Você Manda: internautas lembram dia do golpe de 1964 e o regime militar

Você lembra como foi seu dia na data do golpe de Estado? Você teve alguma experiência marcante vivida durante a ditadura militar (1964 - 1985) no Brasil? Sua vida foi afetada pelo regime militar? Envie a sua história ou da sua família para o UOL pelo vocemanda@uol.com.br. Informe seu nome completo, cidade e conte um pouco como tudo aconteceu. Fotos também podem ser enviadas. É preciso indicar a data em que a imagem foi feita. As imagens e as informações poderão ser publicadas pela Redação do UOL. Leia abaixo alguns dos relatos enviados pelos internautas do UOL.

Participação anônima na queda da ditadura

Por Neli Aparecida de Faria

Era pequena,dez para onze anos, em 1964, e acordei na manhã de primeiro de abril , em Cornélio Procópio, Paraná, ouvindo na Rádio Cornélio que João Goulart (e eu amava a Maria Tereza!),havia sido derrubado.

Perguntei para a mãe, na época com seus 44 anos: "É mentira, mãe, que derrubaram João Goulart?"

A mãe, com a sua sabedoria, respondeu com o seu sotaque mineiro: "Não, 'eis' (eles) não brincam com isso!!!"

Pior é que ela não errou!

A seriedade durou só 21 anos...

Então, para mim, a queda de João Goulart, desde o primeiro dia, ocorreu em primeiro de abril de 1964...

Já em São Paulo, participei da manifestação de 1968 da avenida São João até a Igreja da Consolação, onde me escondi, porque a polícia chegou para reprimir...

Vi a correria dos estudantes em meados dos anos 1970, ali na rua Direita.

Participei do Movimento contra a Carestia em 1977 (a Praça da Sé recheada de militares e nós nos escondemos dentro da Igreja...), na invasão da PUC (pouco que eu não estaria lá porque iria fazer inscrição para um curso) [...].

Participei das Diretas Já no Pacaembu e na Praça da Sé. No Anhangabaú não deu porque estava trabalhando...

E na votação?

Ao sair do trabalho, fui caminhando da Praça da República até a praça da Sé e vi que a polícia do Michel Temer (que era secretário de segurança pública do governador [Franco] Montoro) havia jogado bomba de efeito moral em quem reclamara do resultado da Emenda das Diretas, no Largo São Francisco...

Que ninguém leia, mas, à noite, toda indignada, telefonei para a casa dele e lhe dei uma xingada daquelas...no dia seguinte ele foi à faculdade e pede desculpas. Ainda bem que na época não tinha "bina".

Tudo como uma anônima brasileira...por isso, também tive participação na queda da ditadura...

Meu Deus! Como o tempo voa!

Temor de me tornar jornalista

Por Radoico Câmara Guimarães

Em 1964 eu ainda iria fazer 13 anos quando ocorreu o golpe militar. As pessoas comentavam o levante, mas estranhei, pois nada acontecia no meu bairro, parecia tudo normal. Meu falecido pai, que trabalhava à noite como jornalista, me disse que os tanques estavam na rua no centro do Rio e havia movimento de tropas em São Paulo.

Não me lembro se ficamos ou não sem aula durante alguns dias. Eu estudava no ginásio estadual, mas o clima na escola era de expectativa, de alerta. A situação, na nossa imaginação de pré-adolescentes, era de curiosidade e emoção.

Meus pais fizeram uma limpeza nos papéis que guardavam. Rasgaram e queimaram um pilha de documentos, com a minha ajuda -- minhas irmãs eram ainda muito pequenas.

Algum tempo depois as consequências do golpe surgiram para nós. Meu pai, Radoico Nogueira Guimarães, era jornalista político, havia sido editor do jornal do Partido Comunista Brasileiro "A Voz Operária" e ele e minha mãe tinham se conhecido em atividades do PCB no final da década de 1940.

Um colega dele veio nos visitar e pediu a meu pai que fugisse, pois o governo estava perseguindo antigos comunistas. Meu pai não quis fugir, ninguém veio prendê-lo, mas ele perdeu o emprego. Segundo ele, foi proibido de exercer a profissão. Ficou seis anos vivendo de bicos até conseguir um novo emprego, na Folha, como revisor, em 1970. Era chamado pelos colegas de "professor", pelos seus conhecimentos da língua portuguesa.

Minha mãe, Eny Maria Câmara Guimarães, era funcionária pública, trabalhava como técnica pesquisadora na Faculdade de Medicina da USP, especializada em doenças tropicais. Foi obrigada a depor, queriam saber dela se os seus chefes, professores-doutores e pesquisadores da USP eram comunistas e se alguma vez haviam defendido a ideologia em conversas, mesmo que informais.

Obviamente, minha mãe mentiu, disse que jamais havia ouvido alguém falar desses assuntos na USP. Ela continuou trabalhando no Departamento de Parasitologia, porém, seus chefes e amigos, os doutores Ruth e Victor Nussensweige, Luiz Rey e Luiz Hildebrando Pereira da Silva tiveram que sair do país. Alguns meses depois, ela foi transferida para o Instituto de Medicina Tropical da USP e trabalhou lá até se aposentar.

Na época do golpe meus pais já estavam há muitos anos afastados de atividades partidárias. Devido à profissão de jornalista político, trabalhando nos Diários Associados, meu pai tinha muitos contatos com políticos, tendo, inclusive, trabalhado na campanha do Carvalho Pinto para o governo de São Paulo. Durante o governo Jango foi para a China com uma equipe do governo e entrevistou Mao Tsé Tung. Foi convidado a trabalhar na equipe do Adido de Imprensa do Brasil na China, mas, quando estávamos nos preparando para a mudança, estourou uma crise séria entre a URSS e a China e meu pai ficou com receio de uma guerra entre eles e declinou do convite, para alívio de minha mãe, que não estava gostando da história.

No final da década de 60, eu tinha que escolher meu futuro e balançava entre jornalismo e engenharia. Meus pais, com receio que eu escolhesse o jornalismo, uma profissão que eles consideravam perigosa naquela época, censurada, incentivaram-me a ser engenheiro, graças ao meu interesse sempre demonstrado pelas ciências, desde pequeno. Tornei-me, assim, engenheiro, mas sempre acompanhando a vida política e econômica do país e do mundo.

Militar na porta da sala de aula

Por Alexandre Hori

Bom, nasci em 1970 em Uberaba (MG), assim tenho poucas lembranças do período mais feio da ditadura, mas um fato específico me vem a memória. Em 1978, quando tinha 8 anos de idade, lembro que minha mãe teve uma conversa com minha irmã mais velha. Minha irmã mais velha participava de algum tipo de grêmio estudantil. E o teor da conversa era para que minha irmã "maneirasse" em seus posicionamentos ideológicos.

Veja que de maneira alguma acho que minha família se enquadrava como subversiva ou comunista. Pelo menos eu nunca vi ninguém defendendo abertamente esta posição, aliás, pelo contrário. Mas lembro de minha mãe ser contra latifúndios improdutivos...

Mais tarde, na adolescência depois de ter lido "Brasil: Nunca Mais" e um pouco mais politizado, tive uma excelente professora de história que chamarei de T, que um dia me confidenciou ter passado maus bocados nas mãos dos militares. Não sei de detalhes, mas creio que ela foi torturada/estuprada.

Também soube por relato de minha mãe (também professora de história e geografia), que um belo dia um soldado apareceu na porta de sua sala de aula. Ela o convidou para entrar e ele se recusou, porém, ficou na porta da sala. E minha mãe deu aulas por cerca de um mês com este soldado na porta. Ela contou também que no primeiro dia de soldado na porta, um aluno de oitava série perguntou:

"Professora, se alguém falar mal do governo esta pessoa pode ir presa?"

A resposta de minha mãe foi:

"Se uma pessoa falar mal do governo e não puder provar o que falou então ela pode ir presa. Agora se ela puder provar e mesmo assim ela for presa, então seria uma grande injustiça".

Fico pensando com meus botões que ainda bem que o soldado ficou apenas um mês. Pois se ficasse dois meses ouvindo aulas de minha mãe talvez ele se tornasse um subversivo, pois opiniões verdadeiras e humanas, acabam por contaminar aqueles que escutam!

Medo das "tropas" de Brizola

Por Dalva Valiz Bertoluci

Eu tinha 11 anos em 1964, o que mais me amedrontava era ouvir que Leonel Brizola ia mandar as tropas do sul para um enfrentamento em São Paulo!

Outra coisa é que meu pai, sempre politizado, quando atrasava um pouco pra chegar em casa, ficávamos em pânico porque ouvia minha mãe dizer: "Será que ele comentou alguma coisa do governo em voz alta e o prenderam!" Era um alivio quando ele adentrava pela porta!

Quanto aos alimentos em mercados, fiquei em muitas filas, a do açúcar, a do feijão, da carne.. etc

Hoje os jovens nem imaginam como eles são livres e poderiam ser bem mais felizes!

É o que penso e que vivi!

O homem do paletó veio me buscar

Por Maria Valéria Cesário Moura de Carvalho

Aconteceu no meio do ano de 1971. Eu estava na nossa classe do colegial noturno (no Colégio Estadual Alexandre Von Humboldt, Vila Anastácio, São Paulo) e em certo momento fui chamada à diretoria. A diretora, nesta época, era a Dona Mirtes, talvez substituindo a Dona Ida. Como eu não tinha aprontado nada, fui tranquila atender ao chamado. Quando ela falou comigo não disse coisa com coisa e estava visivelmente sem jeito.

O que eu entendi é que eu teria que acompanhar um homem que tinha vindo me buscar. Um homem que eu nunca vi antes, mais ou menos da idade do meu pai. Ensaiei de dizer que não iria sair com um desconhecido, mas o homem abriu um pouco o paletó que estava usando, o suficiente para eu ver o cano do revólver. Entendi que eu tinha que ir. Não me recusei, não objetei, simples assim.

Meu nível de consciência sobre o arbítrio e as atrocidades da ditadura não era alto. Mas minha área de interesse --arte em geral, teatro, literatura, música-- me punha em contato com pessoas que de um modo ou outro, militavam contra o regime ou conheciam alguém que o fazia. Assim, eu participava das atividades da comunidade católica de jovens, freqüentava algumas reuniões sindicais em Osasco (SP), onde trabalhava na então Brown Boveri, participava de grupo de teatro, cantava em bailes do bairro, enfim, era uma jovem com a cara do meu tempo.

Meu círculo de amizades era amplo: desde operários, religiosos, músicos, estudantes e algumas pessoas um pouco mais velhas, como o Mansur e sua noiva, por exemplo. Começamos a ter amizade. Ele sempre falava comigo, fazia perguntas, queria saber minha opinião sobre o mundo. Chegamos a sair, ele e a noiva, para conversar algumas vezes e falávamos sobre a situação do país e sobre o que se podia fazer para combater a ditadura, melhorar a educação, que nessa época estava sofrendo o desmonte que hoje pode ser constatado e por aí afora. Provavelmente, se tivesse tido chance, teria entrado para algum grupo organizado, desde que não fosse luta armada. De qualquer modo, isso foi abortado naquela noite...

Mas o horror frio estava apenas começando. Digo "horror frio", porque era isso que eu sentia: um medo frio, quase uma calma. Quando saí do colégio com o homem, fui colocada no banco traseiro de uma Veraneio, com dois outros homens armados me ladeando, como se eu fosse uma pessoa altamente perigosa. Acho que aí comecei a entender quem eles eram pelo meu próprio raciocínio. Era uma época em que era possível pessoas serem levadas para nunca mais... Eles rodaram um pouco pela Vila Anastácio e pararam na antiga Socil (eu acho) e falaram com alguém de lá.

Dali, seguimos até a Rua Albuquerque Lins, no centro. Entraram no apartamento do Professor Mansur Lufti, que dava aula de química no Alexandre, e viraram tudo do avesso. Ele e a noiva foram também levados em outro carro. Nos encontramos todos na sala de espera do QG do 2º Exército, no Ibirapuera, mas mal nos falamos, pois logo fomos chamados individualmente.

Levados ao DOI-codi, na tristemente famosa Rua Tutoia, cada um tomou o rumo determinado pelos captores. No meu caso, fui levada para uma sala onde ficava em pé, sendo interrogada grosseiramente por vários sujeitos. Entrava um, perguntava, acusava, aterrorizava com ameaças, perguntava de novo, anotava tudo, ou fazia que anotava, saía. Entrava outro, a mesma coisa, mesmas perguntas e eu sempre de pé. Isso durou a noite inteira, até de manhã. Quilos de papel foram gastos nessa inutilidade. Minha estratégia, desde o início, foi repetir sempre a mesma história, sem acrescentar nada de novo, não mudava nem o tom da voz.

