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"China só investe onde é bem-vinda; cuidado Brasil", diz Câmara de Comércio

Brasil só tem a ganhar com uma aproximação com a China, diz executivo - Arquivo pessoal
Brasil só tem a ganhar com uma aproximação com a China, diz executivo Imagem: Arquivo pessoal

Aiuri Rebello

Do UOL, em São Paulo

19/01/2019 04h00Atualizada em 21/01/2019 12h33

"A China só investe onde é bem-vinda. O Brasil precisa desses investimentos e deve ter muito cuidado, se isso continuar o país vai sofrer". O alerta é do presidente da CCIBC (Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China), Charles Andrew Tang.

O empresário chinês, que foi criado nos Estados Unidos e mora no Brasil, se diz "brasileiro por opção". Ele faz o aviso em um momento do endurecimento do discurso anti-China entre apoiadores e membros do governo do presidente Jair Bolsonaro, por conta do viés "socialista" do sistema político vigente no país asiático e receio de espionagem. Nesta semana, causou ruído nas redes sociais a reação do escritor Olavo de Carvalho, considerado "guru" de Bolsonaro, a uma reportagem do UOL que revelou que uma comitiva de parlamentares do PSL, o partido do presidente, estava na China para conhecer tecnologias de reconhecimento facial, entre outros compromissos. 

As críticas partiram principalmente de apoiadores de Olavo e parlamentares do PSL que não participam da viagem. O governo federal não se manifestou oficialmente até o momento. Alguns parlamentares afirmam que pretendem processar o escritor.

"Achava que o Brasil era uma democracia e um país livre, onde as pessoas podem viajar para qualquer lugar", ironiza o presidente da CCIBC.

 "Estamos acompanhando e sinceramente achei graça na discussão, um total descolamento da realidade sobre o que é a China, o que a China quer o que a China vai fazer. Tenho certeza que se esse senhor [Olavo de Carvalho] e o presidente Jair Bolsonaro visitassem a China, como estão fazendo os parlamentares que foram para lá, voltariam com outra visão do país", afirma Tang. "O Brasil só tem a ganhar com uma aproximação cada vez maior."

"A comitiva foi à China, entre outras coisas, conhecer tecnologias e sistemas de segurança pública nas cidades chinesas, que reconhecidamente estão entre os melhores do mundo. É uma área na qual o Brasil é muito carente de soluções, é uma iniciativa louvável a desses parlamentares", afirma o empresário. 

"A China é hoje provavelmente o país mais capitalista do mundo", afirma o brasileiro por opção. "De comunismo, só sobrou o Partido Comunista que lidera o governo", afirma o empresário. 

Os brasileiros que são patriotas deveriam dar uma medalha para a China. Desde 2016, quando começou a pior crise na história do Brasil, chineses investiram cerca de US$ 20 bilhões ao ano. Os brasileiros estão com milhares de grandes obras de infraestrutura paradas e apodrecendo pela metade, e quem está se dispondo a assumir e terminar são empresários chineses.

Tang faz referência ao fundo comum criado em 2016 pelos governos de Brasil e China para investimento nas obras de infraestrutura inacabadas no país. Foram alocados US$ 20 bilhões, sendo 15 bilhões chineses e cinco bilhões brasileiros. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, à frente dos Estados Unidos, da União Europeia e de países árabes. A balança comercial entre os dois países tem saldo positivo para o Brasil. 

O executivo reforça o alerta: "O Brasil já é um lugar difícil de se investir, um ambiente de negócios burocrático, travado e hostil ao empresário estrangeiro. A gente [os brasileiros] tem medo de investimento estrangeiro e já não é lá muito fácil trazer dinheiro para cá. Só faltava uma desconfiança, uma má vontade, um problema a mais. Se aqui começar a ficar muito hostil, os empresários chineses vão levar o dinheiro deles para outro lugar, paciência."

"Não mandamos soldados a outros países, mandamos empresários" 

Na opinião do presidente da CCIBC, é um erro a estratégia declarada do novo governo brasileiro de tentar uma aproximação maior com o governo norte-americano. "Os Estados Unidos são concorrentes comerciais do Brasil na maioria das áreas. A China não, são economias complementares e parceiras", afirma.

A opção do governo brasileiro, de declaradamente apoiar e se aproximar de Donald Trump [presidente dos Estados Unidos], visto como um bufão e com desconfiança por todo o mundo e que está ameaçado com um processo de impeachment este ano, não me parece ser muito inteligente e nem do interesse dos brasileiros.

Na opinião dele, "a beleza do Brasil é justamente ser amigo de todo mundo, isso tem que continuar". "O Brasil não tem que brigar com o mundo árabe, com a China, com outros países da América Latina e nem com os Estados Unidos", afirma Tang. Ele frisa que os EUA também são um parceiro comercial essencial do Brasil, e que essa parceria deve continuar e ser ampliada, mas não às custas de outras relações. 

"Os norte-americanos são um povo maravilhoso e os EUA, um grande país. Tenho família americana e fui criado lá. No entanto, até boa parte dos americanos vê com desconfiança o próprio presidente, não sou eu que digo isso, é só acompanhar o que acontece lá", afirma o empresário.

"A China não manda soldados a outros países para fazer valer interesses, manda empresários", afirma Tang, em clara crítica ao militarismo dos norte-americanos. "É uma abordagem diferente e acreditam que para ganharem, os outros não precisam perder. Fazemos parcerias de ganha-ganha. É só ver o que está acontecendo na África, os investimentos chineses estão mudando a cara do continente depois de séculos de exploração e estagnação. A China não quer comprar o Brasil."

Espionagem

Sobre o receio de tecnologias chinesas possam ser usadas para espionar os brasileiros e fazer coleta de dados para o governo chinês, Tang afirma que não há fundamento. "Para começar, equipamentos de informática críticos são usados no Brasil há muitos anos, nas antenas... Se esse receio fosse verdade é algo que já estaria acontecendo. É só pegar um especialista e periciar os equipamentos chineses para ver se isso acontece, não tem segredo", afirma.

Se o Brasil fosse os Estados Unidos ou a Rússia, podia até ter sentido. Mas a China não tem interesse nas informações sobre a população, e as informações críticas do país, como pré-sal e outros recursos, não vão ser roubadas por um sistema de câmeras.