O mito das Danaides é uma história da mitologia grega que narra a punição de 50 irmãs, filhas do rei Danao. Elas foram forçadas a se casar com seus primos. Temendo que seus genros usurpassem seu poder, o rei ordenou que suas filhas assassinassem seus maridos na noite de núpcias¹. Como castigo pelo assassinato, as irmãs foram condenadas a uma tarefa impossível e eterna: encher ininterruptamente um tonel furado de água.
O mito carrega simbolismos profundos relacionados à opressão das mulheres, que se encaixam aos dias atuais, revelando a natureza simbólica da vida e a previsibilidade dos comportamentos humanos. Segundo a mitologia grega, os mitos constituem arquétipos (modelos) enraizados no inconsciente coletivo da humanidade, e por isso se repetem.
A luta das mulheres para conquistar um lugar na política e em outros espaços de poder tem se parecido com a punição das Danaides. Uma tarefa interminável, tal qual a de Sísifo, condenado a empurrar uma pedra enorme morro acima, mas toda vez que chegava ao topo, a pedra rolava de volta para baixo. Assim também, as mulheres se veem obrigadas a recomeçar a luta pelos seus direitos que nunca se efetivam.
Perpetuando a tradição de dificultar o acesso das mulheres ao poder, surge a PEC 09/23, que isenta os partidos políticos de sanções quando violarem a cota mínima de recursos destinados a candidaturas femininas e de pessoas negras em 2022.
A título ilustrativo, vale mencionar que para a eleição de 2022, o valor do Fundo Especial de Financiamento de Campanha foi de quase R$ 5 bilhões, e o Fundo Partidário distribuiu mais de R$ 1 bilhão para 24 partidos.
Contrariando os princípios fundamentais da igualdade, da moralidade, do pluralismo político, da cidadania, e também os princípios republicano e democrático, em 16 de maio, a PEC foi aprovada pela maioria da CCJ da Câmara dos Deputados, que deveria analisar a constitucionalidade da medida. Foram 45 votos a favor e apenas 10 votos contra.
Tal qual o castigo eterno imputado às Danaides, o retrocesso se instala, de forma que as mulheres seguem enchendo incessantemente de água o tonel furado de seus direitos constitucionais.
¹ Todas obedeceram, exceto uma, Hipermnestra que se apaixonou pelo marido.
Débora do Carmo Vicente é mestre em direito pela UFRGS, servidora do TRE-RS, coordenadora da Comissão de Participação Feminina Institucional do TRE-RS e integrante do Instituto Gaúcho de Direito Eleitoral (Igade) e da Abradep.
Lígia Vieira de Sá e Lopes é especialista em direito eleitoral PUC-MG, servidora TRE-CE, assistente da ouvidoria do TRE-CE e integrante da Abradep.
Raquel Cavalcenti Ramos Machado é doutora em direito pela USP, mestre em direito pela UFCE, advogada, professora, integrantes do Instituto Cearense de Direito Eleitoral (Icede), da Comissão de Direito Eleitoral da OAB, da Abradep c Coordenadora da área acadêmica da Transparência Eleitoral Brasil.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.