De vez em quando eu ouvia gritos horríveis. Urros não humanos, na verdade. Demorou para eu perceber que eram do Mansur. Ele gritava palavrões cabeludos e urrava. Não fui torturada fisicamente. Acho que até aqueles estúpidos incompetentes conseguiram perceber que eu não era uma "terrorista" e nem pertencia à AP, AC, JEC, JOC, JUC, Var-Palmares, Libelu, o diabo. Mas sabiam muita coisa sobre mim. Sabiam sobre as pessoas com quem eu andava, os lugares que frequentava, onde trabalhava, tudo. Disseram que foi um estudante da minha própria classe que me dedurou. Aliás, entre eles, havia um rapaz que era estudante de sociologia na USP, um infiltrado. Dava para acreditar em tudo e em nada. Me levaram para casa de manhã. Uns imbecis. Uns imbecis com carta branca, arma na mão e merda na cabeça.

No dia seguinte foram me buscar no trabalho e tome interrogatório tudo de novo, só que a coisa foi mais amena. Mais tarde fui encaminhada para o refeitório dos recrutas para almoçar. Eles eram tão jovens quanto eu e me olhavam como se eu fosse de outro planeta. Ninguém falou comigo. Comi sem culpa e com uma fome enorme o arroz com feijão e bife à milanesa. Não me lembro como fui embora. Só sei que fiquei um bocado de tempo assustada, traumatizada, paranoica, sempre com a impressão de que alguém estava me seguindo. Pouco tempo depois fui mandada embora do trabalho, certamente por causa desse item do currículo.

Até hoje vejo a expressão da Dona Mirtes, me entregando para um homem armado. Sei que ela não podia fazer muita coisa por mim. O clima geral era de terror. Um terror subterrâneo, disfarçado em Brasil grande. Mesmo assim, reflito o quanto é fácil colaborar com o arbítrio. Hoje você entrega um aluno que está sob a sua guarda, amanhã o seu vizinho, depois, quem sabe.... Só sei que saiu do colégio aquela noite uma garota cheia de ideias, utopias, sonhos. Voltou adulta.

Fico triste quando pessoas dizem que o regime militar foi benéfico. Ou que qualquer ditadura seja benéfica. As pessoas não entendem que para se ter direito até de fazer um relato como esse e publicá-lo exclusivamente por um ato de vontade individual, muitos (daquela e de épocas anteriores) tiveram que lutar duramente para abrir algum espaço de liberdade. Liberdade que muita gente usa como se fosse concedida pela natureza e não uma construção humana paciente, trabalhosa, frustrante às vezes, mas conquistada a cada palmo.

Recentemente localizei o Mansur no Facebook. Ele aparece em foto com a noiva, que hoje é esposa dele. Isso me deixou feliz.

Esse relato, publicado no Facebook em 2012 e posteriormente no portaldosjornalistas.com.br, repercutiu entre os ex-alunos do Colégio Alexandre Von Humboldt.

Por causa dele, vários ex-alunos relataram passar por situação semelhante. Alguns afirmaram que existia uma política da escola de denunciar alunos que se destacassem como líderes.

Fizemos um encontro em que o professor Mansur e sua mulher compareceu. Foi então que descobri que durante 40 anos ele e ela achavam que fui eu a delatora dos dois. Isso foi um choque profundo para mim, pois só então compreendi na prática o mecanismo perverso do terror: a desconfiança mútua. Desfeito o engano, conseguimos reconstituir nossa narrativa de vida desse período sombrio.

Segurança pública era 100 vezes melhor

Por Heraldo Pimentel

Eu estava com 18 anos em 1978, quando o Brasil era comandado pelo presidente general Ernesto Geisel. Eu morava em Araraquara (SP), era atleta de voleibol e fui convidado para prestar exame na AFA - Academia da Força Aérea de Pirassunga, interior de São Paulo.

O professor de educação física da AFA queria reforçar o time de voleibol e precisa de novos jogadores.Outros dois amigos meus também prestaram o exame.

Não passamos no exame porque era muito difícil e a concorrência era muito grande, na base de 30 candidatos/vaga, mais concorrida que a medicina da USP, na época.

Ficamos alojados nas dependências da Academia por uma semana, porque cada dia tínhamos um prova diferente. Ali pudemos ter uma visão de como funcionava as coisas. A Academia, que forma oficiais para a Aeronáutica, era de 4 anos e os cadetes tinham alojamentos e níveis de privilégios a cada série que passavam.

Me lembro que o alojamento dos cadetes do primeiro ano era todo aberto, sem divisórias, enquanto que o dos 4º ano eram pequenos apartamentos, um espécie de suíte.

Tudo era muito organizado e me lembro também que tanto os cadetes, quanto os militares formados tinham crédito especial ou linha de crédito para aquisição de carros da Chevrolet (informação dada por dois alunos da AFA) e muitos cadetes andavam de Chevette, que era a moda da época.

No final da semana, coincidiu com a formatura anual dos cadetes e o general Geisel veio para a cerimônia.

Ficamos a margem do evento, é claro, mas deu para acompanhar a festa. Eu contei 52 aeronvaves que aterrissaram na AFA, desde helicópteros, pequenos aviões e mais o avião presidencial.

O evento teve sua pompa, mas comparado com os de hoje, penso que foi simples.

No ano seguinte em 1979, eu prestei serviço militar em Araraquara, fazendo o Tiro de Guerra ( não havia exército). Por incrível que pareça, foi um ano maravilhoso , fiz muitas amizades, inclusive com os sargentos da época, que são meu amigos até hoje.

Nesta época, já entrando da fase adulta da minha vida, pude ter o discernimento de olhar para trás e analisar como tinha sido o governo desde 1964 e quais os impactos que provocaram na minha vida e da minha família, até aquele momento.

Não foram ruins. Mas sempre falaram bem do Getúlio Vargas e dos presidentes generais, que sempre foram honestos e não gostavam de baderna e não roubavam dinheiro público.

Tive educação pública de qualidade, minhas duas irmãs mais velhas se formaram em bioquimica e odontologia em universidades gratuitas. Eu fiz educação física em universidade paga, mas era muito barato.

A segurança pública era 100 vezes melhor que hoje. Eu ia a pé e sozinho da minha casa para escola desde 1967. Quando era adolescente (1973-1977) saía a noite com meus amigos e voltava de madrugada caminhando pelas ruas e a polícia quando nos via nos dava bronca para chegarmos logo em casa para que nossos pais não ficassem preocupados, mas sempre de uma maneira educada e protegendo.

O que eu ouvia sobre a ditadura eram as prisões e torturas de algumas pessoas e arbitrariedade da policia em cidades grandes.

Comparando com os dias de hoje, a arbitrariedade e a violência da policia aumentou exponencialmente, com um ingrediente que não se ouvia falar na época; a corrupção.

Nos anos 80, começaram a aflorar os sentimentos de liberdade e democracia por causa de propagandas vindas de países do leste europeu.Tive muita afinidade com ideais soviéticos e cubanos e sempre acreditei que poderia ser mais justo e dar mais igualdades sociais e raciais.

