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Estado, mercado e sociedade civil não precisam ser inimigos

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Imagem: Getty Images

Especial para o UOL

15/11/2016 06h00

No dia 31 de outubro, Claudio Bernardes escreveu na Folha que a Nova Agenda Urbana, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável (Habitat 3), fez um chamado à “sociedade para desempenhar seu papel na importante tarefa de proporcionar oportunidades, bem-estar e prosperidade a todos”, na construção de cidades melhores.

O recado do documento é claro: a democracia deve ser a arena de mediação das expectativas das pessoas no que diz respeito ao futuro das cidades. No caso brasileiro, isso significa convencer o poder público de que as ouvir melhora a qualidade das políticas públicas.

Convencer as pessoas não deve ser algo restrito às campanhas eleitorais. Faz parte do cotidiano de administrar. Se o gestor público confia nos seus projetos, nada melhor do que compartilhá-los com o povo, que conhece melhor do que ninguém as dificuldades de viver na cidade. Se ele estiver convencido da solução, será parceiro de sua realização.

Não é algo fácil: enquanto se discute, a cidade acontece. Casas pegam fogo, o semáforo apaga, o ônibus demora para chegar e a escuridão das ruas gera insegurança. Mais recentemente, os órgãos da Justiça passaram a ter leituras próprias sobre políticas públicas, a despeito de sua precária legitimidade para tanto, e a judicialização se tornou uma realidade. Por isso, não basta só escutar. Fazer os debates certos e resolver problemas práticos é a postura que se espera de um bom prefeito.

Por que não pensar soluções baseadas em parcerias público-privadas? O caso dos parques públicos, discutido recentemente em São Paulo, é bastante simbólico. Evidente que não se pode importar modelos estrangeiros sem aclimatação. É fundamental construir regras claras, que impliquem na manutenção do caráter 100% público do espaço e, principalmente, no controle social e participativo de sua gestão. Se isso melhorar a sua qualidade e for menos oneroso ao Estado, por que não?

É preciso também iniciar o debate sobre cidades inteligentes e sustentáveis. Como introduzir soluções tecnológicas em mobilidade urbana, construção civil e energia? PPPs, licitações verdes, mudanças nas regras de concessão de transporte público que incorporem aplicativos de localização de ônibus, regramento e estímulo para que a construção civil adote preceitos de sustentabilidade e entenda que empreendimentos impactam o tecido urbano em várias dimensões, além do desenvolvimento de modelos mais eficientes de iluminação pública, ajudariam a melhorar a qualidade de vida nas cidades.

É indispensável, ainda, a criação de espaços de interlocução com Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, Tribunal de Justiça e Tribunal de Contas. Colocar todos à mesa para falar sobre as políticas públicas é uma forma democrática de melhorar modelos a partir da percepção de quem avalia a sua qualidade e, com isso, reduzir a judicialização. Ela custa tão caro quanto cuidar das execuções fiscais, outro problema que carece de novos modelos de gestão.

É preciso dissolver os focos de tensão existente entre os principais agentes de transformação da cidade. Estado, mercado e sociedade civil não precisam ser vistos como inimigos. Apostar nisso é entrar num jogo do tipo perde-perde, porque todos, de um modo geral, podem se beneficiar do desenvolvimento urbano.

Ao Estado cabe definir as regras do jogo. Ele não pode ignorar que o mercado, sem regulação, atua de maneira disfuncional. E nem que a exclusão territorial existe e, principalmente, custa caro. Para ele próprio, para a saúde do cidadão e para a produtividade do trabalhador. Produzir regras de maneira pactuada e engajar todos na sua fiel observação é sinal de uma democracia forte e madura, e o caminho mais seguro para cidades melhores.

Cidades pujantes, como São Paulo e Rio de Janeiro, ou mesmo Campinas, Santos e tantas outras cidades médias, têm todos os ingredientes para uma receita de sucesso: economia diversificada, sociedade civil forte, gente criativa. Não tem erro! Não são desafios simples. Mas os candidatos eleitos em 2016 terão quatro anos para mostrar que, ao menos, serão capazes de começar a executá-la.

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