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OPINIÃO

Intimação do STF a Elon Musk em rede social é absolutamente legal

STF deu prazo de 24 horas para dono do X indicar representante legal no Brasil Imagem: Clodagh Kilcoyne/Reuters

Wilton Gomes

Colunista convidado*

29/08/2024 16h05

A discussão sobre a validade de citações e/ou intimações por meios eletrônicos em nossos tribunais não é nova.

A partir de 2017, quando o Conselho Nacional de Justiça aprovou o uso de ferramentas tecnológicas para a comunicação de atos processuais, a citação e a intimação por meio de aplicativos de mensagens (WhatsApp) ou redes sociais (Instagram, Facebook ou Twitter, atual X) ganhou muita força e resultou na edição da Resolução CNJ 354/2020.

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Não se confundindo citação com intimação, é importante que se inicie tomando-se por base que a intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, como dispõe o artigo 269 do Código de Processo Civil.

As intimações, portanto, tanto quanto a citação, validam o andamento processual no que concerne à promoção do contraditório e da ampla defesa, em ambiente de absoluto devido processo legal.

A questão, no entanto, neste exato momento de acalorado debate acerca da forma utilizada pelo STF para a intimação discutida, é que não há uma lei de âmbito geral, federal, no caso, quanto ao uso desta forma de intimação. Não há determinação específica no diploma processual civil que permita o seu uso, ou melhor, que permita intimações via redes sociais, uniformalizando, deste modo, a permissão da adoção destas vias de comunicação processual, em qualquer instância judicial, até mesmo permitindo ações que tramitam no STF ou em qualquer outro tribunal, originalmente ou por força de recursos, lancem mão dessa forma de intimação.

A intimação de Elon Musk, via X, por meio de seu perfil pessoal, e mais, as respostas lançadas por ele, dando prazo a que se constate que de fato ele "recebeu" a intimação, que esta é de seu conhecimento incontestável, seria suficiente para a convalidação da intimação processual, a despeito de não estar prevista em lei federal e parecer atípica.

É exatamente aqui que reside a eventual discussão da forma em detrimento do conteúdo, ou, mais fácil de compreender, a limitação formal em face de ter um ato atingido efetivamente seu objetivo, sem qualquer prejuízo à parte interessada. E, ademais, diante de tudo o quanto se discute acerca do tema em nossos tribunais, talvez é chegado o momento de tais questões, em casos atípicos como este, não ensejarem que outros princípios processuais tenham preponderância.

Ao que parece, no caso em questão, há que se dar um passo adiante na aplicação das normas processuais e, sobretudo, dar-se necessária atenção ao fato de que as redes sociais são hoje uma realidade instransponível. Nelas, seus usuários se autolegitimam pessoalmente, comprovando darem aos seus perfis contornos sociais quase confessionais, sendo eles mesmos que usam as plataformas para alardiar suas agruras, suas conquistas e se posicionarem na sociedade através de suas ideias e posições. E, mais importante que isso, é um meio absolutamente usual de se encontrar de fato quem envia e o destinatário de toda e qualquer mensagem.

Ora, sob o prisma dos princípios do direito processual, se a comunicação se deu de modo inequívoco e sem prejuízos à parte, ela é válida, conforme já defendido pelos nossos tribunais.

Ademais, no âmbito do processo civil, a regra é a da liberdade das formas, e, ainda que os limites a esta liberdade se encontrem na própria lei, a questão há de ser vista sob ângulo positivo, qual seja, da convalidação, desde que o ato tenha alcançado a sua finalidade, sem qualquer prejuízo à parte.

O artigo 188 do Código de Processo Civil prevê expressamente a liberdade das formas, o que vale dizer que, exceto quando houver exigência expressa da lei, os atos poderão ser conduzidos de qualquer forma, desde que atendidos seus objetivos, sua finalidade.

No caso comentado, tudo indica que o empresário Elon Musk se deu por intimado a cumprir a ordem que lhe foi encaminhada via X, e mais, caso seja invocada a anulabilidade de tal intimação, há que se colocar na balança que a supremacia de um suposto vício formal sobre a materialidade em si da comunicação de um ato processual, como aqui se deu, é permitir a inversão de valores processuais caríssimos ao nosso sistema.

Ainda que haja a possibilidade de discussão da anulabilidade da intimação ora comentada, o caso tem contornos mais graves e sim, devem ser sopezados os princípios da comunicação dos atos processuais e do contraditório aqui aperfeiçoados em detrimento de vícios formais.

Dispõe o artigo 277 do mesmo diploma processual até aqui discutido que, "quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade". Eis aqui encampado o Princípio da Instrumentalidade das Formas.

Ainda que a intimação pelas redes sociais seja complexa, há inúmeros entraves para que se apure se o destinatário recebeu de fato a intimação. No caso em apreço, não nos parece haver dúvidas de que além de ter sido recebida a intimação pelo X e seu proprietário, este vem se valendo da própria plataforma digital para lançar "respostas" e ameaças ao sistema legal e judicial do Brasil, não obstante o faça personificando seus inimigos, de modo infantil e abjeto.

Portanto, mais que responder que a forma de intimação utilizada pelo juiz da causa é válida, há que se debruçar sobre fato incontestável, pois no presente caso, em nome da liberdade das formas e da efetiva comunicação dos atos processuais, dentro do contexto da instrumentalidade das formas que marca o arcabouço processual pátrio, a intimação se deu em ambiência de absoluta legalidade. O destinatário foi encontrado justamente onde propõe que o façam, pois é nas redes sociais que ele, pessoalmente, como salta aos olhos, de modo público e "sui generis", atípico, portanto, vem se dando por ciente dos fatos e mostrando como pretende litigar em território nacional.

* Wilton Gomes é mestre e doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e sócio titular do escritório Wilton Gomes Advogados

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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