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Ex-governadores do DF, Agnelo e Arruda são presos em operação ligada a estádio da Copa

Jose Roberto Arruda chega preso à superintendência da PF em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress
Jose Roberto Arruda chega preso à superintendência da PF em Brasília Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Nathan Lopes, Mirthyani Bezerra e Luciana Amaral

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

23/05/2017 07h10Atualizada em 23/05/2017 12h50

Dois ex-governadores do Distrito Federal foram presos em uma operação da PF (Polícia Federal) realizada nesta terça-feira (23). José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT) teriam ligação com um esquema que superfaturou o valor das obras do estádio Mané Garrincha, usado na Copa do Mundo de 2014 e nos Jogos Olímpicos de 2016, em mais de R$ 900 milhões.

O assessor especial da Presidência da República, Tadeu Filippelli, também foi preso. Ele foi vice-governador na gestão de Agnelo e é presidente do diretório do PMDB no DF. Os três são alvos de mandados de prisão temporária (com prazo de cinco dias).

"Orçadas em cerca de R$ 690 milhões, as obras no estádio, que é presença marcante na paisagem da cidade, custaram ao fim, em 2014, R$ 1,575 Bilhão. O superfaturamento, portanto, pode ter chegado a quase R$ 900 milhões", diz a PF em nota. O Mané Garrincha foi o estádio mais caro da Copa.

A Polícia Federal justificou os pedidos de prisões pela “existência dos fatos criminosos, a produção de prova pericial”. Os investigadores ainda citam “a prática sistemática e habitual dos crimes de corrupção”, além da “associação criminosa e lavagem de dinheiro estendida ao longo dos anos e dos governos do Distrito Federal”.

A liberdade deles geraria “riscos à ordem pública”, na visão da PF. “[Eles] podem empreender novas operações de lavagem de dinheiro, dissipar ativos, e efetuar tratativas visando a macular e a destruir provas, e movimentar contas bancárias ainda não identificadas”.

Outro fator que motivou as detenções é o prejuízo de quase R$ 1,3 bilhão que construção do estádio rendeu à Terracap, estatal utilizada para financiar a reforma do estádio, segundo a PF.

Arruda foi governador do DF entre 2007 até 2010, quando teve o mandato cassado. Agnelo comandou o Distrito Federal entre 2011 e 2014. 

Até segunda-feira (22), Filipelli despachava do terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos metros do gabinete de Michel Temer, no mesmo pavimento. O ex-vice-governador do DF era um dos responsáveis pela articulação política do presidente com o Congresso Nacional ao lado de Rodrigo Rocha Loures, acusado em delação da JBS de receber propina em mala de viagem, e do ex-deputado Sandro Mabel.

Ordens judiciais

Além dos mandados contra Arruda, Agnelo e Felippelli, há outros sete de prisão. A 10ª Vara da Justiça Federal do DF, que autorizou a operação, ainda expediu 15 mandados de busca de apreensão e outros três de conduções coercitivas. Todos devem ser cumpridos na região da capital federal.

Também foi determinada a indisponibilidade de bens de 13 envolvidos até o limite de R$ 60 milhões, segundo o MPF (Ministério Público Federal) no Distrito Federal. "O bloqueio e a indisponibilidade de bens se fazem necessários no presente contexto, para obter judicial e antes do termo final os valores que possam ser produtos do delito", diz o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira.

No caso de Arruda e Queiroz, o bloqueio determinado pelo juiz para cada um foi de R$ 10 milhões.

A operação usou como base delações premiadas da Andrade Gutierrez, responsável pelas obras. Segundo os delatores da empreiteira, os pagamentos foram viabilizados por meio de doações de campanha (formais e por meio de caixa 2), além da simulação de contratos de prestação de serviços.

“Pessoas ligadas aos agentes políticos eram os responsáveis por fazer as cobranças junto às empreiteiras e também por operacionalizar os repasses dos valores”, segundo o MPF.

De acordo com os investigadores, os relatos apontam dezenas de pagamentos de propina que, em valores preliminares, somam mais de R$ 15 milhões.

Agnelo Queiroz também foi preso nesta terça-feira - Kleyton Amorim/UOL - Kleyton Amorim/UOL
Agnelo Queiroz também foi preso nesta terça-feira
Imagem: Kleyton Amorim/UOL

Entenda o esquema

Segundo a procuradoria, a operação busca “provas de que foi constituído um cartel entre várias empreiteiras para burlar e fraudar o caráter competitivo da licitação” para a reforma do estádio.

O objetivo era “assegurar, de forma antecipada, que os serviços e as obras fossem realizados por consórcio constituído pelas empresas Andrade Guitierrez e Via Engenharia”. O MPF requereu o bloqueio dos bens ativos, contas e investimentos da Via Engenharia até o limite de R$ 450 milhões.

A associação, "ao que tudo indica criminosa entre Andrade Gutierrez e Via Engenharia", foi feita por "ingerência e liderança do então governador José Roberto Arruda", aponta a procuradoria. "A construção dessa obra de grande vulto se deu durante o mandato de Agnelo Queiroz, com indícios de graves irregularidades, que vão desde a ausência de estudos de viabilidade econômica, combinação entre as maiores construtoras do país no fatiamento dos estádios".

O esquema envolvia quatro núcleos, segundo o MPF:

  • econômico: construtora Andrade Gutierrez;
  • administrativo: gestores da administração pública;
  • financeiro operacional: receptores do dinheiro e atravessadores;
  • político: agentes políticos;

De acordo com os procuradores, o caso começou a ser investigado em setembro de 2016, a partir de depoimentos de três executivos da Andrade Gutierrez, em colaboração premiada firmada junto à PGR (Procuradoria Geral da República).

A delação da Odebrecht, no âmbito da Operação Lava Jato, também foi usada na ação de hoje. De acordo com o MPF, as informações de que houve fraude na licitação foram confirmadas por diretores da empreiteira.

Eles afirmaram que, “em decorrência dessa combinação prévia, a empresa [Odebrecht] participou da licitação apresentando um valor superior ao oferecido pela Andrade Guitierrez, que depois, retribuiu o ‘favor’, na licitação para as obras da Arena Pernambuco”.

Além dos depoimentos de membros das empreiteiras, os investigaram também utilizaram informações obtidas “em uma perícia técnica da própria Polícia Federal e um levantamento do Tribunal de Contas do DF, que também constaram fraude na licitação”.

Peritos da PF constataram ao menos seis irregularidades no edital, concluindo que houve "notório direcionamento" do processo. “Já a corte de contas apontou um sobrepreço de R$ 430 milhões, em valores de 2010, montante que corrigido pela taxa Selic alcança, atualmente, R$ 900 milhões”, diz o MPF.

Ao UOL, o governo do Distrito Federal informou que, por ora, não comentaria as denúncias contra dois dos seus ex-governadores. A reportagem não conseguiu contato com as defesas dos ex-governadores Agnelo Queiroz e José Roberto Arruda.

Em nota, a Andrade Gutierrez diz que "segue colaborando com as investigações em curso dentro do acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal e reforça seu compromisso público de esclarecer e corrigir todos os fatos irregulares ocorridos no passado".

Já a Odebrecht diz que "está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua". "[A empresa] reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um acordo de leniência com as autoridades de Brasil, Estados Unidos, Suíça e República Dominicana, e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas”.

A Via Engenharia não irá se pronunciar.

A Presidência da República decidiu exonerar Fillipelli após a operação desta terça-feira (23). 

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O superfaturamento na obra pode ter chegado a quase R$ 900 milhões
Imagem: Flavio Florido/UOL

Construtora participou de elaboração do edital

“Dados já reunidos pelos investigadores dão conta de que, representantes da empreiteira Andrade Gutierrez participaram da elaboração do edital do certame, com a anuência de agentes públicos”, diz o MPF.

A PF diz que, em razão da obra do Mané Garrincha ter sido realizada sem prévios estudos de viabilidade econômica, "a Terracap, companhia estatal do DF com 49% de participação da União, encontra-se em estado de iminente insolvência".

"A renovação do estádio, ao contrário dos demais estádios da Copa do Mundo financiados com dinheiro público, não recebeu empréstimos do BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social], mas, sim, da Terracap, mesmo que a estatal não tivesse este tipo de operação financeira prevista no rol de suas atividades".

De acordo com a procuradoria, “embora os recursos que bancaram a reforma tenham saído da Terracap, a responsabilidade pela realização do processo de seleção das empresas foi conduzido pela Novacap”, outra empresa pública do governo distrital.

As tratativas para o direcionamento da licitação começaram, ainda em 2008, um ano antes da seleção. “Três diretores da Andrade Gutierrez afirmaram que, já naquele momento, ficou acertado o repasse de 1% do valor total da obra para os agentes políticos”. 

Estádio Mané Garrincha foi o mais caro da Copa de 2014 - Jefferson Bernardes/VIPCOMM - Jefferson Bernardes/VIPCOMM
Estádio Mané Garrincha foi o mais caro da Copa de 2014
Imagem: Jefferson Bernardes/VIPCOMM

Estádio grego

O nome da operação é Panatenaico, referência ao Stadium Panatenaico, sede dos jogos panatenaicos, competições realizadas na Grécia Antiga que foram anteriores aos jogos olímpicos.

"A história desta arena utilizada para a prática de esportes pelos helênicos, tida como uma das mais antigas do mundo, remonta à época clássica, quando estádio ainda tinha assentos de madeira", lembra a PF.

A construção foi toda remodelada em mármore, por Arconte Licurgo, no ano 329 a.C. e foi ampliado e renovado por Herodes Ático, no ano 140 d.C., com uma capacidade de 50 mil assentos.

"Os restos da antiga estrutura foram escavados e restaurados, com fundos proporcionados para o renascimento dos Jogos Olímpicos. O estádio foi renovado pela segunda vez em 1895 para os Jogos Olímpicos de 1896".