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Iemenita que vive em Nova York vive a agonia de deixar família para trás

Ahmed Abdulwahab, que é cidadão americano, segura no colo sua filha, Areg, no Brooklyn - Chang W. Lee/The New York Times
Ahmed Abdulwahab, que é cidadão americano, segura no colo sua filha, Areg, no Brooklyn Imagem: Chang W. Lee/The New York Times

Christina Goldbaum

Em Nova York

20/12/2018 00h01

A família de Ahmed Abdulwahab sobreviveu a ataques aéreos e fogos cruzados. Resistiram a viagens de dias inteiros por estradas esburacadas e cordilheiras tão íngremes que parecia inevitável serem levados para baixo pela gravidade.

Abdulwahab entrou em um território iemenita controlado por diversas facções, como a Al-Qaeda, rebeldes houthis e o governo, tudo para conseguir tirar sua mulher, mãe e filha pequena do país e trazê-las para os Estados Unidos. Abdulwahab, que é cidadão americano, descreveu a jornada de semanas como a viagem mais aterrorizante de sua vida.

Mas agora ele terá de enfrentar um último obstáculo: o Departamento de Estado dos EUA.

Abdulwahab, 32, é um dentre as centenas de iemenitas americanos de Nova York que foram separados de cônjuges ou filhos que não são cidadãos americanos depois da proibição do governo Trump, que restringe rigorosamente a entrada nos Estados Unidos de pessoas de sete países, cinco deles de maioria muçulmana.

Alguns, como a mulher de Abdulwahab, Aisha Mahyoub, 30, tiveram o visto aprovado e depois revogado uma vez que a proibição entrou em vigor. Isso viola os termos da proibição, de acordo com uma ação judicial iniciada na segunda-feira pelo Center for Constitutional Rights, uma organização de assistência jurídica de Nova York. Três outros iemenitas com cidadania americana estão envolvidos no caso, que segue uma ação coletiva iniciada em setembro em nome de mais de cem pessoas.

(O "The New York Times" pôde verificar boa parte da história de Abdulwahab, embora partes da viagem de sua família dentro do Iêmen não possam ser verificadas de forma independente.)

Para muitos iemenitas com cidadania americana, como Abdulwahab, o custo de sustentar familiares em países como Djibuti, que abriga o consulado americano mais próximo, tem sido proibitivo.

Em julho, um iemenita com cidadania americana cometeu suicídio na Louisiana depois de sucumbir à pressão financeira de sustentar sua mulher e cinco filhos depois estes que tiveram seus vistos negados em Djibuti, localizado do outro lado do Mar Vermelho, no Chifre da África, onde o aluguel pode custar seis vezes mais que no Iêmen.

Abdulwahab calcula que o processo de tirar seus familiares do Iêmen tenha lhe custado US$ 40 mil (R$ 155 mil). Para sustentar sua mulher em Djibuti, ele paga US$ 1.500 (R$ 5.800) por mês de aluguel (o custo é alto porque a cidade atende a comunidade estrangeira), US$ 400 por eletricidade, US$ 300 por alimentação e US$ 200 para uma mulher que às vezes ajuda Aisha.

Em Nova York, ele contribui com US$ 700 para o aluguel do apartamento de seu irmão, paga US$ 500 por seu próprio apartamento que compartilha com outras pessoas e envia o dinheiro que resta a parentes no Iêmen, onde o preço de tudo se tornou proibitivo, e como resultado as crianças estão morrendo de fome.

Os custos basicamente exaurem os US$3.500 a US$ 4.000 que ele ganha em média por mês como motorista de Uber em Nova York.

"Não sei mais o que fazer", disse Abdulwahab, com seus olhos castanho-claros emoldurados por óculos retangulares de armação fina. "Não posso trazê-la para cá, não posso levá-la de volta para o Iêmen. Só tenho esperanças de que um dia tudo isso passe e voltemos a ficar juntos".

Abdulwahab, um homem de fala tranquila, mora em um apartamento de um quarto que divide com dois colegas em Bay Ridge, no Brooklyn. Todo dia ele acorda às 3h30 da manhã, toma banho, se veste e verifica o status de sua mulher no site do consulado. Ele também olha as fotos de Aisha em seu celular, com seus traços delicados e lábios cor de rosa ao alcance de seus dedos e ao mesmo tempo a mais de 11 mil km de distância.

Abdulwahab nasceu no Iêmen. Como seu pai é cidadão americano e vivia em Nova York, Abdulwahab se mudou para os Estados Unidos em 2006 e com o tempo obteve a cidadania americana. Ele viajava com frequência entre os Estados Unidos e o Iêmen, e costumava passar algum tempo com a amiga de sua irmã, que veio a se tornar sua mulher.

Os dois finalmente se casaram oito anos atrás em um salão de festas em Hodeida, principal cidade portuária do Iêmen e sua cidade-natal.

Quando Abdulwahab foi embora no final daquele ano para voltar aos Estados Unidos, ele planejava concluir uma certificação no Queens, arrumar um trabalho e então entrar com o pedido para que sua noiva se juntasse a ele nos Estados Unidos. Enquanto isso, Aisha foi morar com seus sogros em Taiz, esperando pacientemente por anos enquanto Abdulwahab ia e voltava, e a primeira filha do casal, Areg, nasceu.

Mas quando a guerra entre rebeldes houthis e as forças do governo estourou no início de 2015, a segurança em Taiz se deteriorou. As mudanças vieram devagar no início, com alguns ataques aéreos atingindo a cidade e rebeldes houthis instalando postos de controle. Então, uma noite, uma intensa série de ataques aéreos destruíram prédios residenciais a poucas quadras da casa de Aisha.

"Ficamos com muito medo, foi como se a morte tivesse nos encarado", ela disse em uma entrevista por telefone a partir de Djibuti.

Com uma diminuição momentânea dos ataques, Aisha e seus sogros foram até a casa do avô de Abdulwahab nas montanhas. Ali, Aisha finalmente ligou para seu marido pela primeira vez em vários dias.

Abdulwahab entrou em pânico. Eles não podiam esperar, pensou.

O processo para o pedido levou dois anos, mas em 2017 Abdulwahab foi notificado de que sua mãe, mulher e filha tinham uma entrevista agendada no consulado americano em Djibuti, passo final para o processo de visto. Com os voos comerciais até Aden temporariamente suspensos devido aos combates, Abdulwahab reservou um voo para Omã e foi de ônibus e táxi até sua família em Taiz, atravessando terras controladas pela Al-Qaeda e depois entrando em território do governo.

Quando todos eles chegaram a Djibuti, ele pensou que o pior já havia ficado para trás. Sua mãe, Areg e sua mulher, agora grávida do segundo filho, concluíram suas entrevistas em outubro de 2017. Aisha recebeu um documento que atestava que seu pedido de visto havia sido aprovado, e que só faltava a impressão.

Areg e a mãe de Abdulwahab, Saoud Khaled, 70, tiveram seus documentos de viagem emitidos dentro de nove dias, mas Aisha não recebeu nada. Por fim, em fevereiro de 2018, ela foi informada de que a aprovação de seu visto havia sido anulada devido à proibição.

"Eu nunca imaginei que eles aprovariam Areg, e não a mim", disse Aisha. "Como eu poderia ficar para trás?"

Agora Areg e sua avó moram a uma quadra de distância de Abdulwahab com seu irmão, a mulher de seu irmão e os cinco filhos do casal. Há mais espaço no apartamento, mais primos por perto para ajudar a cuidar de Areg, hoje com 4 anos, mas ela ainda anseia por ficar com seu pai.

Em uma tarde, Areg sentiu que seu pai estava se preparando para deixar o apartamento. Ela pulou em seu colo, com pequenas lágrimas escorrendo pelo rosto.

Abdulwahab cedeu e a levou pela mão até o Yemen Cafe, a algumas quadras de lá na Quinta Avenida. No café, Areg perguntou onde estava sua mãe. Abdulwahab nunca sabe como responder. Alegre, a menina ignora que sua mãe está em Djibuti e que seu pai vem gastando cada dólar que tem para cuidar dela.

"Agora não posso poupar dinheiro, tudo que ganho gasto com minha família", ele diz. "Às vezes me parece que não consigo lidar com isso, como posso lidar? É demais".

Do carro, Abdulwahab liga para sua mulher todas as manhãs, ouvindo sua suave voz entrecortada pela rede instável de Djibuti. Enquanto eles conversam, as dúvidas tácitas pairam no ar: será que algum dia voltarão a estar juntos nos Estados Unidos?

"Inshallah," ele diz. Se Deus quiser.