OPINIÃO
As consequências práticas para São Paulo se a Sabesp for privatizada
Hélio Rodrigues e Mario Maurici de Morais*
Especial para o UOL
08/11/2023 04h00
Muito se tem discutido sobre a necessidade ou não de privatizar a Sabesp, em um debate cercado pelas ideologias acerca do papel do Estado em relação à prestação dos serviços públicos. Pouco se tem dito, no entanto, sobre as consequências práticas para a cidade de São Paulo decorrentes de uma eventual privatização.
Está em vigor um contrato entre a prefeitura e a Sabesp, firmado em 2010, que transfere à sociedade de economia mista a concessão dos serviços de água e esgoto da cidade até 2040. Conforme previso no art. 28 da Lei das Estatais (Lei nº 13.303/16), empresas públicas e as sociedades de economia mista são dispensadas de licitação prévia para comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, obras ou serviços especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais.
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Como foi realizado sem licitação, o contrato tem uma cláusula com uma hipótese de rescisão do contrato em caso de privatização da empresa, mais especificamente na alínea "g" da cláusula 68 do documento, que prevê a rescisão automática do contrato caso ocorra a "transferência do controle acionário da Sabesp à iniciativa privada". Trata-se da chamada "cláusula antiprivatização", que tem recebido alguma atenção da opinião pública.
A cláusula também prevê a imediata reversão para o município de todos os bens necessários à prestação dos serviços, o que inclui adutoras e reservatórios.
O prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que vai abrir mão da cláusula antiprivatização (o que pode configurar ato de improbidade administrativa por lesão ao erário) e que pretende prorrogar o contrato por mais 20 anos (até 2060), sem nenhuma contrapartida para a cidade. Isso só encontra explicação no interesse do prefeito em conseguir apoio do governador à sua campanha de reeleição no próximo ano, já que o balanço da Sabesp indica que a operação da empresa na capital rende um lucro de cerca de R$ 1,5 bilhão por ano. Ou seja, a cidade de São Paulo estaria renunciando a R$ 30 bilhões.
Além disso, é preciso considerar que tal aditamento consiste em uma clara violação ao dever constitucional de licitar da administração pública; justamente o princípio que é preservado pela cláusula antiprivatização do contrato. A pretensão, portanto, é flagrante ilegal.
Caso a Sabesp venha a ser privatizada, o contrato com a Prefeitura de São Paulo deve ser rescindido e a prefeitura deve assumir toda a estrutura necessária à prestação do serviço. Caberá então ao município decidir pela criação de uma empresa pública para a prestação do serviço ou pela abertura de uma licitação para selecionar a melhor oferta de concessão, em um processo do qual eventualmente participarão a Sabesp privatizada e todas as outras empresas brasileiras que se dedicam ao serviço de saneamento.
Qualquer roteiro diferente desse fere a legalidade, os interesses da população e encontrará resistência da Câmara Municipal, do Tribunal de Contas do Município e do Judiciário.
*Helio Rodrigues, 54, é vereador na cidade de São Paulo pelo PT. Formado em Obras Hidráulicas e pós-graduado em economia, é presidente do Sindicato dos Químicos de São Paulo.
*Mário Maurici Lima de Morais, 62, é deputado estadual de São Paulo pelo PT. Jornalista, mestre em administração pública, foi prefeito de Franco da Rocha e presidente do Ceagesp.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL