Uma longa reportagem na mais recente edição da revista americana The New Yorker procura mostrar quem é Bela Bajaria, a principal executiva da Netflix no campo de séries de televisão. É um texto altamente instrutivo para entender como a maior empresa de streaming do mundo encara a produção de séries e qual é a estratégia dominante no momento. O "perfil", como se diz no jargão jornalístico, é resultado de inúmeras entrevistas realizadas pela jornalista Rachel Syme com a própria Bajaria, com o chefe dela, Ted Sarandos, com profissionais que atuam abaixo dela e com fontes anônimas. O melhor da reportagem é a imagem que Bajaria apresenta para explicar qual é o tipo de série ideal que a Netflix busca produzir. Usando uma imagem gastronômica, ela diz que ambiciona sempre exibir um "cheeseburger gourmet", ou seja, um programa que seja ao mesmo tempo comercial, de fácil compreensão, mas com algo diferenciado, "premium". Na visão da Netflix, um exemplo perfeito de uma produção com estas características seria a série "Bridgerton", criada por Shonda Rhimes. É uma novelinha tradicional, que poderia ser exibida no horário das 6 da Globo, mas com pitadas de algo mais, uma sugestão de sofisticação. Chama a atenção na reportagem o fato de a executiva elogiar o braço mexicano da Netflix "por seu histórico recente de fazer novelas engenhosas que atraem grandes audiências fora das regiões de língua espanhola". Em diferentes momentos, a empresa já mencionou o interesse em fazer novelas também no Brasil, mas esse projeto nunca saiu do papel. Essa observação me fez pensar em "Todas as Flores", do Globoplay. Em muitos sentidos, a novela de João Emanuel Carneiro é um "cheeseburger gourmet". Trata-se de uma novela tradicional, com vilãs carismáticas e enredo fiel aos cânones do melodrama, mas com algo mais - diálogos afiados, com referências espertas, elenco excelente, produção caprichadíssima. Não à toa, a empresa decidiu lançar a novela originalmente em sua plataforma de streaming, e não na TV aberta, como seria esperado. Outro aspecto interessante da reportagem é a ideia de que a Netflix, no esforço de se manter no topo, está se tornando cada vez menos seletiva. Ao contrário, aposta em todos os gêneros. Sarandos disse à New Yorker que a estratégia da Netflix hoje é funcionar como uma soma dos canais HBO, FX, AMC, Lifetime, Bravo, E! e Comedy Central. Em outras palavras, tudo ao mesmo tempo. Quando você está tentando crescer o mais rápido possível em tantos lugares quanto possível, você não pode se dar ao luxo de apostar apenas no que o seu sexto sentido indica, disse o executivo. No final de reunião que a repórter acompanhou, Bajaria incentivou sua equipe a continuar ampliando as apostas: "Não é uma ciência. É um grande esforço criativo. Mas trata-se de reconhecer que as pessoas gostam de ter mais." O orçamento para conteúdo em 2023 é o mesmo do ano passado - US$ 17 bilhões, um valor astronômico. Mas, como observa a repórter, "pelos padrões distorcidos que a empresa estabeleceu para si mesma, qualquer coisa que não seja uma expansão rápida parece estagnação". Rachel Syme perguntou a Bajaria sobre seus programas favoritos, mas ela não se comprometeu. "Quero dizer, sou fã de TV. Eu trabalho na televisão. Eu observo as coisas de todo mundo", disse ela, acrescentando: "As pessoas têm gostos muito diferentes e não tenho desdém por quaisquer que sejam essas coisas. O que é qualidade? O que é bom ou não? Isso é tudo subjetivo. Eu só quero muito servir o público." PUBLICIDADE | | |