Erro na minuta do golpe ensina por que é ruim faltar às aulas de História
Para que aprender História? Para não passar vexame quando for tentar dar um golpe de Estado e o rascunho do decreto golpista vazar na investigação policial com erros mirins.
A minuta de golpe apresentada por Bolsonaro aos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, de linguagem empolada e contorcionismos retóricos e jurídicos para justificar o injustificável (fim da democracia), careceu de uma revisão que poderia ter sido feita por um estudante do ensino médio.
Um exemplo: "Não à toa, encontramos ao longo da história algumas ideias convergentes ao apelo de nosso discurso (...) No Iluminismo, a necessidade de 'resistência às leis injustas' já era uma ideia defendida por Tomás de Aquino", aponta um trecho da minuta de golpe que havia sido encontrada no celular do tenente-coronel Mauro Cid.
Na verdade, o teólogo e filósofo Tomás de Aquino (1225-1274), que aliou a filosofia aristotélica ao cristianismo, morreu no século 13 e o Iluminismo, que valorizou a razão em detrimento da fé, foi um movimento cultural, filosófico e científico que teve seu auge na Europa no século 18. Tem 400 anos ou mais (a depender do marco de início do Iluminismo) entre um e outro. É como dizer que o general Braga Netto fundou o Recife.
Há também outros erros no texto, principalmente jurídicos. OK, todos nós, invariavelmente, erramos, então não seria o fim do mundo. A menos, claro, que você esteja, desculpe o termo, "cagando regra", com linguagem empolada e contorcionismos retóricos e jurídicos para justificar o injustificável. Daí, o mínimo que se espera é a dignidade de checar as informações uma vez que já faltou decência no geral, considerando a natureza criminosa do documento.
Em seu relatório, a Polícia Federal dividiu a conspiração bolsonarista para tentar dar um golpe de Estado em seis núcleos, dos quais um era dedicado a dar fundamentação jurídica ao plano. Este certamente se vê como intelectual — o que lembra que o limiar entre a arrogância e a burrice pode ser tênue. Muito tênue.
A proposta de decreto golpista, que termina com a decretação de estado de sítio e de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), dando poderes aos militares para intervirem no Tribunal Superior Eleitoral, foi apresentada inicialmente por um dos 37 indiciados pela PF, Filipe Martins — assessor de Bolsonaro em dezembro de 2022.
Não há certeza sobre quem teria sido o pai ou a mãe da criança. O advogado Amauri Feres Saad, um dos indiciados, é apontado como colaborador de uma das minutas. De acordo com a PF, ele é "autor de obra sobre a aplicação desvirtuada e radical quanto a utilização do artigo 142 da Constituição Federal". Os bolsonaristas citam esse artigo, que diz respeito às funções das Forças Armadas, para alucinar sobre um falso poder moderador.
E José Eduardo de Oliveira e Silva, padre em Osasco (é isso mesmo que você leu, um padre), também teria colaborado na elaboração do texto e aparece na lista de indiciados. Há suspeitas de mais nomes, envolvendo professores de direito - que, pelo visto, não conhecem muito bem nem Tomás de Aquino nem o Iluminismo.
O então presidente editou e enxugou o documento, que acabou rechaçado pelo general Freire Gomes e o brigadeiro Baptista Júnior, comandantes do Exército e da Aeronáutica. Mas aceito pelo da Marinha, almirante Almir Garnier, outro indiciado.
Fizeram bem os dois comandantes. Mostraram que sabem o mínimo de História, ao contrário de quem redigiu o documento.