Leonardo Sakamoto

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Reportagem

Tarifa zero em SP depende apenas de vontade política, defende pesquisador

O Movimento Passe Livre (MPL) convocou uma segunda manifestação contra o aumento das tarifas no transporte público em São Paulo para a próxima quinta (16). O alvo é o aumento na passagem de ônibus (que estava represado pela gestão Ricardo Nunes) de R$ 4,40 para R$ 5 e nas tarifas de metrô e trens, sob responsabilidade do governo Tarcísio de Freitas, que foram de R$ 5 para R$ 5,20.

A primeira manifestação do MPL foi realizada na última quinta (9). Outra sobre o mesmo tema, organizada por entidades estudantis, está marcada para esta terça (14). Além do aumento na tarifa, está de volta a pauta sobre a "catraca livre" no transporte público.

"A implementação da tarifa zero na cidade de São Paulo está ao alcance e depende de poucos ajustes financeiros", defende o professor Márcio Moretto, coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo. Para ele, que pesquisa a pauta desde antes das jornadas de junho de 2013, que tiveram na redução na tarifa do transporte público e na catraca livre suas bandeiras, uma mudança depende apenas de vontade política.

"Cerca de R$ 6,7 bilhões dos R$ 11 bilhões necessários [para a tarifa zero] anualmente já são subsidiados pelo governo municipal. Com o repasse direto pelas empresas dos valores atualmente gastos com vale-transporte, de R$ 1,8 bilhão, e a eliminação dos custos operacionais de cobrança, de R$ 1,1 bilhão, faltariam apenas cerca de R$1,4 bilhão para cobrir integralmente a operação", diz. Segundo ele, há fontes municipais para cobrir esse restante.

Leia a entrevista com Moretto abaixo:

A Prefeitura de São Paulo afirma que o reajuste nas tarifas ficou abaixo da inflação acumulada. Diante disso, a crítica ao reajuste é justa?

Embora o reajuste tenha ficado abaixo da inflação desde o último aumento, seu impacto é severo para as famílias de baixa renda. Para muitos, o custo diário de ida e volta equivale ao preço de itens essenciais, como um quilo de arroz ou um litro de óleo. Diante desse cenário, a proposta da tarifa zero, que visa à gratuidade integral do transporte público, surge como uma alternativa viável e necessária.

Mas essa proposta é realmente viável economicamente em São Paulo?

Estudos indicam que entre 10% e 13% do custo total do sistema de transporte público corresponde a despesas com bilhetagem e cobrança. A implementação da tarifa zero no transporte público da cidade de São Paulo está ao alcance e depende de poucos ajustes financeiros. Cerca de R$ 6,7 bilhões dos R$ 11 bilhões necessários anualmente já são subsidiados pelo governo municipal. Com o repasse direto pelas empresas dos valores atualmente gastos com vale-transporte, de R$ 1,8 bilhão, e a eliminação dos custos operacionais de cobrança, de R$ 1,1 bilhão, faltariam apenas cerca de R$1,4 bilhão para cobrir integralmente a operação.

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No caso da mobilidade urbana, o uso do transporte público gera externalidades positivas significativas, como a redução de congestionamentos, poluição e acidentes, enquanto o uso intensivo de veículos individuais amplifica os impactos negativos nessas áreas. A tarifa zero não apenas incentiva o transporte coletivo ao eliminar o custo direto para os usuários, mas também é mais eficiente do ponto de vista econômico, já que elimina custos operacionais associados à cobrança de tarifas.

Mas de onde sairia esse montante extra?

Por meio de várias propostas já discutidas, como a adoção de IPTU progressivo, inspirado na gestão de Luiza Erundina (prefeita de São Paulo, pelo PT, entre 1989 e 1992), a criação de uma contribuição por empregado, baseada no modelo francês, e a municipalização de impostos sobre combustíveis, como a Cide.

E como seria resolvido o aumento no número de usuários do sistema a partir do momento em que a tarifa for zero?

Primeiro, a maior procura deve ser vista como uma oportunidade para ampliar as externalidades positivas, promover a inclusão social e impulsionar a economia local. Nas cidades que implementaram a tarifa zero, o maior aumento de demanda foi registrado nos fins de semana. Em São Paulo, a demanda aumentou 33% quando o transporte passou a ser gratuito aos domingos, indicando um possível teto para o aumento do uso.

Várias das cidades que adotaram a tarifa zero optaram por um modelo de remuneração baseado nos quilômetros rodados, em vez de no número de passageiros, o que reflete melhor os custos reais de operação. Esse modelo incentiva as empresas a manterem os ônibus menos lotados e a oferecerem um serviço mais eficiente. Com isso, o aumento da demanda não implica um crescimento proporcional nos gastos públicos. Em Caucaia, por exemplo, a demanda subiu 371%, mas o custo operacional aumentou apenas 30%

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A pauta da catraca livre era uma das bandeiras das jornadas de junho de 2013. O que vemos agora é uma retomada daquelas manifestações?

O preço do transporte público sempre foi uma questão amplamente popular, estando no centro do maior protesto da história recente do Brasil, exatamente as manifestações de 2013. Apesar das diversas narrativas distorcidas que surgiram posteriormente, tentando reduzir o movimento a causas difusas ou deslegitimá-lo, o estopim foi claramente o aumento das tarifas de ônibus e metrô.

A tarifa zero, ao eliminar a barreira econômica do custo da passagem, responde diretamente a essa demanda popular, reafirmando o transporte público como um direito essencial e uma ferramenta de inclusão social. Vale lembrar que entre 2022 e 2023, o ICMS sobre combustíveis foi zerado por uma medida claramente eleitoreira, que foi na contramão do papel do Estado em regular as externalidades negativas do uso de combustíveis fósseis. Nesse período, apenas o Estado de São Paulo deixou de arrecadar mais de R$7 bilhões, uma quantia que poderia ter sido utilizada para financiar políticas públicas de maior impacto social e ambiental. Essa decisão evidencia que, quando há vontade política, é possível atender a reivindicações populares.

No entanto, o Estado não deve ceder a qualquer pressão da sociedade, mas sim àquelas demandas que, respaldadas por estudos e evidências, promovam benefícios concretos para a população.

Prefeitos que estão à direita no espectro político, como a atual gestão da Prefeitura de São Paulo, abraçaram a pauta que, originalmente, era bandeira da esquerda. Por que isso aconteceu?

Nos últimos anos, a tarifa zero foi implementada em mais de 100 cidades brasileiras, mostrando que, independentemente da posição política das gestões locais, garantir o acesso ao transporte público tornou-se uma prioridade.

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A demanda por transporte público mais acessível é uma pauta extremamente popular, que transcende ideologias políticas. Após os grandes protestos de 2013, o tema passou a ser discutido por políticos de diferentes espectros ideológicos. A adesão à ideia de uma tarifa mais acessível ou até mesmo gratuita não é coincidência: trata-se de uma questão que afeta diretamente milhões de pessoas e tem forte apelo popular.

Isso envolve todas as colorações políticas?

Políticos de extrema direita, conhecidos por recorrerem a pautas ideológicas para manter sua base engajada, por exemplo, acabam percebendo que apenas o voto ideológico não é suficiente para vencer eleições e, por isso, precisam também abordar questões concretas que impactam diretamente a vida da população para ampliar seu apelo eleitoral.

Um exemplo claro foi a estratégia adotada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que, às vésperas da eleição de 2022, implementou uma série de medidas econômicas visando aumentar sua popularidade, como a ampliação do auxílio emergencial e a criação do Auxílio Brasil. Assim como ocorreu com o auxílio emergencial, a pauta do transporte público gratuito é uma demanda que atravessa divisões políticas e ideológicas, apresentando benefícios diretos para toda a sociedade e reforçando o transporte como um direito essencial.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.