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Ensino superior foi atropelado pela sede de dinheiro fácil e votos

Especial para o UOL

24/03/2016 06h00

Ao ler a matéria na Folha, do último dia 7, “Mais universitários trancam cursos do que concluem graduação”, fiquei intrigado porque, para quem segue os cursos de graduação a partir das licenciaturas, isso era um dado real antes mesmo da enorme expansão das vagas a partir do primeiro governo Lula. 

A novidade –porque o novo é uma coisa, e a novidade, uma outra coisa– é que agora temos números alarmantes e manchete de jornal para uma realidade que já vinha minando o sistema de educação superior há um certo tempo.

O Brasil, sem que isso seja uma singularidade macunaímica, teima em inventar a roda a todo momento. Por que antes de expandir as vagas desordenadamente não se investigou as tendências de crescimento nos outros países? A resposta, infelizmente, é simples: interessava o número da expansão, e não a sua qualidade e verdadeira contribuição para o desenvolvimento nacional, que, em consciências sadias, seria o de se esperar do grande investimento na abertura de novas vagas na educação superior.

O embaraçante dos dados é que se constata que erraram grosseiramente tanto a iniciativa privada quanto o poder público. Em relação à iniciativa privada, poderíamos nos poupar da análise dizendo simplesmente que ela deveria ser, por definição, uma atividade de risco e que, portanto, os capitalistas do ensino superior arriscaram, perderam, e tudo bem. Mas numa embarcação como a brasileira, com furos por todos os lados, todo esforço mal planejado vai contra o conjunto dos interesses de todos.

Antes da invenção das cotas e do crescimento vertiginoso das vagas, as licenciaturas já faziam água há muito tempo. As licenciaturas, criadas e dirigidas, ainda hoje, sob a tutela ideológica das escolas pedagógicas, sempre estiveram aí como campo de estudos para saber-se o que poderia acontecer com a “expansão pela expansão”.

Nas licenciaturas, sempre sobraram vagas. Nas licenciaturas, sempre houve um número fora da curva, para cima, de trancamento de matrículas. Nas licenciaturas, as cotas sociais, econômicas e raciais sempre estiveram vigentes, mesmo que não estivessem no papel, pois a oferta sempre foi maior do que a procura, e a aluna e o aluno que lá chegaram, como regra, vinham de uma formação com lacunas.

Pois foi esse modelo desvirtuado que o Brasil, público e privado, decidiu seguir e expandir. Deu no que deu, por enquanto, pois se não houver uma forte correção de rumo e uma nova energia nos motores, a tempestade, que a meteorologia prevê que irá continuar, ainda fará com que ulteriores danos, rachaduras e gaps apareçam.

Gestão universitária

Em pinceladas velozes, quais as causas desse novo fracasso em área cantada em versos, trovas e slogans como essencial para o país? O voluntarismo. Voluntarismo que não deixa espaço para o discurso falso-moralista de que o sistema público não sabe planejar e é tomado pela corrupção –pobres santos empresários!

Tanto os gestores do sistema público educacional como os gestores das instituições privados deveriam calçar as sandálias da humildade –em terreno alagado, sandálias e humildade casam bem– e debruçarem-se nos estudos com a seguinte pergunta: o que aconteceu? Fomos atropelados por qual trem?

Uma resposta rápida, sem prejuízo dos resultados de estudos aprofundados, é que no setor público a sede eleitoral de imediatos votos falou mais forte, e no setor privado a sede de dinheiro fácil cantou mais alto. Mas se educação fosse matéria simples, não se precisaria estudar, não é verdade?

Essa matéria complexa –fundamental para o desenvolvimento nacional e de alto risco para o capital privado– no Brasil virou matéria de uma espécie de “diletantismo de congressos acadêmicos”. Isto é, de professoras e professores que preparam o seu texto para o congresso, e para a revista, arrazoando sobre gestão sem nunca terem estado na gestão e, coisa verdadeiramente maléfica, abominando a gestão.

Os órgãos financiadores de pesquisa têm prática igual. Nem CNPq, nem Capes, nem Finep, nem nenhuma FAP preveem financiamento na linha de formação em gestão. Gestão pública é para quem não quer trabalhar, é a mensagem subliminar que ronda a academia e os seus órgãos financiadores. Mas não tão subliminar, porque gestores universitários são tratados como porteiros ou, numa boa hipótese, síndicos de prédios. Sim, há os que resistem.

O absurdo da coisa é que quem estabelece essas regras, condutas e cultura são os gestores. É um autocastigo, uma perversidade cometida contra eles mesmos e contra a nação, mas que segue a onda. Só que a onda, às vezes, afoga, como estamos vendo. Ou o Brasil acorda –o barulho é grande, ele só não acorda se estiver morto– e financia e valoriza a formação de gestores em educação superior, além de aproveitar a massa crítica já existente, ou a colisão contra o escolho, que já está à vista, será inevitável.

Duas notas; 1) joguei no buscador do portal do MEC (Ministério da Educação) a frase “Sinopses Estatísticas dos Censos da Educação Superior” e nenhuma resposta deu em tais censos. Joguei no Google e os encontrei no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), que é uma autarquia federal vinculada ao MEC e que tem um portal próprio que não está “vinculado” ao MEC! São “detalhes tão pequenos”, mas que ilustram bem como se dá o “planejamento” ou a falta de, no Brasil;

2) discorro com mais fôlego e mais espaço sobre este e outros temas da educação superior em artigo intitulado “Sistema universitário ‘de assistência social’ é máquina de enxugar gelo”.

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