filhos consigo. Esse êxodo dos bem-sucedidos deixa quem fica ainda mais limitado.
O que pode ser feito? A volta por cima das comunidades é muito difícil porque elas foram destituídas de poder. Quando a atividade comercial cresce dentro de um determinado território, as corporações pressionam o governo federal a tirar o poder de regulação das comunidades, com o objetivo de criar um mercado comum, mais homogêneo.
Da mesma forma, com a expansão do comércio entre os países nas últimas décadas, instituições internacionais como a União Europeia se apropriaram dos poderes soberanos para tentar harmonizar o ambiente de negócios entre seus membros. Só que agências internacionais e capitais nacionais não possuem conhecimento local ou instrumentos políticos eficazes para levantar comunidades problemáticas; uma taxa de juros mais baixa não vai aumentar os investimentos em cidadezinhas onde a criminalidade afugentou as empresas.
Incentivos fiscais regionais para as comunidades em apuros talvez não gerem o tipo adequado de empregos. Em Nova York, a liderança local rejeitou a decisão da Amazon de montar uma nova sede em Long Island City, no Queens, que segundo a companhia geraria 25 mil empregos a um salário médio anual de US$150 mil.
Acreditava-se que poucos membros da comunidade teriam a competência necessária para conquistar essas vagas, enquanto o influxo de gente de fora, mais habilitada, talvez forçasse a alta dos aluguéis e dos impostos prediais, forçando a saída dos moradores antigos.
Em vez de se basear em iniciativas com políticas de cima para baixo, a revitalização comunitária tem de se dar de baixo para cima, identificando e recuperando os laços rompidos com as economias nacionais e globais mais prósperas, beneficiando-se assim de seu crescimento. Há que se levar em conta cinco elementos essenciais: liderança, engajamento, empoderamento, financiamento e infraestrutura.
Abrindo espaço para a liderança local
O bairro de Pilsen, no Lower West Side de Chicago, era uma zona de guerra no fim dos anos 80; 21 gangues disputavam umas com as outras a primazia em um trecho de pouco mais de três quilômetros, com níveis de violência alarmantes. Pilsen precisava reduzir a criminalidade para ter qualquer esperança de revitalização, mas quem tomaria a iniciativa?
Uma comunidade decadente precisa de líderes que possam unir administradores locais, educadores, empresários e moradores na concretização de mudanças. É difícil encontrá-los porque a liderança que existe geralmente está paralisada, e muita gente capaz já foi embora.
Em Pilsen, surgiram novos cabeças graças ao desespero. Em 1988, um rapaz foi alvejado na frente de uma igreja católica, do outro lado da rua; quando o padre perguntou à congregação até quando seus membros encarariam a derrocada como "um problema dos outros", um grupo de jovens resolveu reagir. E escolheu um deles, Raul Raymundo, para chefiar o (adequadamente denominado) Projeto Ressurreição. Três décadas depois, ele continua lá.
Precisamos de meios criativos para atrair gente competente de volta às suas comunidades e aumentar a reserva de talentos da qual podem sair novos líderes. Por exemplo, por que não perdoar a dívida do financiamento universitário daqueles que retornarem para suas comunidades problemáticas, permitindo assim que a educação superior seja uma forma de levar novos conhecimentos de volta às origens, e não só uma rota de fuga para os mais talentosos?
Comunidades engajadas são mais fortes
A liderança de Pilsen convenceu a comunidade a pedir às autoridades responsáveis pela liberação de licenças de venda de bebida alcoólica a fechar os bares suspeitos onde se reuniam os criminosos; envolveram as empresas locais na criação de oportunidades de treinamentos e cursos; estimularam os vizinhos a denunciar incidentes criminosos à polícia como grupo, de modo que as gangues não podiam atingir informantes específicos, e a se fazerem visíveis nas ruas à noite.
Assim que o bairro começou a se livrar da criminalidade, novas empresas começaram a chegar. Hoje, Pilsen continua longe de ser uma região rica, mas os moradores levam uma vida decente, a comunidade é muito mais segura e as perspectivas dos jovens, muito mais sólidas.
As redes sociais permitem à liderança vender suas ideias através de financiamentos coletivos e dar aos voluntários mais dispostos uma responsabilidade maior. Por sua vez, a comunidade engajada pode usar a tecnologia da informação para monitorar as autoridades e reduzir a corrupção e a indolência.
Com o empoderamento vem a consciência de apropriação
Por que os líderes comunitários não podem determinar quais as casas que devem ter licença para vender bebida alcoólica, ou quais as empresas que devem se estabelecer na região, e com quais incentivos fiscais e regulamentações? Uma comunidade com autonomia pode atrair as companhias mais apropriadas às suas necessidades. E a tecnologia da informação permite às corporações lidar com as diferenças locais de regulamentação e taxação a custos mais baixos.
O empoderamento local não é um ideal utópico. Na Suíça, os cidadãos falam três idiomas oficiais e um quarto da população nasceu no exterior. Muitas decisões são transferidas do governo central às suas 26 subdivisões administrativas, ou cantões, às vezes indo mais além: aos três mil e poucos municípios, graças ao princípio da "subsidiariedade."
Ele exige que as decisões governamentais sejam delegadas ao nível mais baixo com condições de analisá-las efetivamente. Por exemplo, o governo federal suíço é responsável pelos institutos de tecnologia; os cantões, pelas escolas de ensino médio; já os municípios controlam os colégios primários e jardins de infância.
É verdade que a descentralização e o envolvimento mais democrático não resolvem tudo; até na Suíça há decisões tomadas sem muita informação e/ou injustas às minorias locais, mas há também um sistema legal de freios e contrapesos servindo de proteção contra erros crassos. Além disso, o direito de decisão - e até de cometer erros - dá à comunidade a ideia de apropriação de suas decisões e, com ela, o incentivo de sempre melhorar.
Liberdade no financiamento em condicionalismos
É muito comum as comunidades em declínio econômico terem dificuldade em arrecadar novos impostos; o apoio financeiro dos governos federal ou local, ou de instituições filantrópicas privadas, se livres de restrições, podem ajudar a financiar projetos locais.
Com a revitalização, os recursos locais recuperam o valor, permitindo um financiamento continuado, se a comunidade mantiver o autocontrole. Na Dinamarca dos anos 90, Copenhague vendeu terras públicas para empresas privadas e usou o que recebeu para construir o sistema metroviário - o que valorizou os terrenos que ainda possuía à volta do novo metrô e que, por sua vez, pôde ser vendido para ser expandido.
Infraestrutura: repensar e reformar
Uma infraestrutura nova ? um centro renovado, uma orla acessível, parques e trilhas novos e convidativos, conectividade digital melhorada ? pode ajudar uma comunidade a se recuperar. Às vezes, a simples reconfiguração dos serviços básicos já os tornam mais úteis.
Um estudo publicado pelo Federal Reserve Bank da Filadélfia, em 2018, concluiu que para os moradores de um bairro no meio do caminho entre dois condados, no norte da Pensilvânia, somente 12 por cento das vagas de empregos compatíveis estavam a menos de uma hora de ônibus, embora 73 por cento delas estivessem a 15 minutos de distância de um ponto.
Por quê? Porque a maioria dos sistemas de transporte regionais leva os passageiros primeiro para uma estação central, independentemente de seu destino. As rotas de ônibus que ligam áreas residenciais diretamente aos locais de trabalho ajudariam os trabalhadores de baixa renda a chegar mais rapidamente, fator essencial na hora de lidar com emergências familiares. A contribuição da comunidade em decisões como a configuração do transporte local é essencial.
Comunidades saudáveis são mais do que necessidades econômicas. Em muitos países, o populismo nacional pode incitar a maioria com o medo de que a cultura estabelecida seja diluída, invocando um retorno à tradição e novo rigor sobre a imigração. Há uma alternativa: a valorização da cultura dentro da própria comunidade, em vez de buscar uma homogeneidade nacional impossível. Algumas optarão por monoculturas; outras, pelo multiculturalismo.
Qualquer escolha deve ser respeitada, contanto que todos estejam unidos por valores nacionais comuns e ninguém seja deixado de fora deliberadamente. O governo federal pode ajudar agindo para impedir que as comunidades revitalizadas se tornem segregadas, e aplicando leis contra a discriminação.
Em vez de nos voltarmos para as metrópoles nacionais politicamente divididas em busca de respostas, deveríamos garantir às comunidades a habilidade de exercer mais poderes localmente. Talvez assim possamos fazer com que a mudança tecnológica e a globalização funcionem para todos.
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