A inelegibilidade de Bolsonaro perante o TSE e a Justiça Eleitoral
Há pelo menos 20 anos o TSE construiu uma interpretação bastante rigorosa sobre o abuso de poder político em campanhas eleitorais. Autorizada também pela Lei da Ficha Limpa, que tornou as ações de cassação mais eficazes, a Justiça Eleitoral chegou à média de uma cassação de prefeito por semana, muitos deles por abusarem de seus cargos para tentarem se reeleger ou elegerem aliados. Aplicando a Constituição, o TSE sempre se pôs como protetor da igualdade de oportunidades e da liberdade do voto do eleitor, anulando mandatos viciados pelo abuso e a ilegalidade.
O que Bolsonaro fez nos últimos anos - especialmente em 2022 - para tentar se reeleger não tem precedentes. O ex-presidente praticamente "gabaritou" as ilegalidades previstas na lei eleitoral: atacou sem provas e para o mundo o sistema eleitoral e o TSE, usou de meios de comunicação públicos para se promover, empregou recursos públicos para financiar motociatas e comícios para seus apoiadores, ampliou benefícios sociais às vésperas do período eleitoral e, no dia do pleito, promoveu blitzes em rodovias onde seu adversário Lula tinha melhor votação. Isso tudo sem falar na intrincada rede de disseminação de fake news que o favoreceu desde 2018, esquema que ainda aguarda uma elucidação plena, fora da Justiça Eleitoral.
Como não há mais mandato a cassar, restaria a Bolsonaro ter aplicada contra si inelegibilidade por 8 anos, um morticínio político ao ex-presidente. Essa decisão, mesmo em relação a prefeitos de municípios pequenos, nunca é simples, apesar de recorrente. No caso de um presidente da República, será inédito. A questão, portanto, envolve muito mais do que os interesses eleitorais de Bolsonaro: envolve a honorabilidade e a história do próprio TSE.
Fosse qualquer mandatário que não o presidente da República, a cassação nesse cenário seria certa e, provavelmente, aplicada ainda antes do fim do pleito. Bolsonaro sabia disso, mas contava que, se eleito, o TSE não teria força para retirá-lo do cargo. Agora, como não tem mais a Presidência e os ouvidos moucos da PGR para blindá-lo, não há mais qualquer obstáculo para que o TSE julgue Bolsonaro como sempre julgou todos os abusadores da máquina. A condenação, por qualquer dos motivos postos, é quase certa e nem poderia deixar de ser.
Absolver Jair Bolsonaro seria premiar o mais vergonhoso uso eleitoreiro da máquina já visto desde a redemocratização. Para a história da Justiça Eleitoral, seria uma demonstração de hipocrisia de quem cassou centenas de candidatos e administradores sem tergiversar, frente a abusos muito menores. Para seu futuro, seria restabelecer nas eleições do país a regra do "rouba mas vence" -infeliz variação do "rouba mas faz". Seria dar carta branca a qualquer administrador para o vale tudo nas eleições, ignorando a boa gestão da coisa pública.
Por isso, deixar Bolsonaro inelegível, além de ser a decisão correta, é questão de sobrevivência da própria Justiça Eleitoral e, por que não, da democracia brasileira.
*Luiz Eduardo Peccinin é advogado e doutorando em direito pela UFPR e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político)
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