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'Rolezeiros' têm mais poder de compra do que os jovens das classes alta e baixa juntos

Renato Meirelles

Especial para o UOL

12/03/2014 06h00

O Brasil mudou. E não foi hoje. A estabilidade econômica do Plano Real,  seguida pelo intenso processo de distribuição de renda impulsionado, antes de tudo, pela geração de emprego e pelo aumento real do salário mínimo, fez com que milhões de brasileiros saíssem da miséria e entrassem no que se convencionou chamar de nova classe média brasileira, ou classe C. Falamos aqui de classe econômica, e não social. Falamos de 54% dos brasileiros, que movimentam por ano mais de R$ 1 trilhão.

A ascensão econômica permitiu às famílias perceberem que a vida poderia ficar mais confortável com a aquisição de bens e serviços, até então inalcançáveis. A compra dos produtos e o acesso a ambientes nunca antes frequentados significaram a materialização das mudanças e melhoria nas condições de suas vidas. Isso levou não apenas ao aumento do consumo, mas à democratização dos espaços de consumo como aeroportos, shoppings e restaurantes.

Acesso ao estudo

Cansamos de encontrar exemplos de mecânicos, faxineiras e operários da construção civil que falam, com orgulho, do primeiro universitário da família

A expansão econômica do Brasil deu-se por meio da redução das históricas desigualdades. Ou seja, quem sempre ganhou menos passou a ganhar mais. A renda da mulher cresceu mais do que a do homem, a do nordestino mais do que a do sulista, a do negro mais do que a do branco.

Essa reviravolta social começa a ter forte impacto entre os brasileiros que não tiveram a oportunidade de conviver com a hiperinflação ou com o medo do desemprego. Chamaremos de Geração C os jovens da nova classe média brasileira.

Suas famílias perceberam também que gastar em educação dos filhos é um excelente investimento. Não só no jovem, mas em toda a família. Ouvi de uma mãe: “melhor pagar escola do que o INSS”. A sabedoria popular traduziu o que nossas pesquisas no Data Popular mostram em números: a cada ano estudado, o salário aumenta, em média, 15,7%.

Os jovens também têm essa percepção. Para eles, o estudo garante o acesso ao mercado de trabalho e à tão sonhada estabilidade na vida, diminuindo a vulnerabilidade e garantindo um futuro próspero, sem tantas incertezas. Ao estudar, é como se tivesse a sensação de que possui armas para lutar e batalhar numa arena que continua desigual.

Discriminação

Jovens acreditam que se vestindo melhor serão bem atendidos nas lojas, terão mais chances em uma entrevista de emprego ou sofrerão menos batidas da polícia

Mais conectados e escolarizados que seus pais, os jovens mudaram e se tornaram referência dentro de casa. São os “provedores de conteúdo” da família brasileira.

Em nossas pesquisas, cansamos de encontrar exemplos de mecânicos, faxineiras e operários da construção civil que falam, com orgulho, do primeiro universitário da família. Sem nenhuma vergonha afirmam: “tudo o que eu quero saber, pergunto ao meu filho”.

Ostentação e rolezinhos

Essa expansão da classe média aproximou a periferia do universo das marcas “premium”. A grande maioria das pessoas prefere produtos de qualidade e acredita que o consumo de marcas “tangibiliza” a melhora de qualidade de vida, celebrada no funk ostentação.

A utilização de roupas e produtos de marca cumpre outro papel: a redução do preconceito a que esses jovens são, cotidianamente, expostos. Eles acreditam que se vestindo melhor serão bem atendidos nas lojas, terão mais chances em uma entrevista de emprego ou sofrerão menos batidas da polícia.

Os episódios dos “rolezinhos” mostram bem isso.  Os personagens são os mesmos que adquirem suas roupas de marcas nesses centros de compras. Barrar este público é dizer para essa importante parcela de consumidores - que têm poder de consumo de R$ 130 bilhões, mais que a soma das classes alta e baixa -, que eles não são bem-vindos. Cabe a indústria de shoppings enxergar esse fenômeno como uma oportunidade, tratando os jovens de periferia com a mesma generosidade que recebem os calouros de administração da USP.

Desigualdade

Quem sempre ganhou menos passou a ganhar mais: a renda da mulher cresceu mais do que a do homem, a do nordestino mais do que a do sulista, a do negro mais do que a do branco

Os “rolezinhos” nada mais são do que encontro de jovens e expõe, no mundo real, ídolos completamente desconhecidos pelas classes AB, mas com milhares de seguidores nas redes sociais. Essas celebridades escolheram o shopping - um local seguro, climatizado e com várias opções de consumo - para se encontrarem com seus fãs com o propósito, inicialmente, de lazer e diversão.

Cerca de 16,6 milhões de jovens vão aos shoppings pelo menos uma vez ao mês. A média nacional é de 3,3 vezes ao mês. Portanto, não é surpresa nenhuma a marcação dos encontros num shopping próximo às suas residências.

Com quase um terço do eleitorado, a Geração C veio para mudar o Brasil. Nasceram conectados, estudaram mais que seus pais, trabalham, acreditam ser protagonistas de sua própria história e estão mais preocupados com o futuro do que são gratos pela melhoria do passado. Esses jovens estão obrigando a velha guarda a rever os seus conceitos. Quem ganha com isso é o Brasil.

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