Analisando friamente a situação, vejo que hoje temos um governo que age através de modelos falidos, que não deram certo em nenhum lugar do mundo e que querem, a todo custo, convencer a população mais pobre e ignorante através de programas populistas, criando uma imagem baseada em marketing e propaganda.

Nunca na historia deste pais se viu tanta roubalheira, baderna e incompetência de gestão, ameaçando as nossas empresas estatais, a economia, desaparelhamento da indústria nacional, colocando em risco tudo que se construiu até hoje.

A falta de discernimento patriótico é algo assustador e cada partido e cada sindicato, só pensam em si mesmos. Não há nenhuma vontade de política nem social para a realização de pacto do bem social comum e traçar um plano de médio e longo prazo para melhoria da vidas brasileiros. Não, o pensamento é de encher os próprios bolsos e de perpetuar no poder.

Hoje era para ser um dia de repúdio a ditadura militar imposta há tantos anos no Brasil. O que vemos é que as mesmas pessoas que tiveram parentes torturados e desaparecidos na ditadura militar clamam por modelos como os de Cuba e Venezuela, as ditaduras de esquerda, outro lado da mesma moeda.

"Amigos" nos denunciaram como subversivos

Por Maria Thereza Brito de Lacerda

Meu aniversário é nesse dia. Casada com jornalista, estava perfeitamente consciente do que nos aguardava.

Na noite de 31 de março para 1º de abril, mal dormimos. Madrugada ainda, estávamos ouvindo notícias pelo rádio. Na minha família, nós éramos os subversivos, os comunistas. Éramos vistos com maus olhos. A princípio, mal acreditávamos. Ainda havia esperança de uma reação. Com a doação do "ouro para o bem do Brasil", a farsa estava muito clara.

Perdi meu cargo na UFPr. Outras perdas se seguiram. Só anos depois viemos a saber que "amigos" tinham nos denunciado como subversivos. Na verdade, não sofremos prisão nem tortura. A Curitiba de Ney Braga era tranquila... aparentemente.

Os anos que se seguiram foram difíceis. Até música tínhamos que ouvir a portas fechadas. Trabalhei, depois, na PUC, que também me mandou embora por subversão.

Enfim, ao lado do que sofreu a maioria, até fomos privilegiados. Por acaso.

Minha maior alegria, depois da abertura, foi poder me referir ao "golpe", em vez de Revolução e pensar nele no dia 1º de abril e não 31 de março.

Foi pagar carnê do Mappin e viu o Exército na rua

Por Sérgio Della Maggiori

Nesta data eu tinha 14 anos de idade e morava no bairro da Consolação em São Paulo. Morava em uma vila onde italianos e portugueses se misturavam e tínhamos uma convivência muito boa.

Naquele dia, não sabíamos de nada e minha mãe me entregou um carnê do antigo Mappin [loja de departamentos], com a missão de pagá-lo na loja da rua Xavier de Toledo [centro de São Paulo].

Como de costume, peguei minha bicicleta, desci a Consolação, passei pela Av. São Luís, entrei na Xavier de Toledo e, quando cheguei defronte ao Mappin, deparei-me com viaturas do exército, indo de um lado para outro.

Pude ver na marquise do Mappin, soldados se deslocando e se posicionando, pois ali na rua Conselheiro Crispiniano era o Comando do Segundo Exército.

Fiquei meio assustado, mas para um garoto de 14 anos, na verdade, ?tudo é festa".

Observei toda aquela movimentação e depois voltei a Xavier de Toledo para "chocar" o bonde que subia a Rua da Consolação e chegar em casa, pois minha mãe já sabia de tudo e estava nervosa.

Nos anos que se seguiram, tive uma adolescência normal e só fui mesmo começar a tomar mais conhecimento dos fatos após os 18 anos.

Devo dizer que vivemos anos muito bons, apesar de toda campanha contra os militares, os grandes protagonistas destas campanhas hoje estão ai, usurpando o Brasil e confirmando tudo aquilo que os militares diziam e até mesmo profetizavam.

Foi feita uma grande campanha contra o governo militar e hoje se houver uma pesquisa, com certeza muitos pedirão a volta, porque o Brasil está entregue a pior escória que já tivemos por aqui.

Deus cuide do Brasil.

Dispensada da aula

Por Milady de Mello

Eu tinha 11 anos de idade, morava em São Paulo no bairro da Casa Verde e estudava na parte da tarde no Colégio Nossa Senhora das Dores (colégio de freiras). Estava na segunda série do antigo ginásio e lembro-me perfeitamente desse dia.

A hora precisamente não lembro devia ser por volta das 16 horas, entrou a madre superiora na classe e conversou com as alunas e disse que estávamos dispensadas das aulas, mas com um alerta: "vão direto para suas casas, não parem para conversar com ninguém". Falou alguma coisa sobre o comunismo, mas não lembro ao certo.

Nessa época minha mãe trabalhava como recepcionista de um consultório médico no centro de São Paulo e lembro-me que chegou mais cedo com a mesma recomendação de seu patrão e com seu salário na mão. Ele recomendou que comprasse comida e para acompanhar as notícias pelo rádio as notícias.

Um pouco mais tarde, chegou meu pai com meio saco de feijão e um inteiro de arroz (esses de 60kg), escondeu atrás do sofá e me recomendou que não contasse a ninguém.

Depois lembro-me que meus pais e vizinhos não descolavam do rádio e compravam jornal sempre que podia.

Fomos vivendo, mas só fui tomar consciência do que realmente era uma ditadura feia quando entrei para o colegial em 1969 em uma escola pública.

Tentava ouvir as "entrelinhas" das canções de Chico Buarque

Por Anísio Chagas Bernardino Alves

Nasci em 1962 em Minas e só fui entender a natureza do golpe muitos anos mais tarde. Além do fato de ter nascido no interior, portanto, sem muitas informações a não ser pela TV e jornais censurados, passei a época mais negra da ditadura sem este conhecimento.

As primeiras notícias que me chegaram foram através de meus irmãos mais velhos que foram inicialmente para Belo Horizonte estudar e estes sim sentiram a força dos militares.

Me mudei para Vitória (ES) com quinze anos, em 1977, e ainda vivi os restos do regime.

A censura era alta, tinha pavor de ser fotografado, vigiado, ouvíamos Chico Buarque e Gonzaguinha tentando ler nas entrelinhas das músicas uma crítica velada à ditadura.

Meu irmão fazia Medicina na UFRJ e o pavor por lá era enorme. Os dedos-duros eram muitos e havia suspeita que um conterrâneo de nossa cidade era informante do Dops.

Fui a uma apresentação do MPB4, na UERJ, no Rio de Janeiro, no início da década de 80, e nosso pavor era sermos todos presos ou espancados. Felizmente nada aconteceu.

As lembranças, como falei, são poucas, mas fortes pelo medo das consequências.

Prisão de "sargentos comunistas"

Por Raul Santos

Nossa, que filme está passando em minha cabeça!!!

Saí de Guaratinga, sul da Bahia, e entrei na Base Aérea de Salvador no dia 17 de fevereiro de 1964 e fomos lotados na Polícia da Aeronáutica.

Não me lembro do dia exato, mas o sargento Walfrides nos reuniu no alojamento e disse que a qualquer momento que o apito tocasse três vezes, nós deveríamos estar em forma na frente do almoxarifado (guarda de armamentos e munições) de cueca ou da forma que estivéssemos dormindo e que só poderíamos ir ao banheiro que ficava afastado uns vinte metros em duplas (enquanto um fazia suas necessidades, o outro montava guarda).

A partir daquele instante, ele sempre chegava ao alojamento e dizia: "A Base está de sobreaviso!", "A Base está de prontidão!", "O país está em Estado de sítio!"...

Para nós, garotos do interior, aquilo não passava de mais uma instrução no treinamento militar de Ordem Unida e Educação Física, até que o apito tocou, corremos para a frente do almoxarifado e o sargento Walfrides nos apresentou a carabina M1.30, de quinze cartuchos. Vale lembrar que já estávamos familiarizados com a metralhadora INA de trinta cartuchos e com a pistola Colt 45. Eu já desmontava e montava a pistola em trinta segundos, sem deixar cair peças no chão e sacava com a rapidez dos caubóis (já sabia matar). As carabinas foram distribuídas e os postos designados.

Nossos turnos obedeciam ao rodízio de 24 horas de serviço por 48 horas de descanso, mas com o acréscimo foram tantas as atividades que brincávamos dizendo que a escala de serviço era de setenta e duas por um banho.

Uma semana depois, quando tivemos autorização para ir a Salvador, tomei conhecimento de que o Exército havia cercado a Base com canhões, impedindo os aviões militares de decolarem e intimando o Comando a prender os "sargentos comunistas", que na época era sinônimo de subversivo e terrorista, e que desfilara na Avenida Sete de Setembro.

A partir daquele dia, como éramos da P.A., fomos escalados para montar guarda a trinta e oito "sargentos comunistas" presos no Alojamento de Trânsito dos sargentos e ao projeto "Ouro Para o Bem do Brasil", no qual foram descontados dois dias de vencimentos do recruta ao general de todas as corporações militares e a quantidade de pulseirinhas, brinquinhos e outras coisinhas que as mães sempre guardam para "mandar consertar depois" foi tão grande que durou uma semana, no Palácio Rio Branco, ao lado do Elevador Lacerda, onde vi de perto Lomanto Júnior e Bienvenido Granda, sem que houvesse uma só pessoa para pesar, medir ou contar aquela fortuna.

Em julho de 65, fui para Recife fazer o curso de cabo radiotelegrafista e, pela nota que obtive, fui designado para Caravelas, em 66, transferido em 67 para Ilhéus e, em 71, passei para o quadro de radiotelegrafistas da Polícia Federal. Em 72, comecei a lecionar Matemática e não deixei nunca mais!!!...

Foi colocado um estande no Campo Grande, em frente ao Teatro Castro Alves, de parceria com outras organizações comerciais e militares, o que até hoje verdadeiramente não entendi e que está retratado na fotografia. Eu estou com o capacete branco, junto com outros colegas e uma picapezinha Vespacar.

Bom, tenho em mente os nomes e números dos 24 colegas e a vontade de contar tudo, tudo, tudo é muito grande, mas tenho de reservar espaço para outras pessoas que também queiram expor suas experiências.

Tiros e fumaça no Mackenzie

Por Carlos Jorge dos Santos

Minha experiência com o regime de exceção não foi traumática, pois, em seu início, eu mal entendia o que acontecia, mas alguns fatos ficaram marcados na memória. A começar por minha passagem em frente ao Mackenzie em 1968, ainda com 13 anos - e já trabalhando - quando vi uma bandeira brasileira sendo agitada numa janela no alto de uma torre, fumaça saindo de dentro do prédio, sons de tiros e um contingente enorme de soldados, carros de combate e demais instrumentos de domínio. Pareceu-me uma cena de filme.

Já em 1969, sem as câmeras dos smartphones de hoje, indo em direção ao Largo São Francisco, reduto de alguma resistência ao regime, ao final da rua Líbero Badaró, havia uma placa de trânsito que indicava obras do metrô com os seguintes dizeres: "Liberdade Interditada". Claro que falava sobre a interdição do Bairro da Liberdade, mas a ocasião e o local onde foi fixada não poderia ser de maior apelo ao duplo entendimento. Hoje, parabenizo aos que tiveram a coragem de enfrentar com ideias àquelas armas.

Sessão de cinema "subversiva"

Por Chico Pelouro

Não me lembro de muita coisa do dia 31/03/1964, tinha apenas sete anos e morava no interior do Estado de São Paulo. Mas lá pelos anos de 1974 até 1980, tínhamos algumas lideranças estudantis e incitávamos a ditadura com clube de cinema, por exemplo, apresentando filmes após a sessão normal, como Metello, um homem de muitos amores "sobre a greve dos trabalhadores na Itália". O nome do filme era para despistar.

Após a sessão fazíamos um debate. Aí a coisa ficava interessante. Os militares, delegado, inspetor de quarteirão, etc., mandavam olheiros disfarçados para escutar nossa manifestação.

Assim depois de algum tempo conseguiram acabar com o nosso clube de cinema, proibindo a Empresa Pedutti de ter sessão de cinema após as 22 horas.

Só festa e alegria

Por Anézio Massuia

Em 1964 eu era menino com 7 anos, estudando e brincando.

No interior do Estado de São Paulo foi só festa e alegria.

Na escola uma onde patriotismo encheu o ambiente.

Iniciávamos o período escolar com "Honra à Bandeira".

Todos cantando o Hino Nacional com a mão direita sobre o peito.

A impressão que ficava é que todos odiavam o comunismo, ninguém queria seguir os passos de Cuba ou da URSS.

Trocaria pelo regime militar hoje

Por Eduardo Netto

Estudava no Colégio Estadual de Belo Horizonte (MG). Nunca tive problemas no regime militar, nem mesmo em 1967/1968, quando cursava engenharia na UFMG.

Na época, podíamos sair às ruas sem sermos assaltados, as casas não tinham muros altos . Ladrão era coisa rara.

Atualmente, vivemos presos em nossas casas e um desgoverno geral, com a roubalheira comendo solta.

Os presidentes militares morreram pobres, o que não acontecerá com esta leva atual de políticos, que todos milionários ou bilionários, legislam sempre em interesse pessoal. A nação em segundo plano.

Não tenho familiares nas Forças Armadas, mas se me perguntarem se eu trocaria o regime militar por esta porcariada que aí esta, digo "sim" sem pestanejar.

Pobre, mas com trabalho

Por Arlindo de Oliveira Filho

Nesse período meu pai era pobre, mas tinha trabalho e sustentava nossa família decentemente. Nunca dependeu de nenhum tipo de esmola, apenas do seu trabalho. Escolas, hospitais, estradas e segurança, diferentemente de hoje, funcionavam de acordo com a época. Não houve impedimentos para quem simplesmente trilhou essa estrada do trabalho e da perseverança. Então, se é o aniversário disso [o golpe militar] tenho a dizer apenas parabéns.

Prateleiras vazias

Por Rosangela Pires

Eu tinha 10 anos quando ocorreu o golpe de 64. Minha família e eu morávamos na Av. Brigadeiro Luís Antônio [na capital paulista], bem perto da Rua Jaceguai. Lembro que tinha um mercadinho na Rua Santo Amaro e eu fui comprar algo, mas as prateleiras estavam vazias, as pessoas estavam comprando grandes quantidades de alimentos e água. Fiquei com medo, voltei pra casa e não saí mais de lá. Meu pai, naquele dia, chegou em casa muito tarde porque trabalhava longe e a condução era difícil.

Longo aniversário

Por leovalerio.adv

Eu era terceiro sargento de infantaria. O dia 31 de março é o dia do meu aniversário. Eu completava 23 anos de idade e era o comandante da guarda com cinco postos e 15 soldados, três para cada posto na Escola Preparatória de Cadetes do Exército em Campinas.

Pelo ordenamento, o posto é assumido às 6h e rendido 24 horas depois. Apesar do aniversário, assumi porque, escalado, não há o que alegar. Após as primeiras horas do serviço, comecei a ter uma forte diarreia, compareci a enfermaria, e recebi um remédio e a orientação para não ingerir alimentos que o mais não "era nada".

Por volta das 9h, recebi ordens de retirar o arsenal, dois cunhetes de munição extra e incorporar mais 15 soldados na guarda, passando os pontos da guarda da frente e das oficinas e garagem a ser dobrados "com dois soldados por turno" (cada turno é de duas horas com quatro de descanso).

Criaram mais dois pontos de guarda novos, um na estrada que liga a entrada com a Fazenda Militar do Chapadão, outro na entrada da vila dos Oficiais que fica logo ao fundo do quartel.(a ordem era para atirar contra qualquer elemento que perturbasse ou forçasse acesso) Procurei explicação para a alteração com o oficial do dia, e recebi a lacônica resposta: "As ordens são para cumprir."

Minha "dor de barriga" se agravou com febre e "sapinho" na boca, mas permaneci firme no posto sem me alimentar e quase "variando". Assim foi a noite inteira.

Passei o comando depois de cumpridas as 24 horas e baixei para a enfermaria onde fiquei internado uma semana com infecção intestinal, tomando antibióticos e com alimentação especial.

Foi o mais longo dia de aniversário da minha vida. (Só depois que saí da enfermaria é que descobri as razões das alterações recebidas e permaneci 60 dias de prontidão no quartel recebendo um mínimo de informações, mais por comentários do que oficialmente. (Pedi licenciamento em 1972 por discordar dos rumos da então propalada "revolução"). Fiquei no prejuízo de seis meses de licença especial remunerada não gozada (dez anos de serviço)+um mês de férias também não gozada.

O país estava à deriva

Por Ilvo Debus

Me recordo muito bem daquele março de 1964: o país estava à deriva, com a economia em vias de colapso, desabastecimento, agitações, greves de natureza política, insubordinação de tropas, enfim, um governo claudicante e omisso ante o clamor popular e a ameaça mais que evidente da instalação, aqui, de um regime inspirado na ditadura cubana.

Apesar da minha pouca idade, tinha então apenas 15 anos, morava com minha família no interior do Paraná, onde as notícias ainda vinham pelo rádio, e a preocupação com os destinos do país era inevitável.

Me lembro, inclusive, de trechos de um discurso inflamado de Leonel Brizola, transmitido por uma emissora do Sul, na tensa madrugada do dia 31 de março, cujo teor era o seguinte:

Brizola: "...Ainda não correu bala...!!!!..."

Coro de apoiadores: "...Vai correr, vai correr, vai correr!!!"

Pois bem, na tarde daquele mesmo dia, quando soube pelo rádio que os militares haviam deposto Goulart, eu, de forma espontânea, apanhei uma lata vazia e um pedaço de metal, ou madeira, seja lá o que for, e comecei a bater com todas as minhas forças, em comemoração à notícia tão ansiosamente aguardada!

Para concluir: se hoje ainda respiramos o ar da liberdade e da democracia, devemos agradecer ao patriotismo e à coragem dos militares de então, que nos livraram do pesadelo totalitário que se avizinhava. Devemos, também, estar atentos para o risco de retrocesso que nestes tempos vem novamente ameaçar a liberdade e a democracia, pelas mãos de um bando de comunas e terroristas frustrados, que hoje estão no poder e não querem aceitar o fato de que a imensa maioria da população brasileira rejeita categoricamente, radicalmente, o retorno àqueles tempos de tão triste memória.

No gabinete do governador de São Paulo

Por José Carlos Corsi

Tenho hoje 70 anos de idade. Na mocidade, mourejava pobre e humildemente bem no centro da capital de São Paulo, portanto, era um homem simples e comum.

Contava, na época da Revolução, em 31 de março, com 21 anos de idade.

Tinha um parente bem chegado a mim por laços afetivos, um graduado militar da Força Pública do Estado, prestando serviços no Gabinete Militar do então governador, O Dr. Adhemar de Barros. Embora fosse ele bem mais velho que eu, entre nós, desfrutávamos muita amizade, estima e confiança, na verdade, éramos primos.

Numa festinha familiar e descontraída nesta ocasião, eu perguntei a ele, como militar patenteado o que ele sabia sobre o andamento recente, logo após o golpe revolucionário, o que sabia ele das novidades, "intra muros", dentro do Palácio Paulista. Contou-me ele, um fato bastante interessante.

Um ou dois dias, 29 ou 30 de marços, precedendo o dia 31, dia do levante, o Dr. Adhemar recebera em seu Gabinete, de madrugada, a "visita" do General Castelo Branco e de mais um outro, não posso afirmar, se seria o General Nelson de Mello.

Na ante-sala do governador, funcionava o Gabinete Militar, com a porta entreaberta, de forma que, quem ali estivesse, conversando com o governador, ouvia-se o que conversavam...

O diálogo entre o governador os dois generais:

General Castelo: "Senhor governador, então ficamos combinados, no dia 30, à meia-noite, sua voz de comando, juntamente com o Comando do Segundo Exército, São Paulo, se levantará e os outros Estados, já devidamente combinados, Minas Gerais, Rio de Janeiro, o Sul e o Norte o acompanharão".

O dr. Adhemar, paulista tradicional, de inopino, levantando-se de sua cadeira, educadamente e com voz calma, corajosamente respondeu ao general Castelo:

"General, São Paulo não se levanta, São Paulo acompanha. Para nós, paulistas, basta 32 !!!"

Imediatamente a esse diálogo, o general Castelo, dali do Palácio Bandeirantes, solicitou o telefone, rapidamente solicitou o general Mourão, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Não se podia perder tempo. A partir daquele momento, a responsabilidade da ordem do levante ficara com Minas Gerais

Militar no supermercado

Por Leandro Martins Heringer

Meu nome é Leandro Martins Heringer, tenho 39 anos, sou do Rio de Janeiro, mas hoje vivo em Santiago (Chile), casado com uma chilena (Prisicilla) e um filho de 10 meses se chama Pedro.

Eu vivi o final da ditadura, mas lembro de algumas coisas.

Uma vez estava com minha mãe no supermercado (antigo Sendas), e ela reclamou do preço de uma coisa. E estávamos com uma tia e ela disse para minha mãe ficar quieta, porque tinha militar dentro do supermercado. Lembro de ver um cara grandão de verde e com um fuzil na mão.

Me lembro também que para votar, meus pais votavam em lugares diferentes, e bem longe, e tinha um monte de militares no local.

Também lembro que na escola tinha que cantar o hino nacional, hino da bandeira no Dia do Exército. Também tinha aulas de OSPB ou Educaçãoo Moral e Cívica.

Não é muito que lembro, mas alguma coisa... Lembro tambem do dia que isso tudo mudou! Tancredo Neves que morreu antes de tomar posse.....

Melhor ditadura de direita do que de esquerda

Por Cleise Ellen Franco

Eu me lembro do dia 31 de março de 1964 como se fosse hoje: mamãe ouvindo o rádio. Ainda hoje, aos 86 anos, [ela] é super politizada.

Eu tinha 10 anos, mas já lia jornais e revistas. Folha de São Paulo, o Estadão, revista Visão... Pena na época a Veja ainda não ser editada.

Dias após, meus pais fizeram comentários semelhantes: "Que ditadura nenhuma era boa, mas infinitamente melhor uma ditadura de direita do que de esquerda". Ainda mais para quem iniciou o trabalho como ele, aos 6 anos, com o pai (meu avô) e sabia o valor do dinheiro.

Se ele tivesse vivido até a era Margaret Thatcher, seria fã dela, pois pensava também "que a praga chamada comunismo é bom, até acabar o dinheiro dos outros..."

E hoje, aos 60 [anos], eu continuo trabalhando e usufruindo em algumas viagens, a pequena herança dos meus pais. Onde estive, nunca vi alguém chorar de saudade do comunismo...Rússia, Lituânia, Estônia, Letônia, Hungria, República Tcheca, Eslovênia etc.

E se esse país chamado Brasil tivesse se tornado comunista, penso ainda o que teria sido do nosso país se ele tivesse sido invadido pela antiga URSS, inúmeros brasileiros que morassem em cidades litorâneas tentariam fugir, arriscando-se a ser comido por tubarões ou fuzilados (exemplo: os cubanos, norte-coreanos, antiga Alemanha Oriental etc...), do que sobreviver num país comunista.

Bom mesmo só para quem faz parte do partido político. Por que Fidel Castro posa usando agasalho de grife alemã, os chefões e assassinos das Farc podem usar Rolex, símbolo de excepcional relógio nos países capitalistas? E o povo, não? Por que na antiga URSS, só os membros do Politburo (comunistas ) tinham dachas [casas de veraneio] para passar o verão?

Acredito que inúmeros brasileiros inocentes faleceram por causa dos guerrilheiros e não tenho conhecimento de que a família tenha recebido vantagens econômicas substanciosas como a esquerda ainda recebe.

Ninguém tem o direito de tirar a vida de outrem, nem militar e nem guerrilheiro, mas, por favor, que a "esquerda festiva" pare de posar de boazinha. Hipocrisia tem limite e o país um dia acordará de seu berço esplêndido.

Fábrica de autômatos

Por Bernardino Coelho da Silva

Eu, na madrugada de 31 de março de 1964 ? quando tinha 8 anos e 11 meses, acordei com meu pai (Victor Coelho de Magalhães) escutando as notícias no rádio.

Lembro que a emissora transmitia, acaloradamente, as manifestações a favor da intervenção militar e conclamava o povo a se engajar na luta contra o comunismo.

Embora eu ainda longe do entendimento sobre política, meu pai exercia em mim grande influência e eu procurava acompanhar aquele movimento político, mesmo porque a gente tinha o costume de se reunir à tarde para escutar as notícias pelo rádio e ouvir as radionovelas.

[...]Em 1973, estava no 3º ano do colegial (ensino médio) e até esse ano a vida para mim era de normalidade, pois não havia qualquer politização no meio estudantil local e o que tínhamos era um grande espírito de patriotismo e nos orgulhávamos de cantar o Hino Nacional Brasileiro, desfilar no 7 de Setembro e participar das fanfarras do colégio estadual.

Eu também fazia teatro no colégio estadual, seja escrevendo e/ou dirigindo, o que começou como uma atividade suplementar de português passaria a ser uma paixão, que a gente lembra até hoje com muito gosto.

Em julho de 1973 fui para BH concluir o curso médio (2º semestre), pois o sonho era entrar na UFMG e fazer Engenharia. Mas não fiquei muito tempo em BH e fui trabalhar na Usiminas, em Ipatinga em setembro de 1973.

Foi no período que trabalhei na Usiminas (1973-1985) que conheci, na prática, o que o Regime militar exercia de influência nas estatais e nas pessoas. Para mim que sempre fora um questionador e pouco formal com a vida, me deparei com algo inusitado: as pessoas que trabalhavam na Usiminas pareciam saídas de uma fábrica de autômatos e a Usiminas, através de seu serviço de inteligência exercia vigilância sobre todos e em todos os lugares.

