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ANÁLISE

De Caetano a Emicida, artistas usam o capital simbólico pelo meio ambiente

Emicida e Caetano Veloso. - Divulgação / Evandro Fióti
Emicida e Caetano Veloso. Imagem: Divulgação / Evandro Fióti

Especial para o UOL

09/03/2022 13h06

Artistas, ambientalistas e outras lideranças de movimentos sociais e indígenas se reúnem em Brasília, nesta quarta-feira (9), para o Ato Pela Terra, que terá participações de Caetano Veloso, Emicida, Maria Gadú, Criolo, Letícia Sabatella, Lázaro Ramos, Alessandra Negrini, além de organizações como o Greenpeace, WWF, Coalizão Negra por Direitos, MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Ação da Cidadania, entre outros. O objetivo é denunciar um conjunto de medidas - chamadas de Pacote da Destruição - que, se aprovadas, terão grande impacto ambiental e sobre as populações que vivem nas áreas de floresta.

A estratégia da classe artística para engajar seu público nas lutas sociais ou em questões ambientais não é nova. Lembremos que durante a ditadura civil-militar (1964-1985), artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré, entre outros, enfrentaram a censura e a repressão do regime para protestar, através de suas músicas, contra o regime instaurado no Brasil. Muitos foram presos e exilados do país.

Nas lutas pela redemocratização, a mobilização contou com nomes como Moraes Moreira, Elba Ramalho, Gal Costa, Beth Carvalho, Alceu Valença, presentes no show do Riocentro, em 1981, quando uma bomba explodiu no estacionamento do local. A MPB foi um grande veículo na articulação da oposição à ditadura devido à capacidade de aglutinação de pessoas pelos artistas.

Gilberto Gil, durante comício pelas "Diretas Já" em 1984, na praça da Sé, em São Paulo (SP). - Renato dos Anjos/Folhapress - Renato dos Anjos/Folhapress
Gilberto Gil, durante comício pelas "Diretas Já" em 1984, na praça da Sé, em São Paulo (SP).
Imagem: Renato dos Anjos/Folhapress

Assim também aconteceu durante as campanhas pelas eleições diretas no Brasil, as Diretas Já. Nomes de peso da MPB subiram nos palanques, assinaram manifestos, participaram de manifestações pela redemocratização no país, emprestando a sua voz e seu capital simbólico.

O engajamento continuou nas décadas seguintes, tendo como um dos seus pontos principais a questão ambiental sem abrir mão da discussão sobre a política nacional. Artistas subiram nos palanques dos candidatos à presidência da República durante as décadas de 1990 e os anos 2000.

Mais recentemente, atores e atrizes cerraram fileiras nos protestos contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2015 e 2016, assim como apoiaram a Operação Lava Jato. E até mesmo apoiaram a candidatura de Jair Bolsonaro para a presidência da República, embora muitos tenham se afastado nos últimos anos. Ou seja, a participação política da classe ocorre nos dois sentidos, na esquerda e na direita.

No caso dos movimentos mais recentes, a partir da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), essa militância artística precisa ser compreendida num contexto de desmantelamento do Ministério da Cultura - hoje Secretaria Especial da Cultura, sob o comando do ator Mário Frias - e dos ataques de membros do governo a artistas que lhe fazem oposição. Na mira estava a Lei de Incentivo à Cultura, ou Lei Rouanet.

Na narrativa defendida durante a campanha presidencial de 2018, na qual falava em "acabar com a mamata", o então candidato Jair Bolsonaro apresentava a Lei Rouanet como um dispositivo para transferir dinheiro público para os artistas - na verdade, a lei previa isenção fiscal para empresas que patrocinassem projetos culturais.

Indígenas fazem marcha em Brasília ato contra ação que ameça direito sobre terras em processo de demarcação. - Amanda Perobelli/Reuters - Amanda Perobelli/Reuters
Indígenas fazem marcha em Brasília ato contra ação que ameça direito sobre terras em processo de demarcação.
Imagem: Amanda Perobelli/Reuters

Nos anos seguintes, as verbas para a Cultura também foram progressivamente enxugadas, e só em 2019 diminuíram 43%, e deixou-se de investir mais de R$ 700 milhões no audiovisual. Mesmo quem apoiava o governo Bolsonaro sentiu na pele os efeitos dessa política de desmantelamento da área cultural nos últimos quatro anos. Não é coincidência que alguns artistas, conhecidos por silenciarem em relação ao atual governo federal, estejam se manifestando em seus shows e redes sociais atualmente.

O poder da cultura, do ontem e de hoje

Com a aproximação do final do governo Bolsonaro e as incertezas quanto à sua reeleição, sobretudo após as últimas pesquisas eleitorais, há movimentações para apressar a aprovação do que tem sido chamado de Pacote da Destruição, uma série de projetos de leis que devem impactar diretamente o meio ambiente e as comunidades indígenas.

Esse seria o momento oportuno do governo federal para "passar a boiada", relembrando a frase do ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial de 22 de abril de 2020, de que o governo deveria aproveitar enquanto a imprensa estava mais preocupada com a cobertura da pandemia para "passar a boiada" em projetos de desregulamentação e simplificação de regras ambientais - o que inclui a exploração de territórios tradicionais.

Na urgência do momento, algumas alas da classe artística brasileira retomam sua característica de posicionamento político e buscam chamar a atenção da população para os impactos perversos dessas possíveis aprovações. Além de nomes já conhecidos da MPB, uma nova geração de artistas com engajamentos em outras vertentes artísticas também emprestam suas vozes ao Ato Pela Terra, desta quarta-feira.

Para compreender as razões pelas quais o Ato Pela Terra mobiliza tantos artistas é preciso explicar sobre esses PLs (projetos de lei), encabeçados pela bancada ruralista do Congresso. Grosso modo, eles permitem a exploração de territórios indígenas para o agronegócio, construção de rodovias, instalação de hidrelétricas, empreendimentos de grande impacto nos territórios tradicionais. Também flexibilizam o uso de agrotóxicos - um dos PLs prevê a mudança do termo para "pesticida", menos depreciativo, nas palavras do deputado Luiz Nishimori, relator do projeto na Câmara dos Deputados -, aumentando o poder do Ministério da Agricultura na autorização de novos produtos. Por fim, retomam, inclusive, a discussão sobre o Marco Temporal.

A estratégia de mobilização, não apenas presencialmente em Brasília, como também nas redes sociais, pode gerar a repercussão necessária na sociedade civil para frear o avanço das políticas de destruição do meio ambiente e do avanço sobre os territórios indígenas. É nisso que os artistas apostam.

*Carlos da Silva Júnior é integrante da Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros.