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Dodge critica vozes contra democracia, e ministros pedem PGR independente

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

12/09/2019 16h11

Resumo da notícia

  • A PGR Raquel Dodge, que deixará cargo na terça, faz último discurso no STF
  • Ela pede alerta no Brasil para vozes contrárias à democracia
  • Decano e presidente do Supremo defendem que MP atue com indepência

Em discurso que marcou sua última sessão no STF (Supremo Tribunal Federal) à frente da PGR (Procuradoria-Geral da República), a procuradora-geral Raquel Dodge afirmou hoje (12) que "no Brasil e no mundo" surgem vozes contrárias à democracia e pediu que a sociedade e o Judiciário estejam alerta a pressões contra o regime democrático.

Dodge deixa o cargo na próxima terça-feira (17), quando completa os dois anos de mandato à frente da Procuradoria. Ela foi indicada ao cargo pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2017, e preterida pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) que decidiu não reconduzi-la a um segundo mandato.

Bolsonaro decidiu indicar o subprocurador Augusto Aras para o cargo. Aras ainda precisará passar por sabatina no Senado para assumir o cargo.

Na sessão de hoje, Dodge foi homenageada pelo presidente do STF, Dias Toffoli, e por Celso de Mello, ministro mais antigo do tribunal.

A procuradora-geral defendeu a atuação do Ministério Público na defesa de direitos das minorias sociais e afirmou que cabe à instituição atuar no STF para a garantia desses direitos.

"Permitam-me fazer um alerta para que permaneçam atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal, vez que, no Brasil e no mundo, surgem vozes contrárias ao regime de leis, ao respeito aos direitos fundamentais e ao meio ambiente sadio também para as futuras gerações", disse Dodge.

"Neste cenário, é grave a responsabilidade do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal, seja para acionar o sistema de freios e contrapesos, seja para manter leis válidas perante a Constituição, seja para proteger o direito e a segurança de todos, seja para defender minorias trazendo os casos a esta Corte, porque, como acaba de assinalar o seu ministro presidente, o Supremo precisa ser acionado para que possa decidir", afirmou a procuradora.

O ministro Celso de Mello afirmou que o Ministério Público não deve servir aos interesses dos governantes e que apenas governos autoritários e corruptos temem um Ministério Público independente.

"O Ministério Público também não deve ser o representante servil da vontade unipessoal de quem quer que seja, ou o instrumento de concretização de práticas ofensivas aos direitos básicos das minorias, quaisquer que estas sejam, sob pena de o Ministério Público mostrar-se infiel a uma de suas mais expressivas funções, que é, segundo o que diz a própia Constituição Federal, a de defender a plenitude do regime democrático", disse Celso de Mello.

"Sabemos todos que regimes autocráticos, que governantes ímprobos, que cidadãos corruptos e que autoridades impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática temem um Ministério Público independente", afirmou o ministro.

O ministro Dias Toffoli também defendeu a independência na atuação da PGR.

"Sem um Ministério Público forte e independente na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas e no combate à corrupção, os valores democráticos e republicanos propugnados na Constituição de 1988 estariam permanentemente ameaçados", disse Toffoli.

Nem Dodge nem Celso de Mello fizeram referência direta ao presidente Jair Bolsonaro. Mas as falas chegam num momento em que Bolsonaro foi criticado por membros do MPF (Ministério Público Federal) por ter ignorado a lista tríplice da categoria na escolha de Aras e também por suas declarações de que estava buscando um procurador-geral "alinhado" com seu governo.

Também teve repercussão recente no meio político a afirmação do filho do presidente, o vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC), de que a transformação do país não viria por "vias democráticas". A declaração foi criticada por políticos e ministros do STF. Posteriormente, Carlos afirmou que foi mal interpretado e que não teria defendido a ditadura.

O presidente Jair Bolsonaro tem se notabilizado pela defesa de regimes ditatoriais, como o implantado no Brasil pelo Golpe Militar de 1964, e por declarações contrárias ao direitos de minorias sociais, como os direitos LGBT.

O presidente tem dito, por exemplo, que "família é homem e mulher" porque isso estaria escrito na Bíblia. A afirmação contraria julgamento do próprio STF que reconheceu, em 2011, que os casais homossexuais têm os mesmos direitos que a legislação brasileira estabelece para os casais heterossexuais.

Durante a fase de escolha do indicado à PGR, Bolsonaro afirmou que não queria no posto um "xiita" em temas ambientais e buscava um nome que não defendesse a chamada "ideologia de gênero".

"Se eu botar um cara para combater à corrupção que é favorável à ideologia de gênero, fim da família e essas patifarias todas que estão ai, eu não vou fazer isso", disse Bolsonaro, ao comentar a indicação de Aras a apoiadores, em vídeo publicado nas redes sociais do presidente.

O termo ideologia de gênero não é reconhecido no mundo acadêmico e costuma ser utilizado por grupos religiosos e conservadores contrários às discussões sobre diversidade sexual e de identidade de gênero.

Augusto Aras já afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo ser contrário à "ideologia de gênero" e criticou a decisão do STF que tornou crime a homofobia.

Hoje, o ministro Celso de Mello, que foi relator da ação que criminalizou a homofobia, afirmou que o Ministério Público não deve servir a "grupos ideológicos" ou a governos.

"O Ministério Público não serve a governos, o Ministério Público não serve a pessoas, o Ministério Público não serve a grupos ideológicos, o Ministério Público não se subordina a partidos políticos, o Ministério Público não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República", disse o ministro.