Era como se os caras estivessem te observando até dentro de casa. Não existia liberdade de pensamento e a hierarquia da empresa era ao estilo militar, com raras exceções.

Já nos anos 80 eu assinava uma revista que era editada por Oscar Niemeyer na qual foi publicada uma correspondência que [eu] havia enviado a ele relatando sobre o movimento sindical em Ipatinga e o quanto a Usiminas exercia de poder para não permitir que os trabalhadores tirassem a diretoria que estava encastelada no Sindicato dos Metalúrgicos há 20 anos. Foi a gota d?agua. Passei a ser perseguido todo o tempo que estava fora da usina pelo pessoal da inteligência e diretamente pelo chefe da vigilância da Usiminas, que era um coronel reformado do exército.

Ele ia em qualquer bar em que eu estava e ficava me dizendo que o sonho dele era acabar comigo, porque ele não tolerava comunistas. Eu sempre saia e ia para outro local ou para casa, mas, no dia seguinte, lá estava ele novamente com a sua fala ensaiada. Isto durou bastante tempo até que ele se cansou, pois o que queria era que eu perdesse a paciência e reagisse fisicamente com ele para que a Usiminas tivesse motivo para me demitir.

Fora isso passei pelo regime militar sem qualquer envolvimento político.

Recrutamento de guerrilheiro

Por Alceu Luiz Pereira

O mais interessante que eu poderia relatar foi o fato do grupo terrorista-extremista-comunista VAR-Palmares ter tentado recrutar, através do Grêmio Estudantil do colégio onde eu estudava à época, já pelos anos 1970, jovens como eu e meus amigos para, via luta armada, derrubar a intervenção militar, implantando o regime comunista no Brasil, nos moldes de Cuba.

Além disso, no que diz respeito aos meus direitos de estudar e trabalhar, posso afirmar que minha vida durante o período militar foi absolutamente normal, estudando e trabalhando, pois preferi a lei e a ordem ao invés do crime e anarquia.

Cabe ressaltar que naqueles tempos não se incentivava vagabundos vivendo às expensas da sociedade. Acredito, com toda a sinceridade que meu coração pode expressar, que graças àquela intervenção posso eu, hoje exercer o direito de estar aqui e poder emitir minha opinião com toda a liberdade.

Muitos dirão que fui alienado ou coisa parecida porque naquele momento muito da liberdade individual foi suprimido, mas convém ser honesto e ressalvar que em períodos de guerra, pois é o que realmente era, as leis são sempre adaptadas ao momento.

Mais uma coisa: para quem julgar que eu era um burguesinho, como era costume rotular, informo que de 1962, com 11 anos de idade, até 1974, já com 23, eu era ajudante e posteriormente oficial sapateiro.

Parente de guerrilheiro

Por Luiz Carlos Chaimsohn

A ditadura militar marcou muito a minha vida e da minha familia.

Aos 6 anos, em 1968, quando estava no jardim da Infância do Colégio Estadual Padre Anchieta no Brás [São Paulo], fui durante pelo menos 3 horas interrogado por agentes do Dops, que queriam saber mais sobre minha familía.

Meu pai já havia vivido, ou melhor, sobrevivido a regimes ditatoriais na Europa, sempre nos alertou que essas pessoas eram muito más e que caso perguntassem de alguém da família nunca deveríamos dar informações.

Infelizmente, pouco mais de um ano depois, soubemos o verdadeiro motivo desse interrogatório: minha mãe era prima da mãe do Chael Charles Schreier [guerrilheiro brasileiro que integrou o VAR-Palmares]. Até por ser filha única, minha mãe era muito apegada a tia Emilia. O Chael era nosso ídolo, primo mais velho que estudava medicina, muito inteligente e brincalhão com os primos, adorava nos mostrar um conjunto de lentes com o qual montava lunetas. Nosso primo Chael, filho único, morreu aos 23 anos, assassinado brutalmente a socos e pontapés por assassinos da ditadura.
Aos 8 anos eu já sabia que éramos governados por homens ruins, que a ditadura era ruim e que ela matava pessoas boas.

Minha convicção aumentou quando em 1976 / 77 eu comecei a trabalhar como contínuo no Banco Mercantil de Descontos, na Rua 15 de Novembro. Em uma das passeatas dos bancários, testemunhei a repressão com a tropa da PM partindo para cima de nós, covardemente, com cavalos, cassetetes e gás lacrimogêneo como se fôssemos bandidos.

Ditadura nunca mais!

Intervenção militar necessária

Por Luiz Simioni

Em 64 eu não tinha informações políticas, mas vou narrar apenas minhas lembranças [...].

Iniciei na Metalúrgica Matarazzo em 55, na Rua Caetano Pinto,São Paulo, e lá fiquei por 50 anos.

Eu era fã do Jânio Quadros, que se complicou ao condecorar o Che Guevara e sugerir aproximação com Cuba. Foi induzido a renunciar por conta das "forças ocultas", que depois soubemos ser a CIA.

O Matarazzo tinha cerca de 3.000 funcionários e, não me lembro como, me fizeram a pessoa que falava em nome de todos junto à Diretoria. Logo eu era um líder sindical apoiado por todos.

Época muito ruim e a coisa estava feia. Era greve em cima de greve, inflação alta, corrupção alta (mas não tanto quanto agora), muita violência e uma situação incontrolável.

Fui chamado para uma reunião no sindicato dos gráficos, portas trancadas, cheia de comunistas e o presidente Rocha Mendes falando em derrubar o governo, guerrilha, M8 etc. Como eu não tinha me proposto para este tipo de conduta, pedi demissão do cargo. Não demorou uma semana e eu soube do golpe de Estado.

Pouca coisa se comentava. Uma tranquilidade total. Soube que haviam muitos soldados do exército à paisana infiltrados na fábrica. O presidente do sindicato sumiu bem como outras pessoas. Mas o clima geral foi de muita tranquilidade, pois finalmente moralizaram o país e as opiniões eram de satisfação pele segurança em todos os setores.

Para muitos, como eu, acreditamos que a intervenção militar foi necessária e salutar na época. Não se viu a falta de cárater nos governantes como nos últimos 10 anos.

Operação com jovens europeus

Por Antonio Carlos Sisti

Por ter sido militar da FAB entre 1969 e 1975, na base aérea de Belém (PA), participei de inúmeras missões a Marabá e Xambioá, ora levando militares, ora trazendo soldados mortos pela guerrilha.

O que me surpreende é nunca ter lido algo sobre a participação de guerrilheiros estrangeiros no conflito, já que numa dessas missões trouxemos um casal de jovens europeus orientais presos pelo exército.

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