OPINIÃO
Chama o VAR! Nunes quer juiz em debates para evitar efeito Marçal
Matheus Pichonelli
Colunista convidado
21/08/2024 05h30
Ricardo Nunes (MDB) acaba de tirar da cartola uma solução para garantir o uso adequado dos talheres nos debates entre candidatos à Prefeitura de São Paulo. Trata-se de uma vacina antiPablo Marçal, candidato do PRTB que transformou a eleição em picadeiro e levou três dos postulantes a boicotarem o último encontro, promovido pela revista Veja, na segunda-feira (19).
A ideia? Levar representantes da Justiça Eleitoral aos embates para policiar a disseminação de fake news e garantir a punição aos infratores.
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Faltou explicar como o sistema funcionaria. Uma das fake news espalhadas por Marçal, por exemplo, acusa adversários de serem usuários de drogas. Como o juiz decidiria a quente a questão? Com auxílio de equipes antidoping de plantão? Com uma cabine de VAR para checar, em tempo real, as linhas de impedimento entre verdades e mentiras?
"A gente tem visto muito os TREs falando de combater fake news. Só que elas estão acontecendo constantemente, inclusive ao vivo e a cores no debate", queixou-se Nunes.
O fiscal em campo, afirma o prefeito, garantiria não só a lisura do jogo como o próprio exercício da democracia —aquele jogo disputado em tribunais no qual o magistrado só deveria tomar a decisão após o devido processo legal, com acusação, amplo direito de defesa e do contraditório?tudo o que leva um pouco mais de 30 segundos de direito de resposta (spoiler: os organizadores de debates do tipo já contam com equipes que decidem e analisam o que é ou não infração).
Mas Nunes tem pressa. Os debates em São Paulo estão, afinal, contaminados por um candidato que, segundo ele, confunde campanha com jogo de videogame. E que está se divertindo na rede social, fazendo todo mundo de trouxa. "E o grande palhaço dessa história é ele. Ele está ali no picadeiro", acusou.
Todos sabem de quem ele está falando.
Até a introdução do VAR, partidas de futebol (algumas) tinham uma certa emoção antes de virarem palco de discussões intermináveis sobre irregularidades corrigidas diante das telas. Os debates políticos nem isso têm. Se pararem a todo instante para checagem do lance, não terminariam antes de outubro —"não, este candidato não é satanista", "carteira de trabalho não configura objeto de exorcismo", "diz que tem fé, mas não passou no teste do Pai Nosso"...
Na prática, os magistrados se tornariam babás de grandalhões que não sabem se comportar diante dos coleguinhas. Parece a pior profissão do mundo. E é.
Marçal é antes o sintoma do que a causa da deterioração democrática citada por Nunes.
Com sua produção industrial de bobagens e cortes para o Instagram, ele é também um desafio para adversários, organizadores dos debates, cobertura jornalística e agências de checagem —estas sim, atoladas de trabalho a cada encontro entre candidatos.
Na ponta disso tudo está a Justiça Eleitoral.
Nunes exige que esses juízes assumam todos esses papéis em tempo real. E este é mais um sintoma da deterioração democrática: quando o debate, já com regras próprias, se infantiliza a tal ponto que passa a exigir tutela e sentenças a jato para poder funcionar.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL