Marcelo Xavier, presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), acusou ontem (8) o indigenista Bruno Pereira de ter descumprido a lei em suas atividades no Vale do Javari no momento em que desapareceu. Em entrevista à rádio Jovem Pan, o presidente do órgão criticou a imprensa por dar destaque ao desaparecimento e acusou o servidor licenciado de não ter autorização para entrar nas Terras Indígenas isoladas e de descumprir medidas sanitárias. A associação de servidores da Funai, INA (Indigenistas Associados), reagiu com indignação às afirmações do presidente do órgão em nota publicada no Twitter. "Isso é mentira do Presidente da Funai. Nessa viagem, Bruno e o jornalista Dom Phillips sequer chegaram a ingressar na Terra Indígena Vale do Javari", afirma o indigenista Fábio Ribeiro, coordenador executivo do OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato). "É muito estranha a declaração do Xavier neste momento de comoção e apreensão, mas eu não estou particularmente surpreso, pois durante a pandemia ele já vinha perseguindo e coagindo administrativamente o Bruno e outros servidores", declara Ribeiro, que atuou por anos na Funai e decidiu se exonerar do órgão no começo deste ano. O Vale do Javari é a região do mundo com a maior quantidade de povos isolados ou de recente contato. Segundo indigenistas ouvidos por esta coluna, Pereira conhecia bem aquele território, tinha um sítio na cidade de Atalaia do Norte e fazia um trajeto relativamente curto perto dali na companhia do célebre jornalista inglês Dom Phillips no momento em que desapareceu. Quando foi exonerado da CGIIRC (Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados), Pereira pediu licença para não se afastar da atividade a que vem se dedicando há anos: proteger os povos isolados. "O Bruno é um dos maiores especialistas da atualidade em indígenas isolados e de recente contato, fazia um trabalho de excelência na CGIIRC, tanto que foi afastado de lá", afirma o indigenista Leonardo Lenin, membro do OPI. Pereira foi removido de seu cargo após uma operação contra o garimpo ilegal no Javari. Além da exoneração, o episódio foi seguido de um aumento das ameaças de morte contra ele. Na mesma época, Maxciel Pereira dos Santos, o colaborador da Funai que monitorava uma das bases do Javari, foi assassinado, e o crime segue sem esclarecimento. As três bases de vigilância do Javari estão em situação precária. Uma determinação judicial obriga a Funai a fazer a restruturação delas e abrir novas bases, mas a ordem segue sendo ignorada. Segundo os indigenistas, as atividades criminosas naquela parte da Amazônia atuam em sinergia, principalmente o tráfico de drogas, a pesca predatória de pirarucu e o contrabando de madeira. "Essas atividades ilegais foram diretamente beneficiadas pelo enfraquecimento da presença do poder público no local", diz Lenin. Com isso, os próprios indígenas passaram a conduzir ações de proteção na região por meio da Univaja (União das Organizações Indígenas do Vale do Javari). É ela que está, por exemplo, na linha de frente das buscas pelos desaparecidos desde segunda-feira (6). Ao se licenciar, Bruno passou a trabalhar para a Univaja na proteção dos indígenas isolados. Ribeiro ressalta que a atual gestão da Funai tenta criminalizar a Univaja e outras organizações e lideranças indígenas no Brasil. "O presidente da Funai já foi investigado por associação a invasões de Terras Indígenas no Mato Grosso e, desde que assumiu o órgão, vem tentando destruir a política indigenista do país em favor de interesses da bancada ruralista." Na mesma linha, Lenin afirma que a atual política indigenista da Funai é "assimilacionista", isto é, busca colonizar o modo de vida indígena para que se torne semelhante ao estilo de vida dos não indígenas. Essa política remonta ao período militar e visa a tomada das terras desses povos. Ele afirma que ruralistas, militares, missionários evangélicos e a bancada da mineração estão entre os maiores defensores públicos dessa abordagem e estão influenciando a nomeação de dirigentes do órgão. Além das terras indígenas no Javari, os territórios Yanomami (RR), Piripkura (MT), Araribóia (MA), Ituna-Itatá (PA), Jacareúba-Katawixi (AM), Mamoriá Grande (AM) e Kawahiva do Rio Pardo (MT) estão entre os mais assediados atualmente. Procurada, a Funai não respondeu até o fechamento desta edição. Na manhã de ontem, um suspeito de ter envolvimento com o desaparecimento foi detido pela polícia do Amazonas. Segundo os indigenistas ouvidos pela coluna, as ameaças à Pereira eram de conhecimento das autoridades e só passaram a ser investigadas agora. PUBLICIDADE | | |