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Governo de SP "ressuscitou" projeto de 1991 para construir linha de Metrô citada em delação

O governador Geraldo Alckmin na retomada das obras da linha verde do Metrô, em 2004 - Gustavo Roth - 31.mar.2004/Folha Imagem
O governador Geraldo Alckmin na retomada das obras da linha verde do Metrô, em 2004 Imagem: Gustavo Roth - 31.mar.2004/Folha Imagem

Marcos Sergio Silva

Do UOL, em São Paulo

12/05/2017 04h00Atualizada em 12/05/2017 19h21

No futuro imaginado pelo governo do Estado de São Paulo em 1997 --e transformado no PITU (Plano Integrado de Transportes Urbanos) 2020, dois anos depois--, o trem que partisse da estação Ana Rosa da linha 2 (verde) do Metrô desceria para o Bosque da Saúde, se infiltraria em Heliópolis e seguiria caminho até a estação São Caetano da CPTM (Companhia Paulista de Trens Urbanos).

“Um plano que busca caminhos para mudar a matriz dos transportes na região --marcada pela prioridade dada ao automóvel, um meio de locomoção para poucos--, voltando-se para a melhoria gradativa e continuada dos transportes públicos. Um plano factível, elaborado coletivamente por técnicos e autoridades da região para transformar nossa metrópole naquela almejada por seus cidadãos”, afirmava, na apresentação em 1999, o governador Mário Covas (PSDB), morto em 2001.

Três anos depois, o projeto que leva a assinatura de mais de duas centenas de especialistas em transporte foi descartado pelo sucessor de Covas, Geraldo Alckmin (PSDB), e a linha verde seguiu por um novo rumo, o mesmo para o qual havia sido proposto antes dos estudos, em 1991: a Vila Prudente. O trecho foi citado em delações de ex-executivos da Odebrecht, segundo os quais, o contrato original foi mantido porque não havia interesse do governo em nova licitação.

A decisão de Alckmin --que assumiu o governo após a morte de Covas, foi reeleito em 2002 e retornou ao cargo em 2010, para o qual seria novamente conduzido em 2014-- voltou à tona com as delações da Odebrecht, em abril. Nas gravações, cuja divulgação foi autorizada pelo ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), o executivo da Odebrecht e diretor do contrato da extensão leste da linha, Fábio Gandolfo, nem mesmo cita a intenção de o governo seguir o proposto no PITU 2020. Segundo ele, a ordem era executar o contrato de 1991 para que não existisse nova licitação.

Gandolfo afirma que o contrato recebeu 20 aditivos para que não fosse feita nova licitação, com percentuais de 0,9% pagos a pessoas do TCE (Tribunal de Contas do Estado) para que as ordens de serviços --que existiam apenas no papel e não eram executadas-- fossem permitidas e o acordo não fosse desfeito. “Esse contrato nunca teve eficácia. Meu compromisso junto à empresa era viabilizar para que se tornasse uma realidade”, disse. “O Metrô tinha interesse em manter esses contratos porque um processo de licitação levava muito tempo, e não tinha recursos para manter o contrato.”

Além de Gandolfo, o delator Benedicto Júnior, ex-executivo da Odebrecht, entregou aos investigadores uma planilha na qual relaciona recursos da linha 2 a um pagamento de R$ 2 milhões para a GW Comunicação, empresa que foi do marqueteiro Luiz Gonzalez, responsável por campanhas dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin entre 2002 e 2012.

O Metrô tinha interesse em manter esses contratos porque um processo de licitação levava muito tempo, e não tinha recursos para manter o contrato

Fábio Gandolfo, executivo da Odebrecht, sobre a retomada do projeto de 1991

ABC fora da rota

O desvio na linha verde do Metrô desconsiderou as rotas de desenvolvimentos discutidas ao longo de três anos pela Secretaria de Transportes Metropolitanos. Há considerações no PITU sobre sete regiões da Grande São Paulo, mas nenhuma envolve o trecho Ana Rosa-Vila Prudente, que viria a ser construído a partir de 2004 e entregue em sua totalidade em 2010.

No trecho em direção ao ABC, no entanto, constam os apontamentos: “Mudança na estrutura industrial e consolidação das atividades terciárias”. Sobre as cidades da região, há a consideração: “Urbanização consolidada, verticalização acentuada, ocupação para segmentos de renda média, pouca disponibilidade de áreas para expansão, processo de terceirização [dos serviços]”.

“É a deslegitimação do próprio processo”, diz a arquiteta, urbanista e doutora em planejamento urbano Silvana Zioni, 64, professora da UFABC (Universidade Federal do ABC) e um dos nomes que constam no PITU 2020 --nos créditos do estudo, ela aparece no campo das reuniões técnicas para formulação de estratégia.

“São decisões da máquina administrativa. Vão ter justificativas técnicas e financeiras, mas a priorização é a do secretário e a do governador. O PITU foi mais participativo no sentido de levar os municípios a discutirem [as soluções de transporte]. Muito mais amplo do que uma decisão de gabinete.”

O Metrô é uma sociedade anônima de capital misto, controlado pelo governo do Estado de São Paulo.

A mudança de rumo, afirma Zioni, fez com que a região do ABC desperdiçasse a proximidade com a zona leste. “[A linha 2] confinou a estação Tamanduateí [onde é feita a conexão com os trens da CPTM] e desperdiçou a conexão com a zona leste. A linha verde poderia articular o crescimento no quadrante sudeste [da Grande São Paulo]. Viagens são feitas até a estação Brás [onde há conexão com outras linhas da CPTM e o metrô] e poderiam ser evitadas. E, no ABC, ainda há o agravante que é o abandono do projeto do monotrilho”, diz.

No plano elaborado no fim da década de 1990, a linha verde, depois de São Caetano do Sul, seguiria por um trecho do ABC e subiria até São Miguel Paulista, na zona leste, com conexão na estação Patriarca, da linha 3 - vermelha do metrô.

O PITU foi mais participativo no sentido de levar os municípios a discutirem [soluções de transporte]. Muito mais amplo do que uma decisão de gabinete

Silvana Zioni, urbanista que participou dos estudos do PITU 2020

A Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo (STM) afirmou que o PITU “é um documento macro, sempre utilizado como base de diretriz para estudos de extensão e implantação de sistemas de transportes”. “O material se propõe como um processo de planejamento estratégico permanente, fugindo dos planos estáticos, buscando propiciar reciclagens periódicas, incorporando as mudanças ocorridas na sociedade e na infraestrutura urbana”.

O Metrô afirma, sobre a linha 2, que foi elaborado em 2006 o estudo “Rede Essencial - Trechos Prioritários”, a partir das diretrizes definidas pelo PITU 2020 e da comparação do traçado de três redes de metrô: a Rede PITU 2020 (1999), com cerca de 230 km, a Rede Azul (2002), desenvolvida pelo Metrô, e uma terceira rede distributiva, mais centralizada.

“Assim, o Metrô chegou a um novo desenho de Rede de Transporte Metroviário. Neste estudo, é apresentada a ‘Diretriz de Traçado para a Continuidade da Linha 2 - Verde’ com a alternativa de continuidade da linha a partir de Sacomã em direção a Tatuapé.”

O projeto é o que está atualmente em vigor e, segundo a companhia, considerou o atendimento pelas linhas 15 e 3 do Metrô e 11 e 12 da CPTM.

Covas queria nova licitação

A retomada das obras da linha 2 não era um desejo do governador Mário Covas. Segundo a delação de Gandolfo, o tucano desejava uma nova licitação para o trecho. “Nosso medo era perder o contrato. Porque esse contrato ficou dez anos numa corda bamba. O Mario Covas era favorável a rescindir o contrato e fazer uma nova licitação”, diz, na delação.

A sinalização da manutenção do contrato surgiu logo após a posse definitiva de Geraldo Alckmin, que, durante a doença de Covas, permaneceu como governador interino. Foi acertado, no entanto, que o contrato da Odebrecht servira também para pagar projetistas --o que não era previsto no acordo inicial.

“Na época, o Metrô já não tinha as empresas projetistas contratadas, porque o contrato delas tinha sido anulado. Foi feito ajuste de projeto, principalmente no lote 2 que era todo elevado e passou a ser todo enterrado, e depois de concluído o projeto orçamos o que tinha que caber dentro dos 120 milhões do lote 2 e fechamos o projeto e poderia ser iniciado.”

Segundo Gandolfo, a retomada do contrato incluiu uma reunião com o então presidente do Metrô, Luiz Carlos Prayze David. “Ele disse que precisava de um apoio nosso para um grupo de deputados que precisava contribuir para que não tivesse pressão da Assembleia contra esse contrato --ficar dez anos com um contrato em 'stand by' é discutível. Ele me disse que precisaria de 4% ou 5% do valor do contrato para que fosse destinado a ele, que seria encarregado da distribuição.”

A Secretaria dos Transportes Metropolitanos do Estado afirmou, por e-mail, “que é a maior interessada no avanço e resolução dos processos que envolvem delações, pois preza pela transparência de seus trabalhos e exige de seus funcionários uma conduta ética condizente com os mais elevados padrões do serviço público do Estado”. “No caso da participação efetiva de funcionários ou ex-funcionários em qualquer tipo de crime, a posição da STM é clara: que se aplique a lei, que sejam julgados e, se condenados, punidos.”

Em nova nota enviada às 19h15 de sexta-feira (12), a Secretaria dos Transportes Metropolitanos afirmou que a reportagem "parte de fatos que não têm qualquer relação entre si, e desse modo tenta alinhavar uma relação de causa e efeito que não existe". "A reportagem induz o leitor a erro ao associar decisões de ordem técnica às denúncias de possíveis desvios de recursos em obras da linha 2 do Metrô. O PITU, em todas as suas versões, procura orientar os sistemas de transportes e está sujeito a alterações advindas das constantes transformações da cidade. Seria no mínimo anacrônico um plano de desenvolvimento não levasse em consideração as mudanças no ambiente urbano. Planejar ações inclui a possibilidade de alterá-las. Tentar ligá-las ao caos tão em voga no noticiário não passa de um lamentável exercício de ficção."