A mineira Consuelo Gomes Aguilar é proprietária da Ágora Store, uma boutique de luxo localizada num bairro nobre de Belo Horizonte. Casada com um cirurgião plástico, tem um filho de 20 anos e, desde domingo passado, uma certeza na cabeça: com a eleição de Lula, vai deixar o Brasil. Quer ir para Portugal, destino preferencial dos patrícios em fuga, onde a população de imigrantes legalizados chegou a 252 mil brasileiros (estima-se que seja o dobro, contando os ilegais e aqueles com dupla cidadania). Na última semana, debaixo de chuva, ela participou — vestida em cores canarinhas — de protestos pró-Bolsonaro na frente do quartel militar da cidade e reforçou a sua já profícua militância digital compartilhando mensagens e vídeos com fatos que "ninguém sabe ou entendeu ainda" sobre as eleições. Ela faz parte do grupo de mais de 51 milhões de eleitores que ainda têm certeza de que o Brasil é melhor com Bolsonaro. Em seu caso, o "absurdo da eleição de um presidiário" e "a melhora na segurança pública com o atual governo" são indicadores "mais do que suficientes" para "não se conformar" com o resultado nas urnas. A pedidos, encaminhou-me uma dezena de mensagens recebidas de amigos e "gente que respeito muito" no WhatsApp, que intentavam desmascarar o que seria a grande fraude eleitoral brasileira. Havia a foto de um frame de um programa de TV na Argentina, no qual os comentadores discutiam o "peso-real" — que seria uma moeda única para os dois países — com o comentário: "Olha aí! A TV argentina já anuncia a unificação das moedas! Não tem como ficar em casa!". Também o vídeo do protesto em que esteve; outro de uma manifestação de brasileiros nos Estados Unidos gritando "eleição ilegal". Depois, uma mensagem dizendo que acabara de sair "a auditoria realizada" pelas Forças Armadas, constatando a fraude eleitoral. Era seguida por documento apócrifo de 70 páginas intitulado "Relatório Preliminar de Análise das Urnas Eletrônicas usadas na Eleição Presidencial do Brasil no Primeiro Turno". Na segunda página, lia-se: "É um pouco longo, mas, além de ilustrativo, é uma das coisas mais sérias e importantes que você poderá ter lido". Ao longo do texto, acumulavam-se gráficos coloridos com curvas, ordenadas, abscissas e observações que iam além da minha modesta compreensão. Também um vídeo em que o ex-ministro José Dirceu aparece falando que era "hora de retomar o governo do Brasil" e a nota: "Entenderam agora???" Além disso, vídeos do apresentador norte-americano Tucker Carlson, da Fox News, explicando porque a eleição de Lula era "uma fraude", além de indicações de "influencers bem informados" que eu deveria seguir: um jurisconsulto chamado Samer Agi, que tem 1,4 milhão de seguidores e ministra um curso sobre como construir uma vida feliz; um economista identificado como "autoridade em investimentos financeiros" de nome Bruno Perine; e o jornalista Caio Coppola — a quem chamou de herói — demitido da Jovem Pan na semana passada. Na quinta-feira (3), a empresária me deu um longo depoimento sobre a vida antes e depois de Lula e Bolsonaro, por que Portugal é o destino preferencial para quem quer fugir do Brasil, teorias da conspiração e mais. A fala foi condensada e editada para melhor compreensão. No final do depoimento, há notas de rodapé. Desde domingo, estamos daquele jeito: esse incômodo, essa tristeza, essa desesperança. A gente sabia que não ia ser fácil, mas estamos com esse gosto de ressaca. Os anos Bolsonaro foram desafiadores. Nem tudo foi bom. Mas a mudança que houve na segurança, a diminuição dos assaltos, da violência, isso melhorou demais!* Parece que tudo tinha ordem, tinha respeito. No governo Lula, a minha loja foi assaltada, ninguém fazia nada para mudar isso. E ainda me lembro bem daquela sensação de angústia que tínhamos quando ia chegando o Natal. Lembra da Dilma soltando aqueles presos todos para passar o Natal em casa.* A gente já ficava nervosa só de pensar. Também na economia, o Paulo Guedes trouxe estabilidade, consistência, clareza e confiança. O empresariado não estava mais inseguro. Por conta do meu trabalho, eu converso com muita gente. E está todo mundo angustiado, tenso, preocupado com o que vai virar o Brasil. Vai ser o caos mesmo. As coisas estavam se organizando. De novo: Bolsonaro não era ótimo, mas moralmente ele é melhor do que o Lula para representar nosso país. Eu ouço muito: "Esse bandido não me representa". Ele tem uma coisa de psicopata, de mentiroso compulsivo, ele não tem amor pelo Brasil. Ele quis ser presidente para se vingar. Ele tem um sentimento de vingança por conta de ter ido para a cadeia. E também quer favorecer sempre a mesma turminha, os companheiros dele. Eu acho que tudo o que o Lula fala é mentira. Tudo soa falso, é tudo demagogia. Ele não é confiável. Você viu a primeira coisa que ele fez? Recebeu o presidente da Argentina. Por quê? Me diz, por quê? Nós sabemos a situação em que está a Argentina hoje. É isso o que ele quer para nós? O Lula é muito articulado, ele usa muito o emocional das pessoas e joga com isso. Sobre o que ele mente? Sobre tudo! São tantas coisas que fica difícil até de nomear. Por exemplo, no jornalismo. Você não percebe como o jornalismo já mudou? Todas as demissões da Jovem Pan, por exemplo. Eles faziam uma comunicação mais aberta, mostravam lados que a grande mídia esconde. E o que aconteceu? O Caio Coppola, que é um herói para mim — inteligente, culto, profundo, corajoso, bem preparado — foi demitido. O dono da rádio já sabe que vai ser pressionado pelo Lula e já o demitiu*. É tudo um jogo. Se eu acho que a eleição foi fraudada? Claro que sim. Olha, eu não prestava muito atenção nessa coisa da Nova Ordem Mundial, achava que era teoria da conspiração, mas depois que comecei a prestar atenção, fez todo sentido. As coisas vão se encaixando que nem em um quebra-cabeças. Hoje eu compreendo o jogo da política melhor. Por exemplo, eu recebi informações sérias de uma cidade no Nordeste com 30 mil habitantes, onde o Lula teve 32 mil votos*. Alguém falou algo? Saiu isso em algum lugar? Eu me relaciono com muita gente séria, gente que não inventa ou mente. Você vai descobrindo coisas, como o vídeo de Natal que o Lula já tinha gravado com os artistas da Rede Globo*. O Lula está com a Globo. Também tem a coisa da festa no Carnegie Hall, em Nova York, que já estava paga há tempos.* A gente acha que sabe das coisas, mas não sabe. Eu quero sair do Brasil porque vai ser muito difícil ficar por aqui. O Brasil é muito desigual. A gente paga tanto imposto, e para quem trabalha com a gente, que precisa de um SUS, é muito desfavorável ainda. Tenho uma amiga que mexe com agronegócio e está superestressada. E outra que é dona de uma escola de inglês e disse que nunca teve tanto aluno. É todo mundo querendo aprender uma língua para ir embora daqui. Portugal me encanta. Tenho amigos que já se mudaram para lá, vivem muito bem, tudo funciona lá. Culturalmente é muito rico, programas ao ar livre, fora que você está na Europa e é pertinho viajar para qualquer lugar. E tem a questão da língua. E do jeito que é parecido com o nosso. Eu, que sou mineirinha, gosto dessa coisa de receber os amigos, de estar junto. Como nossa moeda está muito desvalorizada, pensamos até em ir para Palmela, fora de Lisboa. É mais acessível e se tem qualidade de vida. Tem um problema: lá não se consome como aqui. Eu sou empreendedora, tenho loja, sei que não ia dar para ter meu negócio lá. As pessoas não compram tanto como aqui no Brasil. Se bem que os brasileiros que estão lá, compram. Da última vez que eu fui, uma amiga de uma amiga comprou tudo o que eu tinha levado na minha mala pessoal, mesmo roupa que eu já tinha usado. Ela disse para eu fazer um preço, que ela ia levar tudo. E levou. Se me incomoda o fato de Portugal ter um governo socialista? Até onde eu sei, as bases dos governantes portugueses são coerentes e legítimas. Fui nos protestos essa semana com meu marido debaixo de chuva. Ele até gripou. Cheio de crianças, velhinhos, uma gracinha, todo mundo comportado, lutando pela democracia. Muito comovente. Sim, eu sei o caso da deputada que saiu na rua com revólver, apontando para um homem. Sobre as pessoas que estão com ele, é aquilo: infelizmente são dois extremos. São dois lados radicais, mas o Lula quer desarmar as polícias*. Você acha isso certo? Aí só os bandidos que ficam armados? Olha, eu não sou Bolsonaro, mas ele peita o Lula, e eu acho isso bom. Agora, que ele é imaturo, ele é. Ele é emocionalmente muito infantil. No debate, por exemplo, podia ter isolado o Lula, apresentado os números bons do seu governo, mas não, foi imaturo. Sobre a deputada com a arma? Bem, na turma do Bolsonaro tem uns loucos. E na do Lula não tem? Aquela facada no Bolsonaro na campanha passada foi o quê?* A coisa é que, quando é contra o Bolsonaro, todo mundo fala. Contra o Lula, é silêncio. *Notas de rodapé:1) Os índices de criminalidade são medidos por crimes específicos, não no geral. O feminicídio disparou e aumentaram os crimes por arma de fogo no país. 2) Bolsonaro assinou indultos de Natal como outros presidentes. 3) O dono da Jovem Pan, Tutinha, afirmou que as demissões foram feitas por ele porque "a desobediência civil não sairá do meu bolso". 4) A informação de que cidades do Nordeste tinham registrado mais votos para Lula do que o número de habitantes é falsa e foi enviada em correntes no Zap pelo número (11) 976837490, segundo reportagem do Estadão. 5) O vídeo de Lula cantando com artistas da Globo foi organizado pela campanha do candidato, não pela emissora. 6) Não há registro de festa paga no Carnegie Hall. 7) Lula não prometeu desarmar as polícias. 8) As investigações do Ministério Público Federal concluíram que o autor da facada em Bolsonaro concebeu, planejou e executou sozinho o crime. PUBLICIDADE | | |