Flexibilizar a jornada de trabalho favorece apenas o empregador
A precarização das condições de trabalho parece ser uma tendência que está alcançando níveis dos mais acentuados nos últimos tempos, sendo uma das mais recentes propostas aquela que institui a chamada jornada de trabalho móvel e flexível, que permite ao empregado receber apenas pelo tempo de labor efetivamente prestado e que deixa ao empregador a definição do período que será exigido a cada dia.
Trata-se de uma sistemática que gera uma completa insegurança ao trabalhador, pois não permite que este saiba previamente se será convocado para prestar serviço e muito menos por quanto tempo, o que resulta nos desconhecimentos de qual será o valor do salário a ser recebido e de qual é o verdadeiro nível remuneratório mensal.
Na prática, a medida acaba transferindo ao empregado –a parte mais vulnerável da relação jurídica– os riscos da atividade econômica e do empreendimento desenvolvido, que por natureza devem ser do empregador, por ser o titular dos meios de produção, conforme o art. 2º da CLT.
Os empregados evidentemente também têm as suas despesas mensais, sendo muitas delas fixas, assim necessitando saber com maior segurança e previsibilidade qual é o patamar de sua renda e não podendo conviver com tamanha incerteza.
Também se argumenta que a medida permitirá ao trabalhador ter mais de um emprego, o que a tornaria vantajosa para ambas as partes. Entretanto, esquece-se que a exclusividade, via de regra, não é um requisito do contrato de trabalho. Normalmente, nada impede que o empregado tenha mais de um vínculo de emprego, mesmo sendo fixo o horário de labor.
Na realidade, esse tipo de jornada de trabalho favorece exclusivamente o polo mais forte da relação de emprego, permitindo ao empregador a busca pelo lucro sem assumir o risco inerente à atividade desempenhada.
Além da ausência de demonstração científica de que a medida em questão é apta a reduzir os níveis de desemprego, em termos práticos, como o empregado irá conseguir conciliar mais de um emprego se não souber previamente qual período de trabalho lhe será efetivamente exigido, bem como quanto tempo por dia ainda terá disponível para realizar outras atividades?
Propostas como essa impressionam pelo grau de insensibilidade à incontestável perda de qualidade de vida dos trabalhadores. Elas geram impactos sociais profundamente negativos e graves prejuízos às pessoas que sobrevivem apenas de sua força de trabalho.
Com isso, corrompe-se a previsão legal e imperativa de que o período em que o empregado está à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, também é considerado como serviço efetivo. Portanto, como é evidente, não apenas o tempo de labor concretamente realizado, mas todo o período referido, por integrar a jornada de trabalho, também deve ser remunerado.
Ao se observar o atual cenário, é estarrecedor como a hegemonia do poder econômico tem alcançado a esfera política, que passa a se pautar exclusivamente pelo atendimento dos seus interesses, não se importando com o possível sofrimento em massa dos que não detêm os meios de produção.
O desemprego deve ser combatido com providências que incrementem a economia e fomentem a atividade empresarial, mas não com a precarização completa e sem limites das condições de trabalho.
Em momentos tenebrosos como este, só resta ao Direito impor a sua força normativa, deixando claro que medidas assim –ainda que almejadas por certos setores políticos e econômicos– não são válidas nem admitidas no Estado Democrático de Direito, sendo este fundado na dignidade da pessoa humana.
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